Vol. 38 (Nº 23) Año 2017. Pág. 17
Aldo Fernando ASSUNÇÃO 1; Aline Votri GUISLON 2; Danilo Barbosa de ARRUDA 1; José Carlos VIRTUOSO 1; Kelly Daiane Savariz BÔLLA 1; Patrícia Figueiredo CORRÊA 1; Peterson Teodoro PADILHA 1; Viviane Kraieski de ASSUNÇÃO 3
Recibido: 24/11/16 • Aprobado: 13/12/2016
3. Procedimentos metodológicos
RESUMO: As universidades apresentam papel importante na produção de conhecimento científico sobre a problemática ambiental. Essas instituições devem ser entendidas como reflexos de um contexto social e, como tal, apresentam suas contradições e tendências. Neste artigo, é apresentada uma pesquisa qualitativa sobre a percepção ambiental de atores sociais sobre as transformações ocorridas em uma universidade brasileira nos últimos trinta anos. Os dados demonstram que a maioria dos sujeitos da pesquisa considera positiva a expansão do campus, que acabou ocasionando a supressão da vegetação nativa. O estudo conclui que pesquisas sobre percepção ambiental podem subsidiar ações de gestão e educação ambiental. |
ABSTRACT: Universities play an important role in the production of scientific knowledge on environmental issues. However, these institutions should be understood as reflection of the social context and, as such, present contradictions and tendencies. In this article, we present a qualitative research about the environmental perception of social actors about the transformations that occurred in a Brazilian university in the last thirty years. The data show that most of the research subjects considered positive the expansion of the university campus, which caused the suppression of native vegetation. The study concludes that research on environmental perception can subsidize environmental management and education. |
O crescente processo de degradação ambiental no planeta, decorrente da ação humana sobre o meio natural, tem exigido que governos e instituições sociais estabeleçam estratégias de enfrentamento. Desde a década de 1970, os problemas ambientais vêm pautando a agenda de diversos organismos internacionais, que têm questionado os modos de produção e consumo das sociedades contemporâneas que levaram ao aumento da produção de resíduos sólidos, contaminação do solo e dos recursos hídricos, poluição do ar, escassez dos recursos naturais, dentre outras consequências (Meadows e outros, 2007).
Nesse contexto, as universidades assumiram papel fundamental na compreensão e enfrentamento desses problemas, por meio da produção do conhecimento científico qualificado que pode subsidiar a construção de ações e políticas públicas. No entanto, é preciso compreender que estas instituições também são parte da sociedade, e, como tal, podem refletir suas tendências e contradições.
Considerando o contexto em questão, esse artigo apresenta o resultado de pesquisa sobre as transformações ambientais ocorridas nos últimos trinta anos em um campus de uma universidade localizada no sul do Estado de Santa Catarina, Brasil, tendo como base a percepção dos atores sociais da instituição. Assume-se que os estudos sobre percepção ambiental possibilitam compreender as impressões que os sujeitos constroem sobre o ambiente, e está relacionada à cultura e aos valores daqueles que percebem. Ao identificar a percepção ambiental dos sujeitos, torna-se possível a compreensão de sua maneira de agir referente ao ambiente e, a partir disso, podem ser elaboradas estratégias de educação ambiental ou intervenções outras que visam a sustentabilidade (Sachs, 2002) e a melhoria da qualidade de vida.
Percepção, para Gerrig e Zimbardo (2005, p. 151) é “o conjunto de processos que organiza a informação na imagem sensorial e a interpreta na forma de algo produzido por objetos ou eventos no mundo exterior”. De acordo com Tuan (1980), a percepção ambiental deve ser compreendida, simultaneamente, a partir de suas dimensões sensorial e cognitiva. Desta forma, constitui tanto a resposta dos sentidos aos estímulos do ambiente quanto a atividade mental que resulta da relação que os indivíduos estabelecem com o meio. “Ao entrar em contato com o meio ambiente, as pessoas fazem uso dos cinco sentidos em um processo associado com os mecanismos cognitivos, ou seja, cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente frente às ações sobre o meio”, afirma Melazo (2005).
Morin (2000, p.20) corrobora com os autores ao afirmar que “[...] todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos”. Por ser um processo que envolve interpretação do sujeito que percebe, a percepção não é uma mera representação da realidade, mas um processo no qual pode haver o registro ou bloqueio de algumas informações advindas através dos sentidos. Merleau-Ponty (1999) compreende a percepção como produto da vivência com aquilo que é percebido, uma vez que não se pode perceber aquilo com o qual não se teve contato direto.
