Vol. 38 (Nº 13) Año 2017. Pág. 8
Juliana Maria Moreira SOARES 1; Andréa Regina Martins FONTES 2; Cleyton Fernandes FERRARINI 3; Miguel Angel Aires BORRAS 4; Daniel BRAATZ 5
Recibido: 21/09/16 • Aprobado: 02/10/2016
3. Tecnologia assistiva: breve histórico e percursos
4. Diferentes tipos e possibilidades da tecnologia assistiva
5. Os modelos médico e social de deficiência: Pano de fundo às TA'S
RESUMO: O presente artigo tem a intenção de auxiliar na compreensão de tópicos relativos ao recente campo de estudos e desenvolvimento da Tecnologia Assistiva (TA). Esta revisão sobre o tema aborda um breve histórico da Tecnologia Assistiva, além de ressaltar a importância da criação de debates e reflexão sobre a TA na atualidade e sua relação com outros campos, mediante seu papel de participação em processos relacionados a inclusão e bem-estar da pessoa com deficiência (PcD) na sociedade. Ampliar a discussão da TA como uma sistemática que pode refletir ou não modelos de deficiência que reforçam aspectos estigmatizadores da PcD é um dos tópicos abordados pelo proposto arcabouço teórico. Como resultados, gerou-se um material de revisão bibliográfica sobre o tema, apontando-se nas considerações finais a necessidade de uma maior reflexão acerca dos aspectos transversais da Tecnologia Assistiva, propondo a sua relevância interseccional mediante outros campos para os processos de desenvolvimento da área de TA, entre outros aspectos. |
ABSTRACT: This article intends to elucidate topics related to recent field studies and development of Assistive Technology (AT). The review about this subject covers a brief history of the Assistive Technology, and underline the importance of creating debate and reflection on the TA today, through its role of participation in proceedings related to inclusion and the people with disabilities well-being in society. Broaden the discussion of AT as a system that can reflect or not models of disability that reinforce or not stigmatizing aspects about the person with disability is one of the topics addressed by this proposed theoretical framework. As a result, a bibliographic review of material on the subject was generated, pointing up in the final considerations the need for further reflection on transversal aspects of the Assistive Technology, proposing your intersectional relevance by other fields for AT area processes, between other aspects. |
Compreender a Tecnologia Assistiva (TA) como uma área essencial a distintos perímetros da sociedade contemporânea é imprescindível ao debate ligado à inclusão da pessoa com deficiência (PcD). Por se tratar de um campo relativamente novo, relacionado a estudos multidisciplinares, as pesquisas na área ainda estão a crescer e a se somar em território nacional. Entender o que são estas tecnologias, desde sua ascensão até o atual estado, captando assim sua essência como um meio de colaboração a processos de autonomia e inserção social é fundamental ao debate de seu papel. Este artigo é um excerto da pesquisa de uma mestrado (SOARES, 2015), constituindo-se em parte integrante da revisão bibliográfica realizada na construção da pesquisa.
Assim, exposto o objetivo deste estudo importa-se em um primeiro momento em realizar a definição do que se consiste a Tecnologia Assistiva, de acordo com a literatura da área. A TA pode ser concebida conforme os autores Galvão Filho e Damasceno (2008, p. 05, tradução dos autores) postulam, sendo ela “toda ferramenta, recurso ou processo com a finalidade de proporcionar uma maior independência e autonomia para a pessoa com deficiência”. Desta maneira, elucida-se que cadeiras de rodas, mobiliários adaptados, softwares de comunicação alternativa e mesmo os comuns óculos se enquadram como aparatos assistivos.
Hogetop e Santarosa (2002, p. 02) ainda expõem que TA é o “conjunto de recursos que, de alguma maneira, contribuem para proporcionar às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (PNEEs) maior independência, qualidade de vida e inclusão na vida social, através do suplemento (prótese), manutenção ou devolução de suas capacidades funcionais”. Cabe ainda aqui como complementação uma colocação bastante difundida e comumente encontrada em pesquisas e estudos sobre a temática, pontuada por Bersch (2013):
“Um auxílio que promoverá a ampliação de uma habilidade funcional deficitária ou possibilitará a realização da função desejada e que se encontra impedida por circunstância de deficiência ou pelo envelhecimento” (BERSCH, 2013, p. 02).
Finalizando este espaço introdutório, torna-se importante citar que o presente estudo exploratório, focando a compreensão acerca do envoltório da TA, tem como intenção gerar um conhecimento sobre seus potenciais e suas abrangências, procurando compreender os aspectos de emergência e consolidação dessas tecnologias, além de situar os diversos âmbitos de sua constituição (a exemplo da questão simbólica) e seus desdobramentos em múltiplas áreas.
Desta forma, após este breve momento de reconhecimento e compreensão conceitual sobre a Tecnologia Assistiva, este recorte prossegue para a exposição dos métodos de pesquisa empregados neste estudo. Frisa-se que o presente artigo tem como objetivo geral auxiliar na compreensão de tópicos relativos ao recente campo de estudos e desenvolvimento da TA.
