Espacios. Vol. 37 (Nº 38) Año 2016. Pág. 24
Priscilla Chantal Duarte SILVA 1; Ricardo SHITSUKA 2
Recibido: 19/07/16 • Aprobado: 25/08/2016
2. Erotismo e Publicidade: um meio de persuasão
3. O processo referencial e representacional do erotismo das peças publicitárias de lingerie
RESUMO: O erotismo sempre esteve ligado ao sensual, ao amor carnal, ao lascivo, ao desejo e a paixão. Aproveitando-se disso, a publicidade de roupas íntimas tem associado o amor sexual às manifestações e exposição do corpo utilizando recursos linguísticos e semióticos para a persuasão. A lingerie passou a fazer parte do consumismo feminino não apenas como um produto para cobrir e proteger as partes íntimas, mas também como um meio de erotização. O objetivo deste estudo é analisar de que forma a erotização está presente nas peças publicitárias de lingerie, voltadas para o público feminino mostrando a erotização feminina por meio de elementos linguísticos e semióticos para fins persuasivos. Selecionaram-se peças publicitárias de lingerie divulgadas na internet. Como aporte teórico partiu-se das fundamentações teóricas de Schopenhauer (2001) e de Mondada e Dubois (1995), que tratam da representação, referenciação e semiótica de Peirce (2003). A partir das análises pôde-se perceber que os objetos de referência das peças publicitárias são inseridos no mercado da moda como objetos de erotismo, utilizando o corpo feminino como objeto de prazer sexual incitando a sensualidade e o consumismo pela busca do desejo sexual. |
ABSTRACT: Eroticism has always been linked to the sensual, the carnal love, the lustful, the desire and the passion. Taking advantage of this, advertising underwear to have associated sexual love to demonstrations and body exposure using linguistic and semiotic resources for persuasion. Lingerie became part of the female consumerism not only as a product to cover and protect the private parts, but also as a means of sexualization. The objective of this study is to analyze how the eroticism is present in advertisements for lingerie, aimed at the female audience, showing the feminine eroticism through linguistic and semiotic elements for persuasive purposes. We selected lingerie advertisements disclosed on the Internet. As theoretical contribution went up the theoretical foundations of Schopenhauer (2001) and Mondada and Dubois (1995), dealing with the representation and referral and Peirce's semiotics (2003). From the analysis it was possible to realize that the reference objects of advertisements are inserted in the fashion market as erotic objects using the female body as a sexual object of pleasure urging sensuality consumerism and the pursuit of sexual desire. |
A palavra erotismo vem do latim e este do grego Erotikós, relativo ao amor, derivado de Eros, deus do amor. Assim, o termo tem sua conotação ligada ao desejo sexual, à fantasia e à imaginação. O apelo para a insinuação e à associação com o sensual e à exposição do corpo e ao íntimo. A pornografia, por sua vez, relaciona-se à exposição explícita, ao sem pudor e à falta de sedução. É sabido que a sensualidade feminina é explorada em diversos ramos da publicidade em produtos tipicamente masculinos como cerveja e carro, expondo o corpo da mulher como uma forma de “atrativo” para o consumo desses produtos. De forma associativa, o consumidor do sexo masculino relaciona o produto divulgado ao desejo sexual pelo corpo feminino numa espécie de transferência e uso do imaginário e apelo sexual. Para Freud (1905), a pulsão sexual que está em busca de descarga visa à satisfação. Sendo assim, o erótico relaciona-se ao prazer. Dessa forma, o consumidor se realiza e se satisfaz sexualmente, de certa forma, de maneira inconsciente ao adquirir o produto, que passa a ser mais que um objeto, mas um signo e uma representação de mundo erotizado. Nesse aspecto, a proposta deste estudo centra-se em investigar de que maneira o erotismo está presente nas publicidades de lingerie do universo feminino e como a imagem da mulher é retratada nas peças publicitárias, uma vez que se percebe uma maior erotização em peças de roupas íntimas femininas quando comparadas com as masculinas.