A percepção também é fundamental na construção social do espaço, pois “os locais não são apenas o que são, mas a percepção que temos deles” (Lynch, 1999, p. 331). Tuan (1983) ressalta que a experiência humana com o ambiente contribui para a construção da identidade do lugar, o que pode contribuir para ações de preservação ou restauração ambiental.
A pesquisa utilizou as noções de ambiente natural e ambiente construído para considerar o ambiente de forma abrangente: tanto as áreas verdes, cobertas por vegetação, quanto as edificações e outras intervenções humanas na área do campus universitário. No entanto, não pretende, com estas definições, reificar as oposições entre os dois conceitos, mas pensá-los como mutuamente construídos e relacionados (Monte-Mór, 1994).
Ao considerar as transformações ambientais ocorridas no campus universitário desde sua formação, a pesquisa também assume a importância do conceito de memória, admitindo que memória e percepção possuem uma relação intrínseca. Nesse sentido, a percepção se configura também a partir do que é lembrado ou esquecido pelos sujeitos de pesquisa.
A memória é aqui considerada, concomitantemente, em suas dimensões individual e coletiva (Halbswach, 2004), e é constantemente atualizada a partir do momento presente, como explica Goldenberg (2004, p.56): “a memória é seletiva, a lembrança diz respeito ao passado, mas se atualiza sempre a partir de um ponto do presente”. A autora salienta ainda que “as lembranças não são falsas ou verdadeiras, simplesmente contam o passado através dos olhos de quem o vivenciou” (Goldenberg, 2004, p. 56).
Mais do que uma lembrança, a memória também constitui uma ação, que pode ter um caráter transformador na vida de indivíduos e grupos sociais (Bosi, 1979). Neste sentido, a memória também reelabora o passado para ressignificar o presente e projetar o futuro (Woortmann, 2000), o que ressalta sua importância na construção de alternativas que visam o enfrentamento dos problemas socioambientais.
O lócus do estudo aqui apresentado é a Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), uma universidade comunitária, que conta atualmente com aproximadamente 11 mil estudantes, distribuídos em cerca de 50 cursos de graduação, seis cursos de mestrado e dois cursos de doutorado.
A instituição está localizada no município de Criciúma, na região sul do Estado de Santa Catarina, Brasil, que é o principal município da denominada “região carbonífera”. Essa região é constituída por 12 municípios e uma população total de cerca de 425 mil habitantes, distribuídos em 2.654,88 km². A história da região confunde-se com a atividade carbonífera, que teve início no final do século XIX (Goularti Filho, 2002; Montibeller-Filho, 2009; Gonçalves e Mendonça, 2007). Apontada frequentemente como motor do crescimento econômico da região, a produção de carvão mineral tem gerado graves impactos socioambientais, como poluição hídrica, do ar e do solo e a degradação da fauna e da flora regional, além de inúmeros problemas de saúde que afetam a população local e regional (Gonçalves e Mendonça, 2007; Carola, 2010).
Os rejeitos de carvão foram depositados, durante décadas, nas margens dos rios da região, impactando a qualidade dos recursos hídricos de três bacias hidrográficas (Bacias dos Rios Araranguá, Tubarão e Urussanga) devido à drenagem ácida (Lopes, Santos e Galatto, 2009), que também levou ao comprometimento da produção agrícola devido à contaminação do solo (Menezes e Waterkemper, 2009).
Nos últimos trinta anos, com o declínio da atividade carbonífera, a região apresenta atividade industrial mais diversificada com o desenvolvimento dos setores cerâmico, químico, de produtos plásticos, vestuário e metal-mecânico, mantendo-a como sua principal fonte econômica (Milioli e outros, 2002). Essas atividades, por sua vez, também ocasionam problemas ambientais, com a exploração exacerbada dos recursos naturais, poluição do ar e da água (Montibeller-Filho, 2008). Ainda assim, como explica Volpato (1989), a cidade mantém sua identificação com o carvão, já que sua história e a formação de sua cultura estão atreladas à exploração do minério.
Nesse contexto de degradação ambiental, a história da UNESC tem início em 1968, com a criação, pelo Poder Público municipal de Criciúma (SC), da FUCRI (Fundação Educacional de Criciúma), responsável pela fundação de diversas faculdades a partir dos anos 1970, como a Faculdade de Ciências e Educação. Essas faculdades e escolas superiores foram integradas em 1991 com a formação da UNIFACRI (União das Faculdades de Criciúma). Em 1997, a instituição recebeu o status de universidade e passou a ser denominada UNESC, tendo como missão “promover o desenvolvimento regional para melhorar a qualidade do ambiente de vida”.
