ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 46) Ano 2017. Pág. 1

A interface entre alimentação escolar e agricultura familiar em Jampruca e Mathias Lobato, Minas Gerais (Brasil)

The interface between school feeding and family farming in Jampruca and Mathias Lobato, Minas Gerais (Brazil)

Sara SILVA SA 1; Almiro ALVES JÚNIOR 2; Alan Ferreira de FREITAS 3; Alair Ferreira de FREITAS 4

Recebido: 14/05/2017 • Aprovado: 12/06/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE

3. A inserção da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar

4. Resultados e discussão

5. Considerações finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é um dos maiores programas na área de alimentação escolar no mundo, constituindo uma importante estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional, e no desenvolvimento socioeconômico da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações. Essa pesquisa teve como objetivo analisar de forma comparativa a implementação do Programa de Alimentação Escolar nos municípios mineiros de Jampruca e Mathias Lobato.
Palavras-chave: Agricultura Familiar. Alimentação Escolar. Políticas Públicas

ABSTRACT:

The Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) is one of the largest programs in the field of school feeding in the world, constituting an important strategy of food and nutritional security, and socioeconomic development of family farms and rural family entrepreneurs or their organizations. The purpose of this research was to compare the implementation of the School Feeding Program in the Minas Gerais municipalities of Jampruca and Mathias Lobato.
Key words: Family farming; School Feeding Program; Public policy

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1. Introdução

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é a maior e mais antiga política pública na área de alimentação e nutrição do Brasil e um dos maiores programas de alimentação escolar do mundo, constituindo uma estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) que se orienta pelos princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Foi implantado no Brasil, oficialmente, em 1955 e tem como objetivo contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de práticas alimentares saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo. Tem caráter suplementar e transfere recursos financeiros do orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para atender os alunos da educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos) matriculados em escolas públicas e filantrópicas das redes públicas federal, estadual, distrital e municipal (BRASIL, 2013; FNDE, 2009).

Em 16 de junho de 2009, a Lei nº 11.947, determinou, em seu artigo 14, que do total dos recursos repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento), deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações. Tal aquisição poderá ser executada dispensando-se o procedimento licitatório, por meio de chamada pública, e deverá ser realizada, sempre que possível, no mesmo ente federativo em que se localizam as escolas, priorizando as propostas de grupos do município (BRASIL, 2009).

Esta estratégia do Estado em inserir os gêneros alimentícios da agricultura familiar na alimentação escolar é fundamentalmente uma ação que visa promover a segurança alimentar e nutricional dos alunos e também dos agricultores. Com essa ligação entre agricultura familiar e alimentação escolar também se garante a satisfação de uma reivindicação histórica dos agricultores: o acesso ao mercado institucional [5]. Com os 30% determinados pela lei, os agricultores familiares podem escoar a produção por mais esse canal de vendas.

A agricultura familiar é responsável por boa parte da produção de alimentos do país (como mandioca, feijão, milho, arroz, trigo, hortaliças, frutas, café, leite, suínos, aves, bovinos), sendo fundamental para promover a segurança alimentar e nutricional. A aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar para o PNAE contribui para ofertar uma alimentação saudável e adequada, respeitar a cultura e as tradições locais, formar hábitos alimentares saudáveis, alcançar o desenvolvimento sustentável e adquirir gêneros alimentícios diversificados, produzidos localmente; além de ser um meio de combate à pobreza rural, diminuição do êxodo rural, geração de renda, desenvolvimento da pequena produção agrícola, pecuária, comércio e indústrias locais, movimentando a economia e impulsionando o desenvolvimento do município (MDA, 2010).

Exemplos das transformações promovidas pela Lei n° 11.947 são os municípios mineiros de Jampruca e Mathias Lobato. Ambos têm boa parte da população residindo em zona rural e alguns agricultores familiares tinham o interesse de aumentar sua renda através da comercialização de seus produtos. Com o PNAE as relações se transformaram e esse novo canal entre a agricultura familiar e a alimentação escolar reconfigurou as relações de produção no meio rural e de alimentação nas escolas, proporcionando benefícios para todo o município.

Considerando a importância da agricultura familiar frente a nova estratégia do programa de alimentação escolar e a necessidade da atuação articulada entre poder público local e os agricultores familiares na implementação da Lei n° 11.947, essa pesquisa busca compreender como diferentes desafios emergem na prática do processo de aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar pelo PNAE e, sobretudo os impactos que podem ser identificados com esse novo formato do PNAE para o município de forma geral e para os agricultores familiares de forma particular. Para isso, procura-se analisar as experiências dos municípios de Jampruca e de Mathias Lobato

O município de Jampruca está localizado no Vale do Mucuri e possui 23 anos de emancipação. Tem uma área de 517.095 km2 e sua população é de 5.361 habitantes. O município possui apenas 01 escola de educação infantil (pré-escola) e ensino fundamental anos iniciais e 01 escola de ensino multiseriado na zona rural. Segundo o censo escolar de 2015, estavam matriculados 127 alunos na pré-escola, 342 alunos no ensino fundamental anos iniciais, 36 alunos no EJA.  O município realizou a aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar apenas em 2012 de uma associação de agricultores do próprio município (FNDE, 2016; IBGE, 2016). O município de Mathias Lobato está localizado no Vale do Rio Doce e possui 53 anos de emancipação. Tem uma área de 172.302 km2 e uma população de 3.373 mil habitantes. No município há 01 escola de ensino fundamental – anos iniciais, 01 escola de educação infantil (pré-escola) e 01 creche, todas na zona urbana. Segundo o censo escolar de 2015 estavam matriculados 75 alunos na creche, 157 alunos na pré-escola, 333 alunos no ensino fundamental anos iniciais e 56 alunos no EJA. O município adquiriu produtos da agricultura familiar em 2014 (de agricultores de uma cidade vizinha) e em 2015, de agricultores do próprio município (FNDE, 2016; IBGE, 2016).  