A indústria de confecção têxtil no Brasil é responsável por um faturamento de 33 bilhões de dólares anual e com tendência ao crescimento (IEMI, 2014). Trata-se de um setor econômico importante para o País e que emprega mais de um milhão de pessoas. Em 2010 já era um dos setores que mais empregava no país, aproximadamente 1,6 milhões de pessoas, e nele o setor de moda íntima vem ganhando espaço na cadeia produtiva (FORNARI; MORETO, 2013). Os valores fornecem uma ideia da importância na economia nacional. Este setor se vale da publicidade, propaganda e marketing para realizar suas vendas. O publicitário desenvolve textos publicitários e meios de divulgação, produz e dirige comerciais nos meios de informação no sentido de formar opinião do público. Ele acompanha os processos de desenvolvimento de material publicitário até sua destinação.
Publicidade é a arte, ciência e técnica fazer com que um objeto se torne conhecido e aceito pelo público. Para Roslow, Laskey e Nicholls (1993), a publicidade é empregada na área comercial, usando de apelos emocionais, modelando o comportamento do consumidor e realizando a propaganda de caráter ideológico de modo a vender valores e ideias. A publicidade torna-se importante para a sociedade, pois publicitário e leitor ou ouvinte formam um estrato que vão fortalecer, legitimar padrões sociais.
Os textos publicitários funcionam como um lugar de representação, e que a linguagem, tanto a verbal quanto a visual, torna-se visível através do trabalho de interpretação e dos efeitos de sentidos construídos, como o uso da imagem feminina na construção dos efeitos de sentidos nas propagandas de lingerie veiculadas em revistas femininas (PEREIRA, 2007).
Os textos publicitários são voltados para o leitor que em conjunto com o publicitário faz parte de um estrato da sociedade que trabalham em conjunto, e tais textos legitimam padrões sociais. Entre eles vem a questão do erotismo e amor, fazem parte dos estudos sobre as vidas femininas. Estas incluem os estudos sobre as formas de trabalho, corpo, prazer, afetos, escolarização, oportunidades de expressão e de manifestação artística, profissional e política, modos de inserção na economia e no campo do direito e esse conjunto de coisas vai exigir mais que descrições: passarão a buscar explicações (LOURO, 2014).
Nos estudos sobre as vidas femininas, erotismo e amor não bastam as ideias individuais e se torna interessante o entendimento de como os grupos sociais enxergam essas questões bem como seus valores. Baitelle (2013) pensa no erotismo como sendo um aspecto da vida interior do homem, que muitas vezes passa desapercebido por ser buscado como um objeto de desejo externo ou fora do ser e por colocá-lo em questão.
Erotismo e lingerie sempre estiveram ligados ao sensual, ao amor carnal, ao lascivo, ao desejo e a paixão. Aproveitando-se desses fatos, a publicidade de roupas íntimas tem associado o amor sexual às manifestações e exposição do corpo utilizando recursos linguísticos e semióticos para a persuasão. As peças de lingerie passaram a fazer parte do consumismo feminino não apenas como um produto para cobrir e proteger as partes íntimas, mas também como meio de erotização e poder. Para que sejam adquiridas, torna-se interessante que haja algum tipo de start ou convencimento.
Peruzollo (2010) considera que a persuasão é atributo de todo discurso no sentido de influenciar e formar opiniões mudando atitudes das pessoas. Por seu turno, o erotismo é um valor de cultura humana e que não é observado por exemplo nos animais. Já a sedução é uma dinâmica emocional das relações humanas.
O trabalho dos publicitários torna-se desafiante ao unir erotismo e a sedução aceitos na sociedade, com desafios de mostrar a transgressão possível em peças publicitárias com a finalidade de realizar a persuasão de pessoas ou de grupos mudando as opiniões dos leitores e até mesmo formando novos padrões sociais aceitos.