Já no século XXI, a questão ambiental tornou-se mais presente na instituição com a criação de seu primeiro curso de mestrado, o Mestrado em Ciências Ambientais (PPGCA), no ano de 2002, com a proposta de uma abordagem sistêmica e interdisciplinar das questões ambientais. Em 2008, a missão da universidade foi revista, inserindo também a sustentabilidade: “Educar, por meio do ensino, pesquisa e extensão, para promover a qualidade e a sustentabilidade do ambiente de vida”. No comprometimento com a sustentabilidade está presente também sua visão de futuro, na qual assume a “formação profissional e ética do cidadão, na produção de conhecimentos científicos e tecnológicos, com compromisso socioambiental”.
No mesmo ano, a universidade aprovou a implantação da Comissão Permanente de Meio Ambiente e Valores Humanos, órgão responsável pela implementação e avaliação de políticas e ações de desenvolvimento ambiental (natural, construído e dos valores humanos) voltadas ao cumprimento da missão da Universidade, dentre outras atribuições. No ano seguinte à sua implantação, a comissão iniciou as discussões para a construção do Plano Diretor Sustentável do campus.
Os dados aqui apresentados são resultados de uma pesquisa exploratória, de caráter qualitativo, ou seja, que se dedica ao estudo dos significados, motivações, valores e atitudes que são parte da realidade social de difícil quantificação (Minayo, 2010), tais como “sentimentos, motivações, crenças e atitudes individuais” (Goldenberg, 2002). A pesquisa, portanto, não se legitima a partir de sua representatividade numérica ou estatística, mas na exploração e no aprofundamento das percepções ambientais dos sujeitos da pesquisa.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com oito sujeitos de pesquisa. Esta modalidade de entrevista possibilita o acesso a informações além das inicialmente listadas pelos pesquisadores (Gaskell, 2004). As entrevistas seguiram roteiro, constituído por cinco perguntas previamente formuladas, que serviram como um guia para organizar o processo de interação com os sujeitos da pesquisa. As perguntas consistiam em saber como os atores percebiam as mudanças e transformações ocorridas nas últimas décadas, tais como as mudanças no ambiente natural, no ambiente construído e no entorno da universidade. Além disso, os entrevistados também foram indagados se consideram essas mudanças ou transformações de forma positiva ou negativa. Este roteiro foi alterado ou adaptado de acordo com o fluxo da conversação, permitindo aos pesquisadores aprofundar questionamentos ou responder a dúvidas que surgiram no decorrer da interação com os entrevistados.
Os sujeitos escolhidos para participar da pesquisa eram professores (três), funcionários (três) e proprietários de estabelecimentos comerciais (dois) que trabalham na universidade há, pelo menos, trinta anos. Como forma de manter o anonimato, em respeito à sua privacidade, os entrevistados serão identificados pelas letras P (professor ou professora), F (funcionário ou funcionária) e S (prestador ou prestadora de serviços, que possuem estabelecimentos comerciais na instituição).
As entrevistas foram gravadas com gravador de voz, com autorização dos entrevistados, e integralmente transcritas. A análise dos dados foi feita por meio do método de interpretação de sentidos descrito por Gomes (2010), que segue as seguintes etapas: (1) leitura compreensiva das entrevistas, de forma a apreender os sentidos de forma geral e particular, identificando temas; (2) agrupamento dos trechos dos registros e das entrevistas em temas, buscando o entendimento de ideias implícitas e explícitas; (3) articulação mais ampla dos sentidos encontrados nos dados com o referencial teórico da pesquisa.
Na análise das respostas dos sujeitos de pesquisa em relação às mudanças ou transformações ambientais da universidade, podem-se vislumbrar percepções semelhantes e também diferenciadas dos professores, funcionários e donos de estabelecimentos comerciais entrevistados.