A revisão bibliográfica deste artigo se construiu em dois períodos de revisão sobre o tema: uma primeira etapa, composta por um reconhecimento da área de TA, na qual examinaram-se aspectos históricos e marcos legais abrangidos pelo tema da Tecnologia Assistiva. Seguidamente, parte-se rumo ao estudo de desdobramentos relacionados às questões de pesquisa de Soares (2015) – ligadas às esferas do design no desenvolvimento da TA. Assim, partes da revisão vigentes nestas duas fases figuram o presente artigo, dando luz à capacidade da TA percorrer por amplos domínios.
Estes estudos foram realizados entre os anos de 2013 e 2015, com base em buscas em reconhecidas bases de dados, como a Scielo, Google Scholar e Scopus, além da consulta também em arquivos de ordem física, como o acesso a bibliotecas. É importante citar que a participação em eventos da área, como congressos e feiras, também se constituiu em uma importante peça para a construção deste quadro, uma vez que esta situação se compõe em um meio possível de visualização dos desenvolvimentos e esforços empregados na área, mesmo que ainda não oficialmente publicados.
Evidencia-se que o eixo desta pesquisa está situado sobre um caráter exploratório (GIL, 2002). Para Gil (2002), pesquisas enquadradas nessa área objetivam a explicitar com maior clareza o problema, criar uma familiaridade com o tema, aprimorar ideias e criar descobertas acerca do mesmo.
Dessa forma se buscou adentrar no território da Tecnologia Assistiva, percorrendo seus aspectos de maneira ampla, a exemplo da exploração de seus planos históricos e legais no decorrer dos tempos, encontrando-se com os âmbitos de intersecção com áreas distintas, como os campos do Design e do Desenvolvimento de Produtos. Assim, situar questões ligadas aos modelos de deficiência existentes na sociedade, coligando esse tema ao desenvolvimento da Tecnologia Assistiva também fizeram parte deste estudo.
O Quadro 01 explicita de forma resumida as etapas adotadas para a construção do referencial teórico, do qual foram extraídos os estudos presentes neste artigo.
Quadro 01. Procedimentos metodológicos adotados por esta pesquisa.
Etapas |
Procedimentos |
01) Delineamento das temáticas pertinentes à pesquisa |
Delineamento dos temas a serem abordados pela revisão bibliográfica. Foco nas seguintes abordagens: Tecnologia Assistiva; deficiência; desenvolvimento de produtos e design com relação à temática da deficiência. |
02) Prospecção dos aportes a serem utilizados para a revisão bibliográfica |
Planejamento das fontes primárias e secundárias a serem utilizadas neste momento da pesquisa. Utilizaram-se bases científicas como Scielo, Scopus e Google Scholar para as pesquisas em meio digital, e bibliotecas para a pesquisa bibliográfica física, além do contato com a temática e pesquisas em andamento em eventos da área. |
03) Fichamento das leituras e estudos aprofundados sobre as temáticas escolhidas |
Realização de fichamentos dos estudos realizados sobre os materiais selecionados para a revisão. Esta etapa foi marcada pela divisão entre uma fase de reconhecimento dos aspectos gerais de TA, seguido pelos estudos dos desdobramentos da TA com distintas áreas e questões relacionadas. |
04) Redação do texto de revisão e indicação de resultados |
Construção da redação da revisão bibliográfica, delineando-se as questões encontradas pela pesquisa perante este momento. |
05) Construção das considerações finais da pesquisa |
Coordenação dos recortes e elementos da pesquisa de revisão que levaram às considerações finais sobre a mesma. |
Fonte: Autores.
Apesar do aspecto recente do emprego desse termo no contexto brasileiro, a Tecnologia Assistiva possui sua história iniciada há mais de meio século atrás em territórios estrangeiros. O termo, proveniente do inglês Assistive Technology, tem seu contexto de emergência no período após a Segunda Grande Guerra Mundial. Sobre esse momento inicial, Robitaille (2010) expõe que:
“A ascensão da Tecnologia Assistiva nos Estados Unidos pode ser situada na era pré-computador, particularmente após a Segunda Guerra Mundial, quando o grande número de veteranos com deficiência representava um problema social dramático e levou a U.S. Veterans Administration a lançar um programa de ajudas protéticas e sensoriais, que foi seguido por muitas iniciativas, as quais geraram modernas pesquisas em reabilitação e Tecnologia Assistiva” (ROBITAILLE, 2010, p. 12, tradução dos autores).
Por volta dos anos 1970, ainda nos Estados Unidos, a visibilidade da TA aumentou ainda mais. Nessa época, um grande contingente de pessoas retornava ao país com sequelas advindas dos conflitos da Guerra do Vietnã (VALE, 2009; ROBITAILLE, 2010). As diversas mutilações das pessoas que haviam regressado demandavam adaptações para que suas atividades rotineiras pudessem ser retomadas (SONZA, 2013) e a consciência sobre os direitos dos deficientes ampliou-se ainda mais por conta dessa situação (ROBITAILLE, 2010).