Como um gênero discursivo, a publicidade trabalha com a sedução comercial e sua comunicação é ambivalente. Adam e Bonhomme (2005) conceituam a retórica desse tipo de discurso como sendo verbal e icônica. Ela é info-persuasiva, incita o leitor a crer que o produto é novo e possui muitas qualidades. O consumidor se sentirá preenchido ao consumi-lo ou em estado de falta se não puder adquirir o objeto. No plano perlocucionário, há uma estratégia de persuasão publicitária que se baseia no ato ilocucionário diretivo associado à uma intenção do tipo fazer crer, ao mesmo tempo em que constitui um ato também de fazer, na medida em que influencia o consumidor a realizar uma atitude.
No caso das campanhas de peças íntimas femininas, verifica-se que a persuasão consiste na crença de que a consumidora passará a ter determinado poder sexual ao utilizar a lingerie, no sentido de despertar a atenção e o desejo do parceiro sexual. Os elementos linguístico-discursivos e semióticos das peças sugerem a sedução por meio do uso das roupas íntimas, levando a consumidora a crer que a roupa despertará o poder de sedução do parceiro sexual.
Segundo os autores, o texto publicitário trabalha com a manipulação de desejos profundos do sujeito, seja no plano do consciente ou inconsciente. O saber sobre o produto transforma-se em quere-lo. O produto constitui um objeto de valor. Há um desejo de obter que acompanha um desejo de identificação que está além da aquisição do objeto. Apontam ainda, que a argumentação publicitária trabalha com representações e valores e a eficácia persuasiva do discurso publicitário está ligado a um ajustamento dos argumentos utilizados a dois tipos de destinatário alvo: as mulheres e os homens. Os argumentos são índices do sistema de representação dos sujeitos. Grande parte dos textos publicitários utilizam o personagem-representante “Eu e você” como forma de o leitor/ consumidor se identificar. Isso se constitui como uma técnica, uma estratégia própria do discurso publicitário. Há uma simbiose entre a mensagem publicitária e seu público. De um lado, existe o desejo primário de satisfação de necessidades básicas e de outro, desejos secundários de ordem cultural como “brilhar em sociedade”, melhorar a imagem pessoal nos grupos sociais, ser promovido, obter sucesso etc. O discurso publicitário, de certa forma, tenta ir além dos desejos secundários. Para Cathelat (1987) comprar um produto é comprar uma identidade e sem dúvida mais que um utilitário. Observa-se o autor fornece indícios da importância do ato de comprar e que há mais aspectos subjetivos envolvidos no que pareceria uma simples transação comercial.
O desejo de identificação, para Adam e Bonhomme (2005), está na valorização do objeto e em todos aqueles que o possuem. A publicidade trabalha com o psicológico do sujeito permitindo-lhe que se identifique com as qualidades do objeto, ou melhor, com o objeto de valor que o produto passou a ser. O discurso publicitário opera com a semantização que transforma o simples objeto em objeto de valor. O processo semântico passa de uma relação objetiva a uma relação simbólica, em que o objeto de consumo passa a ter uma representação simbólica. O objeto, no caso, passa a ter um significado maior que o próprio objeto, a tradução de uma prática social. Assim, o produto revela um sistema de signos, um modo de agir e de pensar social. A retórica publicitária trabalha com uma estratégia epidídica inteiramente inscrita no presente e uma estratégia deliberativa orientada para o futuro de uma compra benéfica para o sujeito. Há um funcionamento discursivo do tipo epidídico no discurso publicitário, em que se baseia em aconselhar o consumidor sobre a utilidade do produto.
As peças de lingerie passaram a fazer parte do consumismo feminino não apenas como um produto para cobrir e proteger as partes íntimas, mas também como um meio de erotização do corpo e poder.
Foucault (1994) considera que a vida se tornou um processo soberano em seus aspectos do corpo e encarando os processos da vida que caracterizam um poder que leva a investir sobre a vida.