No que se refere ao ambiente construído da universidade na época em que começaram a trabalhar na instituição, todos os entrevistados mencionam a existência de poucos blocos, destinados à gestão administrativa e aos cursos de licenciatura, chamados de “bloquinhos”, termo que denota uma percepção de tamanho reduzido dos blocos mais antigos em relação aos posteriormente construídos, que possuem, em sua maioria, mais de um pavimento. De acordo com um entrevistado, em 1972, havia cinco blocos nos quais se concentravam todos os setores da instituição e “lá atrás acho que era tipo uma academia para exercício” (S2). Lembra um dos entrevistados: “tinha só blocos baixos, de um pavimento (o do herbário, dos cursos de licenciaturas e administrativo). [...] Toda a UNESC se resumia a poucos blocos, parca pavimentação” (P1). Outro entrevistado relata que não havia iluminação e calçadas, que os caminhos do campus eram de terra, assim como os estacionamentos, que eram poucos em comparação com a configuração atual. Quanto às mudanças ocorridas ao longo do tempo no ambiente construído da universidade, os entrevistados salientam o crescimento exponencial da estrutura, como destaca P1:“Mudou demais! Ampliação de cursos, aumento de espaço físico, infraestrutura. Aumentou o paisagismo, as vielas, coberturas de placas em passarelas, construções de mais lanchonete e pavimentação. Antes era tudo [chão] batido”.
Para os professores entrevistados, houve nítidos avanços nas áreas de pesquisa, ensino e extensão da instituição, que foi acompanhada da construção de edifícios e alguns equipamentos, tais como estacionamento, restaurantes, pavimentação, lanchonetes, passarelas e apoio administrativo. Essas transformações levaram a um passivo ambiental decorrente do desmatamento da Mata Atlântica, como percebem dois professores. Esta é uma das mais importantes florestas tropicais do mundo, por sua rica biodiversidade, e um dos biomas brasileiros mais ameaçados da atualidade. O aumento da área construída da universidade pode ser relacionado à diminuição da formação original dessa floresta, devido à exploração de seus recursos naturais, do avanço da urbanização e da agricultura (Santos e outros, 2016; Myers e outros, 2000; Colombo e Joly, 2010).). Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que a Mata Atlântica, que originalmente se estendia por todo o litoral brasileiro, apresentava, no ano de 2012, somente 14,5% de sua vegetação nativa (IBGE, 2015).
Nas falas dos funcionários, o aumento da infraestrutura da universidade é predominante, e não há menções à supressão vegetal ou a outros problemas decorrentes desse crescimento vertiginoso. É destacado um saudosismo quanto aos tempos de outrora devido à atual perda de contato interpessoal e expansão dos cursos e, consequentemente, aumento do número de funcionários. Nos discursos, fica evidente a percepção de que o espaço construído reduzido e concentrado existente no início da história da universidade favorecia a interação social e a intimidade daqueles que trabalhavam na instituição: “Na época, todo mundo se conhecia, porque tinha contato com todos, sabia o nome de cada um, onde cada um trabalhava” (F1).“Antes todos nos conhecíamos, fazíamos amigo secreto todos juntos. Hoje fica cada um na sua sala e tem colegas de trabalho que estão aqui desde quando entrei, e às vezes ficamos muito tempo sem se ver e se falar” (F2).
Já os proprietários de estabelecimentos comerciais apresentam uma preocupação pautada na diminuição ou aumento dos ganhos financeiros. Um dos entrevistados se queixa que, com o crescimento da instituição, houve também um aumento da concorrência gerado pelo maior número de estabelecimentos comerciais dentro do campus, que também foi seguido pelo preço de aluguel do espaço. Já outra proprietária destaca que “[a universidade] melhorou 100%, na minha opinião. Porque nós fazíamos almoço pra sete pessoas. A gente abria só de manhã, às 10h30, fechava e abria às 17h30, porque não tinha ninguém nem a tarde.”
Nos discursos dos sujeitos da pesquisa, a relação entre o aumento do espaço construído e a supressão das áreas verdes do campus foi julgada de modo ambivalente.
Para as funcionárias, a instituição sempre manteve cuidado com as questões ambientais. Uma delas destaca a beleza do paisagismo, que antigamente era mais simplório em razão dos próprios recursos da instituição na época. Porém, ela considera que houve um grande avanço, e que a instituição preza pela estética e embelezamento do campus, fazendo um ambiente mais “alegre e vivo”, que contrasta com o ambiente triste e escuro de antigamente, relatado por uma delas: “O campus antigamente era mais triste, porque era uma coisa muito escura e agora a gente vê mais bonito, eu acho que ficou uma coisa mais atrativa, mais bonito, mais colorido, mais vibrante, mais vida.” Outra funcionária retrata as áreas de vegetação como “mato”, que, segundo ela, não era muito belo, pois havia somente eucaliptos. Esta entrevistada afirma que a vegetação trazia uma sensação de maior distanciamento entre os blocos.