Nesse contexto, o governo americano criou financiamentos e destinou recursos para que empresas investissem nesse tipo de tecnologia, avançando significativamente nesse setor (VALE, 2009), inclusive devido ao fato de muitos desenvolvimentos na área de mecatrônica e robótica terem ocorrido em decorrência da guerra (KREBS et al., 2006). Essa situação presente como pano de fundo foi de grande importância para que fosse lançado o Americans with Disabilities Act (ADA). Tal lei foi promulgada pelo congresso americano na década de 1990, constituindo-se em uma das peças mais importantes da história dos Estados Unidos, a qual expunha determinações sobre direitos civis dos deficientes no âmbito de legislação (ROBITAILLE, 2010).
A realidade de estudos brasileiros na área encontra-se em um patamar distinto quando comparado com países como os Estados Unidos e os europeus, tendo em grande parte ligação com o fato do processo de envelhecimento da população nessas regiões ser mais antigo que o caso de países em desenvolvimento. Nos países escandinavos (Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Islândia), por exemplo, pode-se citar a existência de políticas bem consolidadas no setor de pesquisa e distribuição de produtos assistivos governamentais:
“Todos os cinco países tem um sistema nacional de alocação da Tecnologia Assistiva, baseado numa avaliação discricionária das necessidades individuais, mas com algumas diferenças: alguns sistemas são centralizados ou padronizados (Noruega e Suécia), enquanto outros são baseados em critérios locais e controles administrativos (Dinamarca). Em alguns sistemas, todos os serviços são administrados inteiramente por autoridades públicas (Dinamarca, Noruega e Suécia), enquanto outros têm um envolvimento maior de ONG's que trabalham na provisão de ajudas técnicas na área de deficiência.” (STENBERG et al., 2007, p. 07, tradução dos autores)
Assim, no Brasil, a recente história da Tecnologia Assistiva ainda encontra seus processo de apropriação, sistematização de conceitos e classificação bastantes incipientes (GALVÃO FILHO, 2009). As Ajudas Técnicas, termo que anteriormente designava a Tecnologia Assistiva, aparecem pela primeira vez na legislação brasileira no ano de 1999, no Decreto nº 3.298, o qual regulamenta a Lei nº 7853, que contém disposições sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, junto a outras considerações (BRASIL, 1999). Entre as ponderações sobre TA contidas nesse decreto está a definição de ajuda técnica:
“Art. 19. Consideram-se ajudas técnicas, para os efeitos deste Decreto, os elementos que permitem compensar uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa portadora de deficiência, com o objetivo de permitir-lhe superar as barreiras da comunicação e da mobilidade e de possibilitar sua plena inclusão social” (BRASIL, 1999).
Sobre as ajudas técnicas, esse decreto ainda vai expor e listar o que legalmente considera-se como tal, a exemplo de equipamento para mobilidade, próteses, órteses, bolsas coletoras para ostomizados, material pedagógico especial, entre outros (BRASIL, 1999).
No ano de 2004, no decreto nº 5.296, o qual explicita critérios com relação à promoção da acessibilidade de pessoas com deficiência, no capítulo VII novamente aparecem as ajudas técnicas (BRASIL, 2004):
“Art. 61. Para os fins deste Decreto, consideram-se ajudas técnicas os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida” (BRASIL, 2004).
Ainda neste decreto, parâmetros distintos são estipulados a respeito da TA, como por exemplo, questões relativas às linhas de crédito e isenção tributária sobre a aquisição deste tipo de tecnologia (BRASIL, 2004). No dia 16 de novembro de 2006 marcou-se a instituição do Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), estabelecido pelo Decreto nº 5.296/2004 (BRASIL, 2004), no campo da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR). Esse comitê foi criado com a intenção de impulsionar os processos ligados ao desenvolvimento de TA no Brasil, oferecendo apoio a estudos e subsídios visando à formação de uma rede nacional integrada e apresentação de propostas governamentais ligadas ao tema, dentre outras diretrizes (BRASIL, 2004). Nos períodos seguintes, o Comitê realizou o delineamento do conceito de TA, sendo fixado nas seguintes palavras:
“Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social” (BRASIL, 2007, p. 03).
Entre as propostas do CAT, estava a oficialização de uma terminologia adequada. A dinâmica de desenvolvimento conceitual da área levou à decisão da adoção do termo “Tecnologia Assistiva” (com base no estudo sobre termos utilizados em distintos países) e foi firmada em reuniões realizadas no período compreendido entre novembro de 2006 e outubro de 2008 (BRASIL, 2009):
“Elaboração de pesquisa para proposição de terminologia oficial, resultando na aprovação do termo “Tecnologia Assistiva”, a ser sempre utilizado no singular, por se tratar de uma área do conhecimento” (BRASIL, 2009).
No entanto, frisa-se que, segundo o autor Teófilo Galvão Filho (2009), no Brasil, os termos “Ajudas Técnicas”, “Tecnologia de Apoio” e “Tecnologia Assistiva” são usados com frequência como sinônimos, apesar dos mesmos serem conceitualmente distintos em sua origem.
Em adição, ainda se pode ressaltar que o CAT ainda teve diversos posicionamentos de relevância com relação à TA no Brasil, importantes pontos inerentes ao conceito (GALVÃO FILHO, 2009), tais como:
Desta forma, a maior atenção às pessoas com deficiências e com necessidades especiais é um fator que chama a atenção para a necessidade de incentivo ao desenvolvimento da TA, e o âmbito legal expõe esse cenário à sociedade. O Quadro 02 ressalta as principais conquistas obtidas pela população com deficiência nos últimos trinta anos no território nacional, contendo em muitas delas providências relacionadas ao acesso e fornecimento de TA's.