A realidade da compra da agricultura familiar para a alimentação escolar em municípios de pequeno pote e predominantemente rurais ainda carece de pesquisas mais aprofundadas. Essa lacuna justifica a importância de analisar a implementação do Programa de Alimentação Escolar nos municípios de Jampruca e Mathias Lobato – MG quanto à estratégia de aquisição de alimentos da Agricultura Familiar, e as articulações existentes entre Agricultores, Prefeitura Municipal e EMATER [6].

Utilizou-se para essa pesquisa a abordagem qualitativa descritiva em conjunto a uma análise de dados com contribuição de uma abordagem quantitativa a utilização de dados da Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Agricultura, Setor de Licitação e Compras, Escolas Municipais, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) e Agricultores Familiares. Instrumentalizou-se a pesquisa através de entrevistas semiestruturadas, compreendendo o conjunto de atores envolvidos no processo de aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar pelo PNAE. Foram realizadas 14 entrevistas semiestruturadas (7 em cada município), com os seguintes atores: Secretário Municipal de Educação, Diretora da Escola Municipal, Cantineira, Secretário Municipal de Agricultura, Diretor do Setor de Licitação e Compras, Técnico da EMATER e Agricultor Familiar. A coleta de dados ocorreu nos meses de julho, agosto e setembro de 2015.

A análise de documentos secundários fundamenta-se em chamadas públicas, contratos firmados entre PNAE e agricultores familiares e suas organizações/associações, relatórios de Prestações de Contas, documentos do Conselho de Alimentação Escolar e relação de alimentos produzidos, mediante o consentimento e assinatura do termo de Solicitação de Autorização para Acesso e Uso de Dados da Organização, além de sites governamentais. A análise dos dados foi realizada a partir do registro e transcrição das entrevistas e das informações coletadas nos documentos oficiais do município e em sites governamentais utilizados na pesquisa, com utilização da técnica de análise de conteúdo. Após análise, os dados foram discutidos com base no referencial teórico relativo à temática do estudo e organizados de acordo com as questões que nortearam a pesquisa, sendo divididos nas seguintes categorias de análise: Operacionalização da compra direta da Agricultura Familiar pelo PNAE;

2. Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE

A alimentação escolar é direito dos alunos da educação básica pública e dever do Estado. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é um dos maiores programas de alimentação escolar do mundo, tanto em número de pessoas atendidas quanto em recursos alocados, e o único com atendimento universalizado (FNDE, 2015; VILLAR et al, 2013).

Em 1994, a Lei nº 8.913, de 12/07/94, promoveu a descentralização dos recursos, ficando a execução do programa sob responsabilidade das Secretarias de Educação dos municípios, dos Estados e do Distrito Federal. A descentralização foi consolidada sob o gerenciamento do FNDE, por meio da Medida Provisória nº 1784/98, que instituía a transferência automática dos repasses a todos os municípios e secretarias de educação, sem a necessidade de celebração de convênios ou qualquer outro instrumento similar (DOMENE, 2008; REBRAE, 2015; SPINELLI e CANESQUI, 2002).

Esse fato determinou a redução ou a exclusão dos alimentos formulados, pré-processados, desidratados no cardápio que exigiam pouco tempo de pré-preparo, sem refrigeração, baixos volumes e menor peso, muitas vezes necessitando apenas do acréscimo de água. A Medida Provisória n° 2.178, de 28/06/01, obrigou a aplicação de 70% dos recursos transferidos pelo governo federal na aquisição de produtos básicos, além do respeito aos hábitos alimentares regionais e à vocação agrícola do município, fomentando o desenvolvimento da economia local.

Este processo aumentou o estímulo para aquisição de alimentos básicos e in natura dos produtores locais (cooperativas, indústrias e produtores rurais de pequeno e médio porte), aproximando o cardápio fornecido aos hábitos alimentares dos escolares, na medida em que valorizou o setor primário de produção do município, proporcionando a inserção da pequena empresa, do comércio local, do pequeno produtor e da pecuária local no mercado da alimentação escolar. As prefeituras executavam o programa, devendo para isto comprovar capacidades institucionais. Eram suas funções elaborar os cardápios, adquirir os alimentos, realizar o seu controle de qualidade (articuladas com a Vigilância Sanitária e inspeção agrícola), criar o conselho de alimentação escolar e prestar contas dos valores transferidos (DOMENE, 2008; FNDE, 2015; SPINELLI e CANESQUI, 2002).

Regido pelo Lei 11.947, que lhe proporciona um sólido arcabouço legal, o PNAE tem por objetivo garantir que a alimentação escolar valorize produtos locais de agricultores familiares e o acesso a uma alimentação escolar de qualidade para todos os alunos matriculados na educação básica das redes públicas federal, estadual, distrital e municipal. O PNAE também instituiu, em cada município brasileiro, o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) como órgão colegiado de caráter fiscalizador, permanente, deliberativo e de assessoramento para a execução do Programa, com a reedição da Medida Provisória n° 1.784/98, em 02/06/00, sob o número 1979-19. (BRASIL, 2013; FNDE, 2015). Quanto aos recursos financeiros, o FNDE transfere per capitas diferenciados para atender as diversidades étnicas e as necessidades nutricionais por faixa etária e condição de vulnerabilidade social, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas quanto à aquisição de gêneros da Agricultura Familiar.