Essas mudanças ocasionadas pela supressão da vegetação nativa foram caracterizadas pelos funcionários de forma positiva e necessária para o crescimento da universidade, como explica uma das entrevistadas: “Não sei se ambientalmente isso pode ter sido afetado, não enxergo isso, foi uma necessidade de tirar uma árvore, uma vegetação para fazer um prédio porque precisa. A UNESC não tinha como crescer... Por outro lado, ela cuida do que tem, do que restou”.
Os donos de estabelecimentos comerciais denominam a vegetação presente no campus, no início de seu funcionamento, como “mato”, isento de cuidados e beleza. “Hoje o ambiente aqui está bem limpinho, bem caprichado, bem cuidado” (S1). Como não percorriam todas as áreas da instituição, estes proprietários conheciam apenas a vegetação próxima aos seus estabelecimentos comerciais. Um dos entrevistados reafirma que a supressão de áreas verdes da instituição foi necessária e positiva.
A palavra “mato”, recorrentemente citada pelos sujeitos da pesquisa, é popularmente utilizada para se referir a áreas verdes de forma homogênea e indiferenciada, que comumente recebem denotação negativa, como áreas sujas, abandonadas ou perigosas. Neste sentido, a “limpeza” está associada a intervenções humanas no “mato”, o que significa sua supressão completa ou parcial e seu ordenamento por meio do paisagismo. É importante destacar que o paisagismo – que atualmente além das espécies nativas também é composto por espécies exóticas de valor estético, como as arbóreas pata-de-vaca (Bauhinia variegata L.), tulipeira (Spathodea campanulata P. Beauv.), jambolão (Syzygium cumini (L.) Skeels), o arbusto cheflera (Schefflera arboricola (Hayata) Merr.) e por herbáceas populares como a maria-sem-vergonha (Impatiens walleriana Hook.f.) – é caracterizado positivamente pelos sujeitos da pesquisa como mais belo e alegre, em oposição à antiga vegetação nativa, vista como triste. Deste modo, percebe-se a associação entre características estéticas (associadas à beleza) do ambiente e estados emocionais (alegria e tristeza) dos seres humanos. Essa vinculação dos estados emocionais ao paisagismo dos ambientes pode estar ligada também a uma percepção limitada do ambiente, proveniente de informações insuficientes sobre ecologia e sustentabilidade, que impossibilita a apreciação da vegetação nativa.
Já as respostas dos professores foram mais específicas com relação às áreas verdes presentes no campus. Para duas professoras, havia fragmentos de vegetação nativa. Uma delas citou a presença de água em meio à mata nativa exuberante, confirmando a presença de antigas nascentes no campus. Ambas citaram que eucaliptos e parte do fragmento de vegetação nativa foram suprimidos para dar lugar às novas construções. Para uma delas, a supressão da vegetação foi extremamente necessária para o progresso da instituição, sendo percebida, portanto, como um ônus do crescimento do espaço construído e do desenvolvimento da universidade. Para outra professora, houve desmatamento desnecessário para dar espaço aos estacionamentos e construções, acrescentando ainda que o verde “faz falta”. A entrevistada cita, como problemas relacionados à diminuição da vegetação, o aumento da circulação de ônibus e carros e uma maior sensação de calor no campus.
Estas falas divergentes em relação às transformações do ambiente natural podem ser pensadas como representativas de duas formas de racionalidade: a racionalidade econômica e a racionalidade ambiental. Enquanto a primeira destaca a primazia dos aspectos econômicos na apropriação e uso da natureza, a segunda privilegia os valores e práticas ecológicas na relação com o ambiente (Leff, 2007). A noção de progresso, presente em uma das falas, apesar de ser passível de diferentes interpretações, está geralmente associada à modernização, ao uso da tecnologia e à evolução linear, ou seja, entendido em sentido único, visto em seus aspectos positivos (Sack, 2002).
Lucyk e Bortot (1992), em sua obra sobre a formação e desenvolvimento da UNESC, relatam que, no final da década de 1980, a instituição deflagrou o processo para transformar-se em universidade. Para tanto, foram necessárias diversas ações, como a ampliação e urbanização do espaço físico. Por esta razão, a supressão da vegetação nativa e de eucaliptos, presente no campus naquela época, foi considerada importante para essa transformação.
Quando os entrevistados foram questionados se as mudanças no campus contribuíram para modificações no entorno da universidade, todos responderam, de forma unânime, que sim. Em geral, as maiores mudanças foram descritas em relação à infraestrutura. Segundo os entrevistados, a quantidade de moradias e estabelecimentos comerciais cresceu para atender a demanda de alunos da universidade.