Quadro 02. Principais decretos e leis federais que garantem direitos e autonomia a deficientes no Brasil.
Promulgação |
Descrição |
Lei 7.853 de 24/10/1989 DOU 25/10/1989 |
“Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências” (BRASIL, 1989). Essa lei inclui direitos dentro da educação, como a garantia de oferta obrigatória da Educação Especial em redes públicas de ensino e da saúde, como com relação à criação de rede de serviços especializados em reabilitação, entre outras disposições. |
Lei 8.112 de 11/12/1990 DOU 12/02/1990 |
Mantém-se 20% das vagas em concursos públicos para pessoas com deficiência, quando o cargo é compatível com a deficiência do indivíduo (BRASIL, 1990). |
Lei 8.160 de 08/01/1991 DOU 09/01/1991 |
Dispõe a obrigatoriedade de exibição do “Símbolo Internacional da Surdez” em ambientes acessíveis (BRASIL, 1991a). |
Lei 8.383 de 30/12/1991 DOU 31/12/1991 |
Regulamenta a isenção de IOF a pessoas com deficiência física, com atestado emitido pelo departamento de Trânsito do Estado residente (BRASIL, 1991b). |
Lei 8.899 de 29/06/1994 (DOU 30/06/1994) e Decreto 3.691 de 19/12/2000 (DOU 20/12/2000) |
Concede à pessoa com deficiência o passe livre em transportes coletivos de linhas interestaduais (BRASIL, 1994). O Decreto 3.691 regulamenta essa lei, indicando a quantidade de dois assentos reservados por viagem às pessoas com deficiência (BRASIL, 2000). |
Lei 9.610 de 19/02/1998 DOU 20/02/1998 |
Autoriza a reprodução de obras em Braille, sem que essa ação se constitua em ofensa aos direitos autorais. (BRASIL, 1998). |
Decreto 3.076 de 01/06/1999 DOU 02/06/1999 |
“Cria, no âmbito do Ministério da Justiça, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE - e dá outras providências” (BRASIL, 1999a). |
Decreto 3.298 de 20/12/1999 DOU 21/12/1999 |
Dá disposições sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, visando à ampliação de direitos e proteção ao deficiente (BRASIL, 1999b). |
Lei 10.048 de 08/11/2000 DOU 09/11/2000 |
Concede a prioridade de atendimento às pessoas com deficiência e idosos com idade superior a 60 anos, gestantes, lactantes e pessoas acompanhadas por crianças de colo, entre outras providências (BRASIL, 2000a). |
Lei 10.098 de 19 /12/2000 DOU 20/12/2000 |
Prevê normas gerais visando à acessibilidade em meios urbanos, edifícios públicos e privados, transportes coletivos, meios de comunicação e sinalização, bem como visa ao apoio a pesquisas e projetos científicos nas áreas de acessibilidade e estudos sobre a deficiência, entre outras disposições (BRASIL, 2000b). |
Lei 10.436 de 24/04/2002 DOU de 25/04/2002 |
Reconhece-se a língua Brasileira de Sinais (LiBraS) como meio legal de comunicação e expressão, entre outros recursos que podem ser associados a ela (BRASIL, 2002). |
Lei 5.296 de 02/12/2004 DOU 03/12/2004 |
Estabelece a instituição do Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), através da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), além de outros parâmetros para a promoção de acessibilidade, como a obrigação da entrega de alvará atestando acessibilidade por parte da Vigilância Sanitária de Estados e Municípios. Também inclui pessoas de baixa visão dentro do critério de deficiência, entre outras providências (BRASIL, 2004). |
Decreto 6.214 de 26/09/2007 DOU 27/09/2007 |
“Regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso de que trata a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e a Lei 10.741, de 1o de outubro de 2003, acresce parágrafo ao art. 162 do Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999, e dá outras providências” (BRASIL, 2007). |
Lei 11.958 de 26/06/2009 (DOU 27/06/2009) e Decreto 6.980 de 13/10/2009 (DOU 14/10/2009) |
Elevação da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) à Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) (BRASIL, 2009). |
Decreto 7.612 de 17/11/2011 DOU 18/11/2011 |
Este decreto institui “o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Viver sem Limite, com a finalidade de promover, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações, o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência, nos termos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, aprovados por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, com status de emenda constitucional, e promulgados pelo Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009” (BRASIL, 2011). Dentro desse plano estão previstas ações como o acesso a financiamento facilitado para compra de produtos assistivos e veículos adaptados e prioridade na matrícula em programas, como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC). |
Fontes: A partir de informações do Instituto Benjamin Constant (s/d) e BRASIL (1989, 1990, 1991a, 1991b, 1998, 1999a, 1999b, 2000a, 2000b, 2002, 2004, 2007, 2009 e 2011).