A descoberta da vida e do corpo faz com que o poder mude sua forma de agir, valorizando a vida de modo social. No caso das peças publicitárias voltadas para o erótico e o corpo contam com a dinâmica do publicitário que se adapta as transformações que ocorrem nos contextos para formular suas peças. Considera-se que as ideias nascem individualmente e vão se transformar ou não, posteriormente, em ideias grupais,
No estudo dessa descoberta, um dos caminhos interessante é aquele do estudo da Representação Social (RS) presente em agrupamentos humanos. Sendo observado por outras pessoas e formando pensamentos aceitos coletivamente, pelos grupos de consumidores, estes buscam a realização de suas necessidades e fantasias por meio da aquisição do objeto.
Para Jodalet (1985), estes são conhecimentos práticos orientados para comunicação e para compreensão do contexto social em que se vive. O trabalho com esse tipo de entendimento dos grupos supera as análises cartesianas de um sujeito individual, racional e que produz verdades e busca o entendimento social e é o que se denomina RS. Um dos entendimentos sociais ou saberes dos grupos sociais é a respeito do erotismo, e sexualidade humanas.
O erotismo empregado nas peças publicitárias de lingeries faz referência a uma sociedade que aborda a sexualidade de forma mais ou menos explícita utilizando a imagem da mulher. A sensualidade incitada nas publicidades revela uma representação social de que a mulher pode adquirir o poder de sedução pelo uso de “lingerie orientada” pela publicidade. A argumentação publicitária constrói um universo discursivo a partir do que a sociedade tem como crença. Assim, cria um mundo de representação baseado na realidade e na idealização que persiste nos desejos humanos. Peruzzolo (2010) pondera que as RSs da sexualidade diferem conforme os valores, as vivências humanas e a cultura, porém são eles que constituem a regra do jogo simbólico da sexualidade.
Por sua vez, em seus postulados, Schopenhauer (2001) defende a ideia de que o “mundo é minha representação”. É a base de todo o conhecimento humano. Sendo assim, a representação refere-se a todo conhecimento abstrato e refletido. A realidade do mundo exprime o modo de toda experiência possível e imaginável, segundo o autor, que afirma que o universo é objeto em relação a um sujeito que percebe. Em outras palavras, é pura representação. O autor (Ibid) considera que tudo o que no mundo encerra ou pode encerrar está nesta dependência necessária perante o sujeito, e apenas existe para o sujeito. O mundo é, portanto, representação”. Para esse filósofo e pensador alemão, o próprio corpo é um objeto e por conseguinte representação mental individual. Moscovici (2003) faz uma ponte entre tais representações e as RS. Essas apesar de não serem sociais, podem vir a sê-las, na interação entre as pessoas e por meio publicidades podem ajudar a consolidar tais processos e legitimar padrões na sociedade.
Pode-se dizer que, no caso das publicidades de lingerie, a imagem do corpo ali reproduzido semioticamente como o modelo de beleza, muitas vezes, é a representação da condição desse corpo no mundo, isto é, a forma como esse corpo é visto, conhecido. A roupa íntima, nessas peças publicitárias, acaba referenciando um objeto capaz de acompanhar o objeto de desejo sexual: o corpo.
Na representação, objeto e sujeito estão contidos e implicados. Segundo Schopenhauer (2001), “o desdobramento em objeto e sujeito é, com efeito, a forma primitiva, essencial e comum a toda representação”. Nas peças publicitárias de lingerie, tem-se que tanto o corpo quanto a roupa íntima passam a ser objetos de desejo, uma vez que a publicidade desperta o corpo como sexualidade. O sujeito, por sua vez, refere-se ao consumidor/leitor que procura se identificar com o objeto de consumo. “[...] A forma do objeto é representada pelos diversos modos do princípio da razão” (SCHOPENHAUER, 2001). A fim de ilustrar as colocações em termos de publicidade, elencou-se a Fig. 1, a qual foi obtida de material publicado na Internet.
Figura 1 – Publicidade voltada para pessoa da terceira idade.