A maioria dos sujeitos da pesquisa menciona a quantidade de prédios construídos em volta da universidade para alocar os alunos, além de mercados, farmácias, restaurantes e terminal de ônibus. Essas mudanças são vistas como positivas para o crescimento do bairro. Um dos proprietários de estabelecimento comercial no campus, por exemplo, afirma que “com o crescimento da UNESC, melhorou 100%”, referindo-se às oportunidades de renda que os moradores tiveram por alugarem seus imóveis próximos da universidade.
Os professores também relataram que o entorno da instituição sofreu alterações devido a um grande aumento de negócios e infraestrutura para atender aos alunos e funcionários da UNESC, transformando profundamente o bairro e suas adjacências. Nesse sentido, a transformação do entorno segue a dinâmica da urbanização regida pelo sistema capitalista descrita com Harvey (2009), com a construção e organização das paisagens geográficas voltadas ao consumo e modo de vida de classes sociais específicas. Nas palavras do autor, “a urbanização sempre foi um fenômeno de classe, já que o excedente é extraído de algum lugar e de alguém, enquanto o controle sobre sua distribuição repousa em umas poucas mãos” (Harvey, 2012, p. 74). Ainda de acordo com o antropólogo britânico, há uma relação estreita entre capitalismo e urbanização, na qual o espaço urbano participa como canal de absorção de capital excedente ao longo da história.
Uma das funcionárias entrevistadas relatou ainda que uma escola, localizada ao lado da universidade, também mudou para acompanhar o crescimento da instituição, aumentando seus cursos, inclusive os de graduação que antigamente não existiam. A entrevistada compara igualmente o crescimento da universidade ao de outras empresas do município de Criciúma, por ser uma das que mais teria crescido.
Apenas as respostas dos professores trouxeram alguns pontos negativos sobre as mudanças do entorno, mencionando o aumento da violência e insegurança em relação ao aumento do movimento no bairro.
A percepção ambiental apresenta-se como um conceito-chave para a compreensão das múltiplas relações entre seres humanos e ambiente, suas expectativas, valores e condutas. A pesquisa demonstrou convergências e divergências nas percepções ambientais dos professores, funcionários e proprietários de estabelecimentos comerciais entrevistados, o que pode ser relacionado às suas trajetórias de vida individuais. Foram observadas, no entanto, que algumas noções comuns permeiam as falas dos sujeitos da pesquisa, o que revelam sua relação com o contexto social e histórico mais amplo.
Os dados da pesquisa mostram que a transformação da instituição em universidade foi acompanhada de uma transformação ambiental no campus e em seu entorno. De um modo geral, os entrevistados consideraram como aspecto positivo o crescimento do campus, notadamente observado por todos, sem exceção. Por outro lado, o ideário que relaciona o aumento de prédios e outras edificações como um aspecto positivo de desenvolvimento ficou evidenciado, sendo perceptível a compreensão da realidade tendo por base uma visão fragmentada, sem a devida compreensão das implicações deste processo (Capra, 1996).
É fato inquestionável o aumento da área física promovido pela instituição nas últimas décadas, o que levou a significativas transformações interna e externamente. Contudo, pode-se questionar se houve o devido planejamento para que tal expansão ocorresse e quais seriam os possíveis impactos a longo prazo. A partir dessas reflexões, a discussão pode ser pautada por uma problematização sobre crescimento e/ou expansão e qualidade de vida na instituição, incluindo a segurança, que foi uma preocupação apontada por dois sujeitos da pesquisa. Conforme se pode depreender, trata-se de um processo de uso e ocupação territorial fragmentado, o qual não contemplou os múltiplos aspectos socioambientais.
Ainda que tenha caráter exploratório, e sem a pretensão de trazer conclusões definitivas, a pesquisa permite sugerir que o conhecimento dessas diferentes percepções pode ser útil no planejamento e gestão da universidade, contribuindo para ações mais efetivas para a sustentabilidade (Sachs, 2002) do campus. Neste sentido, este entendimento pode ser estratégico para compreender o passado, analisar o presente e planejar um futuro melhor para o campus e todos os atores sociais direta e indiretamente envolvidos (como estudantes, funcionários, professores, comunidade do entorno, moradores da cidade e da região, entre outros).
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1. Doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC)
2. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC)
3. Doutora e Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Email: vka@unesc.net