Ainda no âmbito legal e de políticas públicas, é de relevância citar que no ano de 2012 foi marcado pela inauguração do Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA), o qual localiza-se no Centro de Tecnologia da Informação (CTI), na cidade de Campinas (São Paulo). O centro tem o “objetivo de orientar uma rede de núcleos de pesquisa em universidades públicas, estabelecer diretrizes e articular a atuação dos núcleos de produção científica e tecnológica do país” (BRASIL, s/d). Foi criada a Rede Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologia Assistiva (NPDTA), constando atualmente de 91 núcleos em participação desta articulação, articulada via o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Entre estas formações, localiza-se o núcleo de TA da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), grupo de origem da presente pesquisa, instituído através da portaria número 1.230, de 3 de dezembro de 2013.
Vale destacar que no ano de 2012 foi lançada a Pesquisa Nacional de Tecnologia Assistiva (PNTA) no Brasil. Tal publicação, fruto de uma parceria entre o Instituto de Tecnologia Social (ITS BRASIL) e a Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social (SECIS), do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), foi organizada pelos pesquisadores García e Galvão (2012), e constitui-se em uma prospecção acerca da produção na área de TA, gerando um importante material panorâmico sobre o desenvolvimento do campo no Brasil. O foco da pesquisa foi sobre instituições de ensino superior, terceiro setor e empresas, abrangendo dois períodos, situados entre 2005 e 2006, e 2007 e 2008.
Inovação, mapeamento e caracterização das pesquisas, competências, serviços e produtos em TA foram alguns dos pontos cobertos pela PNTA. A extensa análise dos dados obtidos realizada pelos pesquisadores revelou pontos críticos envolvendo os processos de desenvolvimento da TA no Brasil, principalmente com relação à concentração de projetos em determinadas áreas do país, identificando que 87% dos mesmo se situam em apenas três estados (Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, em ordem decrescente), localizados em porções de maior pujança econômica do país. Ainda, percebeu-se que grande partes dos projetos estão localizados na área acadêmica (81,7% do total), e que há uma grande ênfase em pesquisa, enquanto o desenvolvimento de produtos e serviços ainda não é priorizado. A ausência de recursos financeiros foi apontada como um dos entraves no desenvolvimento de projetos na área. No entanto, os autores registram que 59,6% dos casos abordados pela pesquisa não apontam a existência de dificuldades financeiras, sugerindo que soluções simplificadas, criativas e de alto desempenho funcional, as quais não demandam grandes verbas financeiras, tem sido desenvolvidas com sucesso no país (GARCÍA; GALVÃO, 2012).
Conforme fora anteriormente exposto, o conceito de Tecnologia Assistiva ainda é recente e incomum no vocabulário cotidiano de grande parte das pessoas. No entanto, conforme é possível perceber, observa-se que existe um interesse emergente nos estudos dessa área e diversos autores já abordam e conceituam a TA em seus estudos, podendo ser notado que em porção majoritária deles há a ênfase nos pontos sobre a autonomia e a maximização da independência e desempenho do indivíduo (ALVES; MATSUKURA, 2014; COOK, 2009).
A TA tem como objetivo principal propiciar à PcD a realização de atividades que podem ser dificultadas devido às restrições advindas de sua deficiência, devolvendo-lhes uma total ou grande parcela de autonomia em seu cotidiano. Muitos exemplos de produtos assistivos são comuns e observados diariamente, como bengalas e andadores. Esses dispositivos auxiliam as pessoas com problemas de mobilidade a deslocarem-se com maior facilidade, colaborando com a execução de tarefas e aumentado a qualidade de vida das pessoas com deficiência.
Inge e Targett (2005) dividem as TA's de acordo com o grau tecnológico empregado nos artefatos. Os chamados produtos com tecnologias com alto grau de sofisticação (high technology devices) são normalmente provenientes do ambiente industrial regular, comercializados por serviços especializados, requerendo uma alta gama de especialistas em sua produção. Exemplos desse tipo de tecnologia são os softwares leitores de telas, que permitem o uso de computadores por parte de deficientes visuais, a exemplo do JAWS e do DOSVOX (SONZA; SANTAROSA, 2003).
Já dispositivos bem simples e de baixo custo (GARCÍA; GALVÃO FILHO, 2002), aqui compreendidos como produtos com tecnologias com baixo grau de sofisticação (low technology devices) (INGE; TARGETT, 2005; ROSE et al., 2005), podem ser exemplificados através de objetos como um engrossador de lápis, o qual permite a escrita e o desenho a indivíduos com dificuldades motoras nas mãos.
Durante a presente revisão, também foram localizadas outras formas de classificação quanto aos tipos de Tecnologia Assistiva (BERSCH, 2013; AOA, 2003; REED, 2007), como por exemplo, a Norma Internacional ISO 9999:2011 (Assistive products for persons with disability -- Classification and terminology) (ISO 9999:2011). Optou-se pela explicitação mais detalhada da classificação proposta pelos brasileiros Bersch e Tonolli (1998), já utilizada em âmbitos legais (como pelo Ministério da Fazenda – Brasil). De acordo com esses autores, a TA pode ser categorizada em doze formas, a serem explicitadas no Quadro 03:
Quadro 03. Categorias da Tecnologia Assistiva (BERSCH, 2013).