Fonte: http://blogdalingerie.com.br/lingeries-para-terceira-idade-qual-seria/
Na figura 1, uma publicidade voltada para o público da terceira idade, verifica-se a imagem de uma senhora, cuja vida social indicada pelo paratexto “2 casamentos, 3 filhos, 4 netos” revela uma posição bastante comum entre as mulheres de terceira idade, pois já é esperado que uma mulher dessa idade tenha possivelmente filhos e netos. A publicidade, entretanto, quebra a expectativa do leitor quando adiciona a expressão “e ainda pego pra criar”, uma expressão bem conhecida com o sentido de uma mulher madura ter um relacionamento amoroso com um homem bem mais jovem do que ela. Nesse contexto, o paratexto faz referência a uma imagem de mulher que se mostra bem-sucedida emocionalmente a ponto de “esbanjar” sensualidade e poder de conquista até com homens mais jovens. O corpo em forma também remete a uma quebra de expectativa no leitor, demonstrando uma representação de mulher atraente mesmo na terceira idade. Observa-se que há uma representação da conquista feminina pelo poder de sedução da sexualidade, levando a imagem de que a pessoa fica valorizada pelo uso de lingerie. No aspecto do sucesso e autoestima, a publicidade em foco leva a esse aspecto social, valorizando a mulher madura associada ao produto.
A figura masculina aparece num plano inferior, sem ação, aos pés da mulher, remetendo à representação da submissão e dominação. No caso, a mulher passa a ser o objeto dominador. O homem jovem dá a impressão ao leitor de que a mulher consegue “rejuvesnescer” se tornado sensual e realizando a transgressão desafiante em relação a valores antigos da sociedade, pelo uso da peça de lingerie. Há uma representação da posição masculina de refém sobre uma mulher que passa a se tornar poderosa pelo poder de uso da sexualidade. A associação realizada é ocorre também com mulheres de outras faixas etárias e contextos, como se verifica na Fig. 2.
Figura 2 – Associação do poder com o erotismo.
Na figura 2, observa-se a imagem de uma jovem utilizando a lingerie e num ambiente aberto, sobre uma plataforma e segurando uma espécie de chapéu de um militar que aparece ao fundo, num plano inferior, deitado e sem ação.
A imagem veiculada em meios de publicidade foi obtida na Internet onde é disponibilizada para o público geral. Entende-se que o publicitário associa a imagem do erotismo da mulher jovem utilizando o lingerie para dominar um homem que aparece num plano de fundo, deitado e fora da ação, enquanto a mulher segura o chapéu de um suposto militar. A publicidade é claramente voltada para um público que gosta de ação, jovem e desafiante. Dessa forma, leva ao leitor a imagem de que o lingerie pode ajudar a mulher a realizar a dominação e obter um “suposto poder” por meio do uso da peça de vestuário. A imagem é bem aceita por grande parte da sociedade e tudo leva crer que apresenta uma RS relacionada ao uso do vestuário feminino.
A ideia exposta na imagem é veiculada em diversas outras peças de publicidade existentes nos meios de comunicação, que vão buscando a legitimação da ideia de que pelo erotismo a mulher pode alcançar o poder de dominação. O paratexto “pacificar foi fácil, quero ver dominar” revela uma representação da imagem da mulher na sociedade. Na sociedade machista, a mulher sempre teve um papel de pacificação na relação com o homem. Com efeito, a mensagem do paratexto da peça publicitária induz a memória discursiva do leitor, remetendo à ideia de que é o homem quem sempre teve uma postura de dominador, enquanto a mulher era pacífica e submissa. Nesse aspecto, a peça publicitária da figura 2, quebra esse paradigma sugerindo uma nova imagem de mulher moderna.
A realidade externa ou mundo exterior está atrelada às suas representações comuns sob a hipótese de que há um poder referencial da linguagem. Ao se considerar esse poder, reconhecido por Mondada e Dubois (1995), pode-se dizer que o homem realiza a referenciação por um molde cognitivo, no qual as práticas simbólicas tomam forma para dar sentido ao mundo. Desse modo, a referenciação consiste em “uma relação de representação das coisas e estados de coisas, entre o texto e a parte não-linguística em que ele é produzido e interpretado” (RASTIER apud Mondada e Dubois, 1995).