3. A inserção da Agricultura Familiar na Alimentação Escolar

A agricultura familiar tem grande importância socioeconômica para a sociedade e tem ganhado força nos últimos anos, sobretudo com a criação de políticas públicas voltadas para este público. Uma dessas políticas é o PNAE. Com essa ação, o PNAE amplia as possibilidades de melhoria da qualidade da alimentação servida, já que adquire gêneros alimentícios diversificados e saudáveis, em consonância com os hábitos alimentares da região, além de proporcionar maior desenvolvimento local de forma sustentável e ser uma fonte de renda e escoamento da produção da agricultura familiar.

O conceito de “agricultura familiar” surgiu no Brasil nos anos 1990, com base num conjunto de estudos e pesquisas que procuravam avançar, conceitual e metodologicamente, em relação ao conceito de “pequena produção rural”. Uma das principais inovações desses estudos foi a elaboração de um conceito de agricultura familiar baseado não sobre um limite máximo de área ou de valor de produção da unidade familiar, mas com base em suas relações sociais de produção (SANTILLI, 2009 apud AROUCHA, 2012).

A agricultura familiar favorece o emprego de práticas produtivas ecologicamente mais equilibradas, como a diversificação de cultivos, o menor uso de insumos industriais e a preservação do patrimônio genético. Dessa forma, o apoio a estes agricultores como forma de estimular a produção de alimentos sustentáveis é considerado essencial, não só por sua capacidade de geração de ocupação e de renda, como também pela maior diversidade e oferta de alimentos de qualidade, menor custo com transporte, confiabilidade do produto, preservação do hábito regional e da produção artesanal, promovendo uma conexão entre o campo e a cidade (CONAB, 2015; CONSEA, 2004; TRICHES e SCHNEIDER, 2010).    

É possível observar através do Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2006, apesar de a agricultura familiar ser responsável por quase 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros e contar com 4.366.267 estabelecimentos da agricultura familiar, representando 84,36% dos estabelecimentos brasileiros, ocupam apenas uma área de 80,10 milhões de hectares que corresponde a 24% da área total ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Também se demonstrou que em torno de 90% das pessoas envolvidas diretamente com a produção na agricultura familiar tinham laços de parentesco com o produtor, reforçando a importante característica da agricultura familiar que é a união dos esforços em torno de um empreendimento comum.

Segundo Triches e Schneider (2010) e Turpin (2009), diante da nova legislação, a alimentação escolar ganha reforços que estimulam os agricultores familiares, além de beneficiar escolares e comunidade local.  Dessa forma, como afirmado por Carvalho (2008), a alimentação escolar tem promovido o desenvolvimento regional, a inclusão social, a movimentação da economia local, o consumo de alimentos mais frescos por parte dos escolares, a redução nos gastos com transportes e a promoção de educação alimentar e nutricional para além do espaço escolar.

O PNAE, a partir das novas diretrizes, tornou-se um importante segmento institucional para aquisição de alimentos da agricultura familiar. E esse encontro – da alimentação escolar com a agricultura familiar – tem promovido uma importante e verdadeira transformação na alimentação escolar, ao permitir que alimentos saudáveis e com vínculo regional, produzidos diretamente pela agricultura familiar, possam ser consumidos diariamente pelos alunos da rede pública de todo o Brasil.

Essa tarefa exige boa articulação entre quem compra (demanda de alimentos para as escolas do município) e quem vende (oferta de alimentos produzidos pelos agricultores familiares), considerando todos os envolvidos no processo, uma vez que o programa possui complexidade própria, com uma série de especificidades como a multiplicidade de atores e arranjos institucionais em que é executado. Compreender tais especificidades e identificar as melhores formas de promover a comercialização dos seus produtos são condições para o sucesso da inserção da agricultura familiar no PNAE (FNDE, 2015; MDA, 2012; SILVA e SOUZA, 2013).

4. Resultados e discussão

4.1. Operacionalização da compra direta da Agricultura Familiar pelo PNAE

A operacionalização da compra direta da Agricultura Familiar pelo PNAE, além da articulação e empenho de diversos atores, envolve várias etapas, explicadas em dez passos através do manual “Aquisição de produtos da Agricultura Familiar para a Alimentação Escolar”, elaborado pelo FNDE, sendo eles:     

1º passo – Orçamento; 2º passo – Articulação entre os Atores Sociais; 3º passo – Elaboração do Cardápio; 4º passo – Pesquisa de Preço; 5º passo – Chamada Pública; 6º passo – Elaboração do Projeto de Venda; 7º passo – Recebimento e Seleção dos Projetos de Venda; 8º passo – Amostra para Controle de Qualidade; 9º passo – Contrato de Compra; 10º passo – Entrega dos Produtos, Termo de Recebimento e Pagamento dos Agricultores.