Categoria |
Descrição |
Exemplo |
Auxílios para a vida diária e vida prática |
Objetos que colaboram com a execução prática e com autonomia de atividades cotidianas. |
Engrossador de lápis. |
Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) |
Recursos para pessoas sem comunicação oral ou escrita funcional, ou com defasagens nas mesmas. |
Aplicativos usados em computadores e tablets são exemplos de comunicação alternativa. |
Recursos de acessibilidade ao computador |
Softwares e hardwares que permitem o uso do computador por parte de pessoas com deficiências sensoriais, intelectuais e motoras. |
Adaptações para digitação (ponteiras). |
Sistemas de controle de ambiente |
Mecanismos de casas inteligentes, que podem funcionar através de múltiplos acionadores. |
Sistema de luz acionado por comando de voz. |
Projetos arquitetônicos para acessibilidade |
Projetos arquitetônicos que buscam minimizar ou eliminar barreiras físicas, tornando as construções acessíveis. |
Banheiros acessíveis a cadeirantes. |
Órteses e próteses |
Artefatos que ajudam no posicionamento do corpo ou de membros (órteses) ou ainda susbtituem membros do corpo humano (próteses). |
Braço biônico. |
Adequação Postural |
Recursos que potencializem o desempenho funcional, através da correção e manutenção da postura do indivíduo. |
Almofada postural. |
Auxílios de mobilidade |
Objetos que ajudem o indivíduo a se deslocar com autonomia e independência. |
Bengalas e cadeiras de rodas. |
Auxílios para qualificação da habilidade visual e recursos que ampliam a informação a pessoas com baixa visão ou cegas |
Recursos que irão possibilitar o uso de dado objeto/serviço por parte de deficientes visuais, o qual sem tal recurso seria inviável a utilização. |
Relógio com dispositivo sonoro. |
Auxílios para pessoas com surdez ou com déficit auditivo |
Recursos que irão possibilitar o uso de dado objeto/serviço por parte de deficientes auditivos, o qual sem tal recurso seria inviável a utilização. |
Recurso de vibração em celulares. |
Mobilidade em veículos |
Adaptações em transportes privados e públicos. |
Rampas para cadeirantes em ônibus. |
Esportes e lazer |
Recursos que facilitam a prática de esportes por deficientes. |
Bola com guizo. |
Fonte: Adaptado de BERSCH, 2013.
Cabe considerar que os altos valores das TA's são comuns no Brasil (MARTINS NETO; ROLLEMBERG, 2005; SONZA et al., 2013) e muitas vezes são resultado da natureza estrangeira do produto ou de grande parte de seus componentes (como termomoldáveis e fibras de carbono), incorporando maiores custos ao seu valor final, como cargas tributárias de importação altíssimas, que chegam a 99%, no exemplo de um leitor digital de livros (MONITOR MERCANTIL, 2014). Uma prótese de mão de alta tecnologia pode atingir o valor de até 72 mil reais, tornando esse tipo de produto acessível somente a menos de 3% dos deficientes físicos brasileiros, segundo pesquisa realizada no ano de 2009 pela Associação Brasileira de Ortopedia Técnica (ABOTEC) (GARCIA, 2009).
A falta de concorrência no mercado também é um fator vinculado aos altos valores encontrados (MONITOR MERCANTIL, 2014). Esses fatores de esfera financeira podem afastar a possibilidade de aquisição por parte do deficiente, uma vez que considerável parcela dessa população encontra-se em situação de vulnerabilidade social e econômica (IBGE, 2010), talvez inviabilizando até mesmo a aquisição via financiamentos facilitados. Ressalta-se ainda que os custos dos produtos de TA são empecilhos também encontrados em países com maior potência econômica (KOLATCH, 2001 apud KINTSCH; DEPAULA, 2002; PARETTE, 2000, apud KINTSCH; DEPAULA, 2002; PAL et al., 2011, INGE; TARGETT, 2005).
Dessa forma, pode-se observar que a TA abrange um amplo gama de produtos, além de estar relacionada também a serviços, por muitos momentos de caráter imprescindível à vida da PcD. Assim sendo a deficiência um aspecto essencialmente inerente ao tema, o tópico a seguir buscar relacionar as questões dos modelos médico e social da deficiência com a articulação de natureza simbólica da Tecnologia Assistiva.
Compreendendo a deficiência como a questão fundamental para o desenvolvimento da Tecnologia Assistiva, deve-se frisar que a visão de inclusão do deficiente na sociedade é recente. Os estudos ocidentais sobre a mesma floresceram nos idos dos anos 1960 e 1970 no Reino Unido (DINIZ, 2003; MEDEIROS; DINIZ, 2004), quando as elucidações acerca do tema dividiram-se em duas vertentes que começaram a ser debatidas, designadas como modelo médico e do modelo social de deficiência. A estruturação social e a inclusão são peças-chave na abordagem a ser sustentada pelos estudiosos inseridos dentro da linha do chamado paradigma social da deficiência (DINIZ, 2003; BAMPI; GUILHEM; ALVES, 2010). Tais teorizações a respeito do entendimento da deficiência são essenciais ao entendimento da TA enquanto produto ou serviço, e assim per se envolto em significações e sentidos complexos a seu usuário e seus arredores sociais, a serem brevemente discorridas a seguir.