Logo, referenciação e representação acabam sendo termos imbricados. Cabe lembrar que essa não está imbricada somente às propriedades de uma ligação direta com o mundo, mas às formas como são constituídas as interações. O referente constituído no processo de referenciação se apresenta como uma representação mental, uma vez que que parte dos elementos linguísticos-discursivos, projetando-se numa dimensão extralinguística para identificar o referente.
Como afirmam Mondada e Dubois (1995), o processo de ajustamento das palavras às coisas do mundo não se faz diretamente em relação ao referente dentro do mundo, mas no quadro conceitual, isto é, nem sempre se tem um referente físico. Muitas vezes, a própria condição conceitual se identifica como referente no processo de referenciação. Pode-se dizer que o objeto-referente emerge enquanto entidade da enunciação, do qual se faz a referência por meio de uma atividade cognitiva. Consideram ainda a importância da interpretação das formas extralinguísticas para a efetiva explicação dos enunciados e atribuição dos referentes. No momento da referenciação, a representação mental funciona como uma espécie de categorização que permite, segundo Reboul (2000) determinar o referente físico.
Mondada e Dubois (1995) consideram a existência de instabilidades discursivas, de categorias e os objetos de discurso pelos quais os sujeitos compreendem o mundo não são preexistentes nem dados, mas se elaboram no curso de suas atividades, de modo dinâmico, transformando-se a partir dos contextos. Vale lembrar que num processo de referenciação, as representações mentais referem-se a objetos ou conceitos reais; muitas vezes, os objetos referidos são constituições de conceitos criados a partir de outros referentes e de outra realidade. No caso da publicidade, a ancoragem é feita tanto por aspectos da realidade ou de representações sociais quanto de aspectos ficcionais (Fig.3).
Figura 3: sexualidade conjugal
Na figura 3, observa-se a referência da aliança como representação da relação conjugal, no sentido de união, destacada na publicidade no enunciado linguístico “a aliança simboliza a união”, apontando ao leitor para qual contextualização se refere a peça publicitária, assim como a lingerie branca fazendo referência simbólica à noiva. Isso permite que o leitor estabeleça associação entre branco, noiva, relação conjugal e casamento pelo termo “marido” que funciona como ancoragem para o efeito de sentido de que a peça se refere à relação sexual entre marido e mulher no casamento, bem como a expressão “casa com todo tipo de noiva”. Em “[...] a lingerie vai manter seu marido grudado em você” pode-se observar que se refere a um poder de sedução sexual atribuído ao uso de lingerie. Sendo assim, ao interpretar a publicidade tem que estabelecer o jogo referencial de representações mentais a partir da relação dos objetos com as coisas do mundo.
Na lógica peirceana, doctrina signoroum ou doutrina dos signos, a base do pensamento é por signos. Um signo é tudo o que se relaciona a uma segunda coisa, seu objeto. Em outros termos, o signo é um objeto que produz outro diverso deste, sendo, portanto, em cadeia, outro signo. Peirce (2003) define o signo como um representâmen, como sendo o conteúdo da interpretação ou um interpretante mental. O signo representa alguma coisa - seu objeto. Em seus postulados, o autor desenvolveu a tricotomia dos signos, na qual o signo teria uma relação com o seu objeto e interpretante.
Partindo da concepção de relação de representação, perscrutando a experiência, Ibid (2003) definiu três elementos capazes de explicar toda e qualquer experiência: primeiridade, secundidade, terceiridade, ou ainda, as categorias traduzidas por Pinto (1995) como primeireza, secundeza e terceireza. Tais categorias correspondem a entidades mentais. A primeireza diz respeito ao modo de ser das coisas, tais como elas são, a categoria da sensação ainda sem consciência. Segundo Pinto (1995), a secundeza corresponde àquilo que se percebe e a terceiriza refere-se à capacidade de representar o que se percebe na secundeza. Como diferentes tipos de signos, Peirce (2003) define como primeiro ícone, que ostenta semelhança com o sujeito do discurso, o segundo como índice, aquilo que se percebe e terceiro, ou símbolo, que significa seu objeto por meio de uma associação de ideias ou conexão habitual entre o nome o caráter significado.