A entrega dos produtos deve observar o cronograma previsto no edital e no contrato elaborados pelo poder público local. No ato da entrega, deve ser assinado pelo representante da entidade executora, a escola, (responsável pela verificação dos produtos) e pelo fornecedor o termo de recebimento, que atesta que os produtos entregues estão de acordo com o cronograma previsto e dentro dos padrões de qualidade exigidos. Nesse momento deve também ser emitido pelos agricultores o documento fiscal, para que o pagamento possa ser efetuado pela entidade executora. Nessa etapa é fundamental que os agricultores cumpram sua obrigação, entregando alimentos de qualidade, nas quantidades solicitadas e na data estabelecida, para não inviabilizar a execução do cardápio. É de suma importância também que a entidade executora cumpra seu papel, realizando o pagamento dos agricultores na data combinada.

Tais passos compõem as obrigações e a parte burocrática que envolve a operacionalização e a compra direta da agricultura familiar pelo PNAE, mas esse processo vai além e para que efetivamente seja concretizado faz-se necessário a articulação e empenho de vários atores. Nos municípios pesquisados a compra direta da agricultura familiar pelo PNAE, quando realizada, contemplou todos os passos orientados pelo FNDE (ainda que alguns não tenham sido cumpridos em sua totalidade), os quais estão descritos abaixo, para melhor explicar como se dá a operacionalização desse processo.

No município de Jampruca, o orçamento é realizado pelo responsável técnico do PNAE (nutricionista) juntamente com a Secretaria Municipal de Educação, calculando o valor a ser repassado pelo FNDE e o percentual que será utilizado nas compras da agricultura familiar (até o momento apenas 30% do valor). Na aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar realizada pelo município, houve articulação entre nutricionista, Secretaria Municipal de Educação, Secretaria de Municipal de Agricultura e EMATER. Esses atores trabalharam juntos na tentativa de mobilizar os agricultores, difundindo informações sobre a finalidade desse processo e seus benefícios e incentivando a participação dos mesmos, além de realizar o mapeamento dos produtos.

Muitos estavam desmotivados a participar por medo de que a prefeitura pudesse vir a não realizar ou atrasar os pagamentos, demonstrando a falta de confiança desses agricultores em seus governantes, o que é um grande problema para o programa, uma vez que a confiança é o motor da relação de troca, compra e venda. No mesmo período esses agricultores, por meio da Associação Jampruquense de Desenvolvimento Alternativo Assistencial e Recreativo (AJUDAAR), participaram do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA (que também ofertava esses alimentos para as escolas), o que dificultou um pouco pelo fato de que eles não tinham condições de atender à grande demanda dos dois programas.

Mesmo assim, foi decidido que seria realizada a chamada pública. A nutricionista elaborou o cardápio (considerando o mapeamento, a sazonalidade e a quantidade dos alimentos produzidos na região) e o termo de referência (com a lista de todos os alimentos que seriam adquiridos e suas respectivas descrições e quantidades). O Setor de Licitação e Compras elaborou o edital da chamada pública e realizou a pesquisa de preços dos produtos solicitados. O edital foi publicado e divulgado, e a AJUDDAR elaborou o projeto de venda, com o auxílio da EMATER, organizando todos os documentos necessários. No dia, horário e local determinados foi realizada a habilitação e seleção das propostas, sendo que não foi incluído no edital a exigência da apresentação de amostras dos produtos, mas foi levada em consideração a obrigatoriedade de alguns produtos necessitarem de avaliação sanitária, segundo legislação vigente.

Os produtos eram entregues semanalmente, de acordo com as quantidades solicitadas, e, no ato da entrega, não era assinado o termo de recebimento como é orientado, mas um documento mais simples (com o nome do fornecedor, data, produto que estava sendo entregue e quantidade), o qual era assinado em duas vias pelo fornecedor e pelo responsável pelo recebimento dos produtos.  A nota fiscal também não era emitida a cada entrega realizada, mas a cada mês, efetuando-se o pagamento após seu recebimento. No ano seguinte, o processo foi iniciado, mas ocorreu apenas até a elaboração do edital de chamada pública (inclusive com a pesquisa de preços), sendo que o mesmo não chegou a ser publicado.

No município de Mathias Lobato, o responsável técnico do PNAE (nutricionista) e a Secretaria Municipal de Educação fazem o orçamento, calculando o valor a ser repassado pelo FNDE e o percentual que será utilizado nas compras da agricultura familiar (apenas 30% do valor até o momento). A primeira aquisição de gêneros alimentícios foi de uma Associação de Agricultores do município vizinho, após intensa articulação entre nutricionista, Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Agricultura e EMATER. A segunda aquisição foi feita de agricultores do próprio município, após trabalho conjunto desses atores, que realizaram reuniões com os agricultores, fizeram o mapeamento dos produtos e auxiliaram na obtenção da documentação necessária.

O cardápio foi elaborado pela nutricionista (levando em conta o mapeamento, a sazonalidade e a quantidade dos alimentos produzidos na região), assim como o termo de referência (com a lista dos alimentos a serem adquiridos e suas respectivas descrições e quantidades). O Setor de Licitação e Compras elaborou o edital da chamada pública, fez a pesquisa de preços e publicou e divulgou esse edital. Os agricultores elaboraram o projeto de venda, com o auxílio da EMATER, e organizam todos os documentos necessários.