O modelo médico apresenta uma perspectiva biomédica sobre a normalidade da performance corpórea, determinada por condições biológicas e físicas do indivíduo, colocando assim a deficiência como uma questão a ser tratada através do viés medicalizado, com a intenção de restituição ou “reparação” da perda ocasionada por tal deficiência no corpo (BAMPI; GUILHEM; ALVES, 2010; ANDRADA, 2013). Dentro dessa visão, a deficiência é vista como um problema restrito à pessoa que a possui e práticas no sentido à institucionalização e dependência do indivíduo são constantes sob tal abordagem (DINIZ, 2003). A lesão constitui-se no motivo que direciona o indivíduo à deficiência (MEDEIROS, DINIZ, 2004), desconsiderando um complexo envoltório relacionado a uma gama de questões a serem consideradas pelo paradigma social da deficiência.
O modelo social vem então para expandir a problemática da deficiência com relação a diversos outros tópicos, de maneira ampla e relacional (DINIZ, 2003), opondo-se aos apontamentos realizados pelo médico. Os sistemas sociais inadequados e excludentes levam ao surgimento da deficiência no indivíduo (MEDEIROS, DINIZ, 2004), que experimenta o caminho da exclusão devido a tal formação social preconceituosa, pautada por opressões e recriminações a tudo que se difere do comumente tido como “normal”. A deficiência é então uma condição socialmente construída, e não somente uma questão individual de quem a possui (BAMPI; GUILHEM; ALVES, 2010; ANDRADA, 2013), determinada meramente por certa lesão localizada em seu corpo, conforme é exposto no discurso do modelo médico. Discussões de natureza política fazem parte da abordagem do paradigma social, uma vez que a deficiência é entendida como um fenômeno sociológico, sendo necessária então a colocação desses debates de tal problemática nas agendas públicas (BAMPI; GUILHEM; ALVES, 2010).
A UPIAS (The Union of the Phisically Impaired Against Segregation) é uma organização inglesa que surge nessa redoma de discussões acerca do modelo social dos anos 1970, com a proposta de recorrer a discussões políticas ao invés de pautar-se em atos assistencialistas, como era vigente à época (UPIAS, 1976; MEDEIROS, DINIZ, 2004). Os diálogos da UPIAS com outros setores e organizações da sociedade revelam esse viés adotado pela instituição para a discussão da deficiência, constituindo-se uma postura provocativa à época:
“Em nossa opinião, é a sociedade que incapacita as pessoas com deficiência física. A deficiência é algo imposto sobre as nossas características, pela forma como somos desnecessariamente isolados e excluídos da plena participação na sociedade. As pessoas deficientes são, portanto, um grupo oprimido na sociedade. Decorre desta análise que ter baixos salários, por exemplo, é apenas um aspecto da nossa opressão. É uma consequência do nosso isolamento e segregação em todas as áreas da vida, tais como educação, trabalho, mobilidade, habitação, etc. A pobreza é um sintoma de nossa opressão, mas não é a causa. Para nós, como pessoas com deficiência, é absolutamente vital termos de forma bastante direta e clara a questão da causa da deficiência, porque a resposta depende do problema crucial para iremos dirigir nossas principais energias na luta pela mudança. Não vamos chegar a lugar algum se os nossos esforços são principalmente direcionados não à causa da nossa opressão, mas em vez de um dos sintomas.” (UPIAS, 1976, p. 04)
Essa divergência de visões acerca do deficiente na sociedade é extremamente importante às diversas discussões com relação à PcD, e não foge à temática correlacionada com relação ao desenho dos produtos, ambientes e serviços que sejam sensíveis à deficiência. A ênfase funcionalista dos produtos assistivos (JUTAI; DAY, 2002; NEWELL, 2003; PULLIN, 2009), ligada a este modelo medicamente estruturado, é uma pauta recente nas discussões da TA, porém não menos importante. A vasta existência de produtos que materializam a dimensão medicalizada (BISPO; BRANCO, 2008; PULLIN, 2009) acaba por concretizar uma realidade anacrônica com a qual as pessoas com deficiência que fazem o uso de TA's com frequência convivem.
Esse modelo médico emerge-se nos produtos assistivos quando se enxerga seus usuários finais apenas como pacientes (PULLIN, 2009) e não como indivíduos sociais, que terão uso cotidiano de tais produtos, a exemplo de situações de ambiente de trabalho, educacionais ou outros tipos de convívio social. Plos et al. (2012) ponderam que a auto-estima e bem estar social têm íntimas relações com a TA, sendo necessárias reflexões sobre os aspectos simbólicos deste processo:
“As tecnologias assistivas são desejadas porque elas ajudam na vida, restauram funções e também restauram uma relação com o meio ambiente, com a participação social e, portanto, com a auto-estima. No entanto, elas também são rejeitadas ao mesmo tempo, porque sublinham a deficiência, estão associadas à dependência e degradam a imagem do próprio usuário” (PLOS et al., 2012, p. 540, tradução dos autores).