Sabe-se que toda realidade é formada semioticamente, isto é, por linguagem (qualquer que seja a natureza dos signos, verbais ou não). Como gênero discursivo que reconhece essa realidade e a representa com seus moldes persuasivos para atrair o consumidor, a publicidade constrói um novo real a partir de um modelo de representação. A imagem de mulher “poderosa” de corpo estrutural e sensual por usar a lingerie da marca publicitária existe sobretudo no plano da ficção, pois se trata de uma idealização para fins de marketing publicitário. Afinal, a mulher do plano real nem sempre possui um corpo com tais características. Dessa forma, a publicidade vende uma imagem idealizada.
Em caráter semiótico, a publicidade atinge seu objetivo de influenciar o consumidor no plano da terceiridade ou terceiriza, pois procura aspectos da realidade e crenças sociais para embasar suas peças publicitárias, a fim de passar uma imagem idealizada. De certo modo, a publicidade passa a imagem de realizadora das necessidades e desejos humanos, pois cria semioticamente um campo imagético de mundo ideal, fantasia e desejo.
Figura 4: poder, sexualidade e dominação
Na figura 4, entende-se que a publicidade traz a imagem de uma mulher de meia idade que fornece ao público a impressão de ser uma pessoa com alto poder aquisitivo e que está num ambiente mais tranquilo e aconchegante. Semioticamente, ela também exerce o poder, por meio da imagem da sua mão pesando sobre a cabeça do companheiro, que aparentemente é de faixa etária igual ou pouco superior à dela, representando em termos de terceiriza uma dominação. Este, de modo semelhante à figura anterior fica numa posição abaixo da mulher que passa a imagem de “poderosa”. Procura-se pela imagem legitimar o padrão social e fortalece-se a RS associada aos signos semióticos.
O erotismo é um aspecto da vida interior do homem, que muitas vezes passa desapercebido por ser buscado como um objeto de desejo externo ou fora do ser e por colocá-lo em questão (BAITELLE, 2013).
Erotismo e lingerie sempre estiveram ligados ao sensual, ao amor carnal, ao lascivo, ao desejo e a paixão. Além disso, aproveitando-se desses fatos, a publicidade de roupas íntimas tem associado o amor sexual às manifestações e exposição do corpo utilizando recursos linguísticos e semióticos para a persuasão, bem como poder e dominação da mulher sobre o homem, passando a ideia de que sexualmente, com o uso de uma boa peça de lingerie a mulher, independentemente da idade pode conquistar e dominar o parceiro pela sedução.
Verifica-se que a publicidade passa a ideia da mulher poderosa que após ter sido bem-sucedida na vida e que pode desfrutar de uma vida melhor pelo uso da peça. Desenvolve-se nos leitores esta ideia que vai legitimando os padrões sociais como consideram Roslow, Laskey e Nicholls (1993). Dessa forma, mostra que é possível exceder ou ultrapassar as supostas normas sociais e desta forma, incentivar o consumo nas pessoas da melhor idade. Verifica-se que os textos publicitários funcionam como um lugar de representação. A linguagem, tanto a verbal quanto a visual, torna-se visível por meio de um trabalho de interpretação e dos efeitos de sentidos construídos em relação ao uso da imagem feminina na construção dos efeitos de sentidos nas publicidades de lingerie veiculadas em revistas femininas (PEREIRA, 2007).
Nos estudos sobre as imagens femininas que incluem o erotismo e amor não bastam as ideias individuais e se torna interessante o entendimento de como os grupos sociais enxergam essas questões bem como seus valores de modo a formar suas Representações Sociais. No público brasileiro, em particular, há uma valorização da mulher “cheia de curvas” (Fig. 5).