No dia, horário e local determinados foi realizada a habilitação e seleção das propostas. Apesar de já ter sido solicitado, não foi incluída no edital a exigência da apresentação de amostras dos produtos a serem adquiridos, mas levou-se em consideração a obrigatoriedade de alguns produtos necessitarem de avaliação sanitária, segundo legislação vigente. Em seguida, foi firmado o contrato entre a prefeitura municipal (Secretaria de Educação – entidade executora) e os fornecedores (Fornecedores Individuais – detentores de DAP Física). A entrega dos produtos era semanal, de acordo com as quantidades solicitadas, sendo que o responsável pelo recebimento assinava apenas um documento simples (com nome do fornecedor, data, produto que está sendo entregue e quantidade) em duas vias. Mensalmente era emitida a nota fiscal pelos agricultores e efetuado o pagamento pela entidade executora.

Apesar da operacionalização da compra direta da agricultura familiar pelo PNAE seguir quase todas as orientações do FNDE, nem todos os atores envolvidos conhecem bem esse processo, ainda que façam parte dele em alguma das fases. Muitas vezes, mesmo realizando alguma função sob sua responsabilidade, não compreendem bem o que estão fazendo e nem como acontece todo o processo. Ao questionar os entrevistados em relação ao que sabiam sobre a comercialização da agricultura familiar com o PNAE ficou nítida a falta de compreensão do processo como um todo. Isso ocorre dentre outros fatores pela falta de divulgação das informações e trocas de conhecimento entre os envolvidos; ausência de interesse em conhecer efetivamente todo o funcionamento do processo; trocas constantes de representantes dos setores; e ainda falta de interesse da gestão. Além disso, muitos agricultores não têm conhecimento sobre o funcionamento do PNAE, o que diminui o rol de pequenos produtores que fornecem produtos ao programa.           

Vale ressaltar que a lei deu 180 dias para que os municípios pudessem se capacitar e se organizar para cumprirem a exigência de realizar a de gêneros alimentícios da agricultura familiar. Assim, os municípios tiveram o prazo de cerca de seis meses para conhecer o funcionamento de todo o processo e promover a articulação entre os atores envolvidos, buscando estar aptos a realizar essa comercialização.

Nenhum dos dois municípios realizou a compra direta da agricultura familiar pelo PNAE desde a exigência da lei, mas ambos começaram a realizar chamadas públicas apenas no ano de 2012, sendo publicada 01 chamada pública por ano. Em Jampruca, foi realizada a aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar apenas no ano de 2012, por meio da AJUDAAR. Em 2013 foi publicado o edital, mas a chamada pública foi declarada deserta (ausência absoluta de participantes). Já em 2014 nenhum edital foi publicado, o que foi justificado pelo setor devido à situação política em que o município se encontrava nesse ano, com a troca de prefeitos, funcionários e empresas de assessoria.

No ano 2015, apesar da situação política encontrar-se estabilizada e mesmo com a realização de algumas reuniões com os envolvidos, não houve grande interesse da gestão e nem empenho por parte dos setores responsáveis para elaboração da chamada pública. A única compra direta da agricultura familiar foi realizada após grande empenho e articulação dos atores envolvidos para incentivar a participação dos agricultores. No entanto, apenas a AJUDAAR participou da chamada pública, embora o município contasse com mais agricultores que não participavam da associação. Essa baixa participação pode ser explicada pela falta de confiança que os agricultores tinham na gestão municipal da época. Além disso, foram identificados problemas com os alimentos fornecidos (falta de variedade e inadequação sanitária) e ainda atraso no pagamento desses agricultores pela entidade executora.      

Em Mathias Lobato desde 2012 são publicadas chamadas públicas, mas neste ano e em 2013 as mesmas foram desertas, devido à impossibilidade de participação das pessoas do município, que não tinham a DAP. E, apesar da lei orientar que as prefeituras recorram a fornecedores fora do município, não foram realizadas chamadas públicas regionais. No ano de 2014, após intensa articulação entre a Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Agricultura e a EMATER do município vizinho, foi elaborada chamada pública também em âmbito regional e realizada a aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar deste município, que faz limite com Mathias Lobato.

Em julho de 2015, foi firmado contrato, através da chamada pública, para a compra direta de agricultores do próprio município. Neste ano o município firmou contrato com a EMATER e essa organização, juntamente com a Secretaria Municipal de Agricultura e Secretaria Municipal de Educação, mobilizou os agricultores, realizando inúmeras reuniões com o objetivo de sensibilizá-los quanto à venda de produtos para a alimentação escolar, emitindo também a DAP para os agricultores aptos à mesma, o que possibilitou a realização da chamada pública e a efetivação da compra. Nesse município o apoio da EMATER foi primordial para concretização do processo, que só aconteceu após intervenção da mesma.

A impossibilidade de fornecimento da documentação exigida pode dificultar a participação de agricultores em chamadas públicas, o que é observado principalmente no município de Mathias Lobato, que só começou a ter agricultores com a DAP em 2015. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário, com relação ao número de agricultores detentores da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), o município de Jampruca, no ano de 2015, contava com 67 agricultores com DAP ativas e 74 agricultores com DAP desativadas, e o município de Mathias Lobato com 09 agricultores com DAP ativas, todas emitidas nesse ano. Vale ressaltar que muitos agricultores do município de Mathias Lobato não possuem a DAP, pois estão na situação de comodatários, o que os impossibilita de fornecer para a agricultura familiar.