Tal dimensão pouco atenta às características mais afetivas e subjetivas dos indivíduos também consiste em uma barreira à inclusão e ao bem-estar da pessoa com deficiência. Desmet e Djkhuis (2003) relatam sobre essa importância do trabalho das múltiplas dimensões de um produto, com a intenção de abranger toda uma esfera adequada e pertinente ao seu usuário – e assim permitir um maior contentamento e convívio social, além da preocupação prática com a funcionalidade do mesmo. O produto no caso relatado, trata de uma cadeira de rodas para o público infantil:
“A cadeira de rodas deve permitir aos usuários serem e comportarem-se, portanto, como crianças. Isto implica que ela deve ajudar as crianças a explorar e participar no jogo social. Ela deve, portanto, permitir ao usuário superar os obstáculos a que serão confrontados no cotidiano (por exemplo, campos de grama, neve, soleiras, terrenos encharcados, etc). Além disso, o designer previu a importância de que a cadeira de rodas não só permita, mas também expresse este tipo de comportamento. Assim, em vez de olhar como um auxílio-reabilitação (estigmatizar), ele quis projetar uma cadeira que tem a expressão de um facilitador de transporte exterior lúdico, que incentiva as crianças a sair e explorar” (DESMET; DJIKHUIS, 2003, p. 22).
Assim, esta porção final do artigo buscou levantar alguns destes aspectos iniciais ligados à subjetividade e à estigmatização do indivíduo com deficiência. Mediante o exposto, pode-se delinear uma percepção da necessidade de ampliação deste debate, que percorre por sensíveis linhas ligadas ao desenvolvimento e apropriação da TA na sociedade.
Se a história da TA é recente no mundo, tendo surgido nos idos dos anos 1940-1950, no Brasil então, ela ainda está a dar os primeiros passos nestas últimas décadas. Salientou-se assim que nas pesquisas em território nacional, ainda estamos a começar os movimentos em muitos aspectos quando se fala de desenvolvimento deste tipo de tecnologia.
A caminhada rumo à uma sociedade mais integradora e inclusiva depende de muitos variáveis, e a Tecnologia Assistiva se mostra como sendo um deles. Reconhece-se que a TA, de maneira solitária, não é capaz de resolver todas as questões inerentes a esta problemática. No entanto, o incentivo a seu desenvolvimento, a criação de leis, subsídios e políticas facilitadoras, o entrelaçar entre múltiplas áreas e o entendimento acerca de seu uso e importância, juntos e aos poucos, constroem-se como um cosmos necessário à vida das pessoas com deficiência na contemporaneidade.
Ainda assim, cabe ressaltar que mesmo com as recentes e muitas atividades na área, como promulgações, leis e programas governamentais existentes, inclina-se o pensamento ao explorar dos múltiplos âmbitos ligadas aos temas assistivos, de pequena experimentação em território brasileiro, mas já bem representados por muitas pesquisas estrangeiras. A pessoa com deficiência não porta uma doença, e sim se trata de uma pessoa normal que pode ou não ter sua vida beneficiada por aparatos assistivos, que refletem sua segurança, bem-estar físico e emocional e simbolismos. Pensar na Tecnologia Assistiva então, transcende o campo médico da reabilitação, complexificando-a e se enriquecendo com as múltiplas áreas que podem contribuir a seu favor.
Dentro do campo técnico do desenvolvimento assitivo, pode ser observado uma maior demanda pela viabilidade destes produtos no âmbito nacional. A necessidade de incorporação do usuário em metodologias de desenvolvimento dos mesmos, visando a uma saída mais satisfatória e mais sensível em amplos os termos destes processos, também foi uma extração dos estudos e da área analisados.
A revisão presente no artigo explorou os variados aspectos relacionados a TA, assim elucidando uma ideia multifacetada da mesma; e logo, também trazendo consigo essa citada necessidade de maiores aprofundamentos e entrelaces do debate em ambiente nacional. A interlocução com outros campos – como o design e a educação – constituem-se em potenciais focos de iluminação do debate crítico sobre o desenvolvimento das pesquisas e produtos/serviços na área, e assim é demandada e necessária. Recorda-se ainda que a Tecnologia Assistiva é uma área muito ampla, em movimento ascendente e rica em discussões, representando-se assim este artigo apenas uma parcela a respeito do tema.
Finalizando, o contemplar de múltiplos pontos de entendimento sobre a área de TA desperta a intenção de que este estudo colabore com questões teóricas de pesquisas que abordem a área de Tecnologia Assistiva. Ainda, espera-se que a abordagem da TA sob outros viéses, os quais instauram seus primeiros contatos com o campo em contexto nacional, a exemplo do design, seja incentivada de alguma forma, ao se notar que tais laços interdisciplinares já são encontrados em consolidados níveis de discussão país afora (JUTAI; DAY, 2002; DESMET; DJIKHUIS, 2003; NEWELL, 2003; PULLIN, 2009; PLOS et al., 2012).
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1. Pesquisadora CNPq. Email: julianammsoares@gmail.com
2. Docente PPGEPS/UFSCar/Sorocaba. Email: andreaf@dep.ufscar.br
3. Docente UFSCar/Sorocaba . Email: cleyton@ufscar.br
4. Docente UFSCar/Sorocaba. Email: maborras@ufscar.br
5. Docente UFSCar/São Carlos. Email: braatz@dep.ufscar.br