Figura 5: padrão de beleza e lingerie
Fonte: https://www.google.com.br/search?q=publicidade+de+lingerie&biw=1525&bih=660&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0CAYQ_AUoAWoVChMIoJfBg-DbxgIVxpyICh2oSweM&dpr=0.9#imgrc=rZgXnd8OJOZA7M%3A
Na figura 5, a imagem da mulher é focada sobre o estereótipo “mulher gostosa”, no sentido de não ter um corpo como a maioria das modelos de passarela, macérrimas, mas de um corpo cheio de curvas.
No enunciado “gostosa demais para usar 38”, é possível observar a referência a um manequim um pouco acima do padrão de corpo esbelto e a um tipo de mulher atraente para a maioria dos homens brasileiros que preferem a mulher com curvas, considerando, indubitavelmente, o fator cultural.
O enunciado traz uma quebra de paradigma em considerar que não se trata de uma peça de lingerie para mulheres acima do padrão de beleza, isto é, um corpo esguio, como das modelos. Nesse caso, verifica-se uma valorização do corpo cheio de curvas, levando o leitor/ consumidor a crer que a beleza e a sensualidade não está presente apenas num manequim 38.
A relação semiótica é também simbólica e representacional, pois a imagem da foto da modelo, juntamente com o termo “gostosa” remete por referenciação à representação social de imagem de mulher atraente sexualmente além de estabelecer uma relação de contraposição com o estereótipo de magreza. Com efeito, o leitor/consumidor realiza uma representação mental ao interpretar a publicidade (Fig. 6).
Figura 6: o uso da cor de lingerie como significado e representação
Na figura 6, o uso da cor de lingerie traz semioticamente uma representação simbólica do amor carnal pela cor vermelha. Sabe-se que a lingerie vermelha sempre foi explorada como a cor da paixão e da sexualidade. Por ser bastante utiliza com esse fim, a mídia sempre mostrou o lado promíscuo e a atuação das garotas de programa utilizando lingerie vermelha para seduzir o homem. A publicidade da figura 5 traz como referência simbólica, em termos de terceireza, o símbolo do vermelho como sexualidade, amor carnal juntamente com o elemento linguístico “santa” em “de santa já basta a data” estabelecendo um jogo referencial entre carnal versus santidade. Desse modo, incita o consumidor a usar a lingerie vermelha como poder de sedução ao amor carnal e à sexualidade.
A partir das análises pôde-se perceber que os objetos de referência das peças publicitárias são inseridos no mercado da moda como objetos de erotismo, utilizando o corpo feminino como objeto de prazer sexual incitando a sensualidade e o consumismo pela busca do desejo sexual.
Mais do que peças do vestuário feminino, a lingerie tem se transformado em objeto de valor para o consumidor com fins de conquista e sedução do parceiro. Sob esse aspecto, a publicidade tem explorado por meio de recursos linguísticos e semióticos os desejos do consumidor, elaborando suas peças publicitárias de acordo com as crenças e desejos das pessoas.
A forma como as peças exploram a sexualidade feminina nas peças publicitárias em lingerie leva o leitor/consumidor a estabelecer relações de referência e representação durante a interpretação delas.
Nas análises, foi possível verificar que há um jogo semiótico e linguístico elaborado para satisfazer as necessidades de consumo da mulher, que busca poder, conquista e sedução, conforme o que se revela nas representações sociais e segundo o que é apresentado nessas peças publicitárias.
A utilização da cor de lingerie traz semioticamente uma representação simbólica do amor carnal pela cor vermelha. A lingerie vermelha sempre foi explorada como a cor da paixão e da sexualidade.
Entende-se que neste trabalho, analisou-se a forma como a erotização está presente nas peças publicitárias de lingerie, voltadas para o público feminino mostrando a erotização feminina por meio de elementos linguísticos e semióticos para fins persuasivos, desta forma, foi-se ao encontro do objetivo almejado.
Considera-se de modo semelhante a Moscovici que exista relação entre as representações mentais individuais e as RS e que a publicidade pode fazer uma ponte entre elas legitimando padrões sociais.
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1. Email: priscillachantal@unifei.edu.br