O fato do não atendimento da totalidade imposta pelo artigo 14 da Lei 11.947/2009 foi justificado em cada um dos municípios. Em Jampruca, o não cumprimento foi explicado pelo fato de que apenas a AJUDAAR participou da chamada pública (sendo que só três agricultores se disponibilizaram a entregar); não havia variedade na oferta de produtos; muitos alimentos também eram doados pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), não necessitando adquiri-los; alguns produtos (quitandas) muitas vezes não apresentavam boa qualidade; além do atraso no pagamento desses agricultores, diminuindo a motivação dos mesmos em continuar fornecendo seus produtos.

Em Mathias Lobato a razão do não atendimento à exigência da lei pode ser explicado pelo fato de que a compra do ano de 2014 só iniciou no mês de maio e ainda devido à falta de variedade na oferta de produtos. Os agricultores já entregavam alimentos para o PNAE e PAA de seu município e os que podiam ofertar em grande quantidade eram hortaliças, mas o município de Mathias Lobato não tinha a necessidade de comprar, pois as escolas já possuem hortas. Em 2015 esse percentual também não foi alcançado, mas ficou mais próximo do exigido, totalizando 24,6%, o que é um grande avanço, considerando que foi utilizado um pequeno saldo restante da chamada pública do ano anterior e que a aquisição de gêneros alimentícios do próprio município iniciou apenas em julho.

Além disso, dos cinco agricultores fornecedores apenas três forneceram alimentos para a alimentação escolar, ainda que sem regularidade e variedade. Os demais não tinham alimentos para oferecer esse ano, alegando impossibilidade de produção devido a fatores climáticos, como a falta de chuva. A compra de grande quantidade de gêneros alimentícios de poucos agricultores pode ser justificada pelo fato de que a maior parte da aquisição foi de quitandas, que vendem os produtos por valores mais altos. Tendo em vista todos os aspectos observados, é imprescindível a organização e articulação entre as entidades e atores locais envolvidos no processo para que os agricultores compreendam bem toda a burocracia, obtenham a documentação necessária e possam se estruturar para aumentar a variedade de produtos, melhorar a qualidade e fornecer de maneira regular e constante.

4.2. Impactos da aquisição de gêneros alimentícios da Agricultura Familiar

Com a publicação da Lei nº 11.947/2009 o PNAE passou a ter grande potencial para ser utilizado como uma política estruturante, o que é confirmado por Triches (2010), que considera que ao adquirir os produtos de agricultores locais, pode ser constituído um novo nicho de mercado para a agricultura familiar. E isso contribui para a promoção de empregos e trabalho no meio rural, diminuição do êxodo e, consequentemente, da pobreza rural e urbana.

Partindo das experiências que conseguiram suplantar as barreiras e efetivaram as compras para a alimentação escolar de agricultores familiares, destacam-se os impactos e contribuições desse processo. A efetivação da aquisição de gêneros alimentícios da Agricultura Familiar para o PNAE nos municípios pesquisados proporcionou mudanças significativas nas práticas alimentares, na vida dos agricultores e até mesmo na economia local. Nesses municípios, apesar dos problemas apontados em relação aos alimentos da agricultura familiar, como a falta de variedade e de qualidade de alguns produtos, a inserção desses alimentos trouxe impactos positivos, proporcionando inúmeros benefícios para a alimentação escolar, para os agricultores e para a economia local.

4.2.1 Benefícios para a Alimentação Escolar

Os cardápios da alimentação escolar devem ser elaborados pelo nutricionista responsável técnico, com utilização de gêneros alimentícios básicos, de modo a respeitar as referências nutricionais, os hábitos alimentares, a cultura alimentar da localidade e pautar-se na sustentabilidade, sazonalidade e diversificação agrícola da região e na alimentação saudável e adequada, conforme orientado pela Resolução FNDE nº 26/2013. A agricultura familiar fornece produtos frescos, saudáveis e com respeito à cultura, à sazonalidade e à vocação agrícola da região. Com a compra direta da agricultura familiar, os municípios incluíram na alimentação escolar alimentos da região, respeitando os hábitos alimentares e a cultura local, possibilitando oferecer mais opções de preparações e cardápios mais nutritivos, embora não exista grande variedade e nem regularidade na oferta dos produtos.

Segundos depoimentos coletados em campo, novos alimentos que antes não eram adquiridos via licitação (devido ao alto custo, baixa qualidade, dificuldade no armazenamento e entrega das empresas), passaram a ser incorporados nos cardápios, como por exemplo o quiabo, a mandioca, o milho verde, a mexerica e o coco, possibilitando um cardápio regionalizado, mais nutritivo e com mais opções de preparações. São exemplos das preparações incluídas: “Frango com Quiabo”, “Carne Moída com Quiabo”, “Caldo de Mandioca”, “Mingau de Milho Verde”, “Milho Verde Cozido”, “Mexerica” (in natura), “Suco de Mexerica”, “Água de Coco”, entre outras.

A legislação prevê a oferta de alimentos de qualidade, em condições higiênico-sanitárias adequadas, fazendo com que os agricultores se preocupassem em atender os requisitos exigidos e oferecer alimentos de qualidade. De acordo com as constatações sobre a entrega dos alimentos é perceptível nos dois municípios que várias vezes os alimentos foram devolvidos aos agricultores, pois não apresentavam boa qualidade. Não obstante, muitos conseguiram aperfeiçoar a produção e ofertar produtos melhores e condizentes com o exigido. Outros agricultores estão se adequando e até mesmo construindo espaços conforme as solicitações da vigilância sanitária, onde será possível a produção de alimentos que poderão ser comercializados. Alguns também estão se capacitando e aprimorando as técnicas de produção.                   

Os efeitos da inserção de alimentos da agricultura familiar na alimentação escolar vão além e chegam às salas de aula e nas casas dos alunos. Os professores utilizam esses alimentos como forma de trabalhar o conteúdo a ser discutido em sala. A nutricionista local, em ambos os municípios, executa um projeto com as crianças onde é incluída a utilização desses alimentos. Em casa essa alimentação mais saudável e adquirida dos próprios munícipios (muitos até parentes dos alunos), é comentada, auxiliando na promoção da alimentação saudável. Podemos dizer então que a promoção da educação alimentar e nutricional consegue ir além do ambiente escolar.

4.2.2. Benefícios para os Agricultores Familiares

Os agricultores familiares dos municípios pesquisados que fornecem para o PNAE ampliaram as possibilidades de comercialização de seus produtos e aumentaram sua renda. Muitos não conseguiam vender sua produção ou vendiam apenas nas feiras do próprio município, outros produziam apenas para o próprio consumo.  Assim, encontraram na alimentação escolar uma forma de vender tudo o que produzem e até aumentar a produção, uma vez que a garantia da comercialização estimulou o investimento em suas atividades.

Outro benefício é a preocupação com o mínimo uso de insumos químicos na produção, visando assegurar um alimento com melhor qualidade. Há também maior auxilio da EMATER aos agricultores, assessorando na parte burocrática e em todo o processo de produção. Mais uma contribuição é o fortalecimento da organização social dos agricultores, induzindo a formação de grupos e redes de colaboração, até mesmo pelo fato de que a legislação incentiva a criação e fortalecimento de associações/grupos formais. Essa organização necessita do trabalho conjunto e de parcerias, como a EMATER, gestores, funcionários da prefeitura, CAE, entre outros atores envolvidos no processo.

Podemos observar que a Lei nº 11.947/2009 trouxe grande apoio à agricultura familiar do Brasil. Turpin (2009), mostra que há diversos mecanismos utilizados pelos municípios nos quais a alimentação escolar é fator determinante de apoio à agricultura familiar, estímulo esse baseado em três aspectos presentes na legislação do PNAE há vários anos: exigência ao respeito à vocação agrícola e hábitos alimentares regionais; compras dentro dos limites geográficos regionais; e uso de produtos in natura, típicos dessa produção.

Prezotto (2002), afirma que a agroindústria familiar rural pode ser uma alternativa viável para reverter as condições sociais vivenciadas no campo, impulsionando direta e indiretamente novas alternativas de trabalho e renda. O que seria concebida como sendo uma inclusão socioeconômica dos agricultores familiares. Triches e Schneider (2010), confirmam que essa compra também ajuda na manutenção desses agricultores no campo, enfatizando a importância desse Programa em relação à diminuição da pobreza e do êxodo rural, pois embora ainda seja precoce avaliar os impactos concretos dessas práticas, os relatos das experiências encontradas em seu estudo não só admitem a diminuição do êxodo rural como também a sua inversão.

Assim, são inúmeros os benefícios gerados pelo PNAE aos agricultores familiares. Esse programa, além de criar mais um mercado para seus produtos e valorizar a produção de alimentos locais e regionais, potencializa a afirmação da identidade desses agricultores.

4.2.3. Benefícios para o Município (Desenvolvimento Local)

A comercialização da agricultura familiar com o PNAE desencadeou uma nova dinâmica nos municípios, que extrapola as questões de compra e venda de alimentos. Como citado por Pires e Oliveira (2010), é uma oportunidade para maior desenvolvimento rural que resulta em geração de trabalho, ocupação e renda e dinamização da economia local, repercutindo de modo especial na qualidade da alimentação escolar e no processo de abastecimento local.

Quanto aos impactos nos municípios de uma forma geral, todos os entrevistados consideram que a aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar gera benefícios para o município, para os agricultores e para a alimentação escolar. O Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA (2012) salienta que a iniciativa de comercialização entre agricultura familiar e PNAE abriu para os agricultores familiares um vasto espaço de comercialização que não existia antes. Em nível nacional, o programa possibilita que seja gasto, no mínimo, mais de R$ 1 bilhão por ano para compra de produtos da agricultura familiar. Por favorecer o comércio regional, o PNAE também é uma importante ferramenta para o crescimento econômico local e o combate à pobreza. Para quem adquire esses produtos, o resultado é mais qualidade na alimentação.

Turpin (2009) abordou a alimentação escolar como fator de desenvolvimento local por meio do apoio aos agricultores familiares. Discutiu que diante da nova legislação, a alimentação escolar ganha reforços que estimulam os agricultores familiares e permitem que sejam alcançados os seus objetivos, com ganhos aos escolares, agricultores e comunidade local, possibilitando discussões do PNAE frente à produção e desenvolvimento rural e suas relações com o consumo e a saúde pública.

Em suma, com a inserção dos alimentos provenientes da agricultura familiar na alimentação escolar todos os envolvidos saem ganhando, tanto os agricultores têm mais uma importante oportunidade de comercialização rentável, quanto os escolares têm aumento na qualidade da alimentação servida a eles, além da contribuição para o desenvolvimento local.

5. Considerações finais

A Lei nº 11.947/2009 formou um importante arcabouço legal para promover o fortalecimento da agricultura familiar e da alimentação escolar. O PNAE, a partir dessa nova regulamentação, cria mecanismos para a aproximação entre consumidores e produtores, potencializando as cadeias curtas de comercialização e valorizando a produção local de alimentos. Embora a Lei signifique um grande avanço em termos de políticas para a segurança alimentar e para o desenvolvimento da agricultura familiar foi possível constatar nos casos analisados que diferentes desafios precisam ser enfrentados para que a implementação da lei seja efetivada e institucionalizada.

Os resultados do estudo apresentaram a realidade dos municípios pesquisados quanto à comercialização da agricultura familiar com o PNAE, constatando que a determinação da lei não é cumprida e os municípios, até o 2016 ainda não haviam alcançaram o investimento de 30% dos recursos do FNDE na compra direta da agricultura familiar.

Os agricultores familiares encontram dificuldades para acessar esse mercado e efetivar essa prática de forma regular e permanente. Os dois municípios, próximos um do outro (cerca de 20 km de distância), apresentam pontos em comum, mas, de certa forma, realidades diferentes quanto à aquisição da agricultura familiar pelo PNAE. De forma geral, problemas como a falta de documentação, falta de variedade dos alimentos, inviabilidade de fornecimento regular e constante e inadequação das condições higiênico-sanitárias foram identificados pelos dois municípios como principais barreiras que impedem o programa de cumprir com seu objetivo, sendo justificativas para o não atendimento dos 30%. Além disso, no município de Jampruca o maior desafio é o empenho da gestão municipal para cumprir a lei. E, em Mathias Lobato, é o maior interesse por parte dos agricultores em participar do programa. Isso nos mostra que nesse processo de interação e articulação o papel de cada ator é muito importante, sendo que o não cumprimento de um deles compromete todo o processo.

Também foi possível observar a falta de preparo dos atores envolvidos, que desconhecem seu papel e sua importância no processo, além de que a articulação entre esses se dá de forma muito lenta e sem resultados. Muitas vezes são realizadas reuniões para discussão sobre o tema, mas as propostas não saem do papel, alguns responsáveis não cumprem suas atribuições e o processo vai sendo deixado de lado. Além disso, a decisão concentra-se nas mãos do prefeito, o que atrasa os processos, principalmente porque não é dada a devida importância à essa questão. Dessa forma, esse desinteresse da gestão ocasionou a desmobilização dos agricultores em torno do PNAE e sem o empenho da prefeitura, que é um ator chave (elabora e publica as chamadas públicas e efetua a aquisição de alimentos), a compra não acontece.

Em Mathias Lobato uma parte do município reside em zona rural, sendo que alguns estão na situação de comodatários ou apenas trabalham em fazendas. Os agricultores do município, apesar de venderem seus produtos em feiras da cidade, não tinham a DAP e nem conheciam o funcionamento de programas do governo que fossem um mercado para seus produtos. O rumo da implementação da relação entre PNAE e agricultura familiar foi modificado a partir da implantação da EMATER, que foi mediadora do processo e iniciou a articulação entre os atores responsáveis, emitindo a DAP e organizando os agricultores para que fosse possível fornecerem produtos para o PNAE. Esse trabalho, apesar de recente, tem alcançado êxito e o município adquiriu 24,6% do total dos recursos recebidos em gêneros alimentícios dos agricultores locais no ano de 2015.

Diante disso, pode-se concluir que essa lei, por apresentar um caráter complexo e multifuncional, exige uma maior articulação, organização e planejamento entre os atores sociais envolvidos, sendo necessário adotar ações intersetoriais para que essa dinâmica seja efetivada nos municípios. Pois onde existem mais parcerias atuando de maneira articulada o processo é eficaz, uma vez que se favorece o diálogo, a comunicação e as trocas de favores. Além disso, é primordial vontade política para operacionalizar o PNAE em toda a sua plenitude. E é preciso também intensificar a participação e pleno envolvimento do CAE, que é um espaço propício para interação entre os diversos atores, o que pode auxiliar na superação das barreiras.

Dessa forma, as relações estabelecidas, que podemos chamar de redes, são condicionantes das formas de sucesso da implementação da Lei nº 11.947 pelo PNAE. A efetividade da política está, então, atrelada a estrutura conformada a partir do acesso a política e da capacidade da organização dos atores chaves do processo e dos agricultores de mobilizar seu grupo social e as parcerias desejáveis. Sendo assim, é importante a continuidade, afirmação e ampliação deste programa e o engajamento dos atores envolvidos para atingir a meta de articulação do PNAE com a agricultura familiar. Esses atores devem viabilizar mecanismos de implementação da nova lei, se empenhando para superar as dificuldades encontradas e fortalecer institucionalmente a agricultura familiar e a alimentação escolar.

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1. Especialista em Alimentação e Nutrição Escolar – Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil

2. Licenciado em História, Especialista em Gestão de Empresas, Mestrando em Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, Brasil. E-mail: almiroalves@gmail.com

3. Gestor de Cooperativas, Professor Adjunto do Departamento de Administração, Universidade Federal de Viçosa, Brasil. E-mail: freitasalan@yahoo.com.br

4. Gestor de Cooperativas, Professor Adjunto do Departamento de Economia Rural, Universidade Federal de Viçosa, Brasil. E-mail: alairufv@yahoo.com.br

5. Para Grisa (2012) mercado institucional se refere a uma configuração específica de um mercado em que as redes de troca assumem uma forma particular que é previamente determinada por normas e regras negociadas entre diferentes atores, onde o Estado geralmente tem um papel central, pois assume a compra pública

6. Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 46) Año 2017
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