Espacios. Vol. 37 (Nº 38) Año 2016. Pág. 22
Amanda Gama ROSA 1; Antônio Cordeiro de SANTANA 2; Cyntia Meireles de OLIVEIRA 3; Ádamo Lima de SANTANA 4
Recibido: 18/07/16 • Aprobado: 13/08/2016
RESUMO: A reserva Caeté-Taperaçu sempre operou na condição de inexgotabilidade do ecossistema de mangue. O não conhecimento do valor econômico total dos seus produtos e serviços dificulta o desenvolvimento de políticas e estratégias de extração sustentável visando a qualidade de vida da comunidade. Assim, estimou-se seu valor econômico total, por meio de 100 comunitários, usando o Método da Valoração Contingente através da Disposição a Pagar. O valor médio mensal per capita foi de R$ 12,70. O valor econômico total da conservação da reserva foi R$ 2.924.897,50/ano, sendo o necessário para continuar provendo os produtos e serviços de forma sustentável. |
ABSTRACT: The Caeté-Taperaçu reserve has always operated in inexgotabilidade condition of the mangrove ecosystem. Not knowing the full economic value of their products and services hinders the development of policies and sustainable extraction strategies for the community's quality of life. Thus, it estimated their total economic value through 100 community, using the Contingent Valuation Method by Willingness to Pay. The average monthly per capita was R$ 12,70. The total economic value of conservation reserve was R$ 2.924.897,50/year, and the need to continue to provide products and services in a sustainable manner. |
Este trabalho estima o valor econômico e ambiental da reserva extrativista de marinha Caeté-Taperaçu (Resex de Caeté), com foco no ecossistema de mangue que compõe um ativo natural que gera um fluxo contínuo de caranguejo para as comunidades locais e de serviços de sustentação das condições das marés, clima, sustentação de encostas e da biodiversidade. A área de manguezal compreende 24 mil ha e assegura ocupação e renda para as famílias de catadores de caranguejo, que apresentam situação de exclusão das políticas públicas, entre elas, o defeso da pesca.
A coleta extrativa do caranguejo, que sempre operou na condição de inexgotabilidade do fluxo de produção e os serviços produzidos pelo ecossistema de mangue, não houve a preocupação com a implementação de normas e regulamentos para ordenar a capacidade de suporte desse capital natural e contribuir para aumentar a produtividade e assegurar a renda e melhoria na qualidade de vida das comunidades dependentes desse capital natural.
Atualmente, a reserva foi demarcada e gerenciada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), porém até o momento não é conhecido o valor econômico total dos produtos e serviços dessa reserva, o que dificulta sua preservação por falta de parâmetro para determinar o seu custo de oportunidade. Este conhecimento é uma condição necessária para o desenvolvimento de políticas com vistas a manter sua sustentabilidade e garantir as condições de bem-estar para as comunidades que daí extraem diretamente alimento, renda e qualidade de vida.
A reserva se enquadra na economia de recursos de uso comum e, como tal, a gestão racional dos recursos naturais das áreas de manguezais, que pela posição estratégica para a atividade imobiliária urbana e de interface turística, necessita de atribuição de valor aos produtos e serviços desse ecossistema, com vistas a estimar o custo de oportunidade de sua preservação e estabelecer compensação para assegurar a condição de bem-estar das populações locais beneficiadas direta e indiretamente, assim como a população regional e mundial pelos serviços de interface global (Costanza et al., 1997; Santana et al., 2015).
Sem a gestão desses ecossistemas, corre-se o risco das perdas pelas atividades predatórias que conduzem ao esgotamento dos recursos naturais e, por sua vez, afetam de forma irreparável as condições de bem-estar social das populações que se beneficiam direta e indiretamente do fluxo de produtos e serviços desse ativo natural agora e no futuro (Liu et al., 2010; Groot et al., 2012; Santana, 2014). Em função disso, uma das formas eficientes de se estabelecer a relação da contribuição do capital natural para o bem-estar humano, bem como sua importância para o valor econômico total da economia local e regional é por meio da valoração da reserva (Costanza et al., 1997; Adams et al., 2008; Barbisan et al., 2009; Carsom; Louviere, 2011; Santana et al. 2015).
Qual o valor econômico total da Resex de Caeté na percepção das comunidades tradicionais cuja sobrevivência depende direta e indiretamente dos produtos e serviços desse ecossistema de mangue? Para isto foi aplicado o método da avaliação contingente, por incorporar o valor de uso e de não uso dos recursos naturais, dado que alguns produtos e serviços não têm valor de mercado.
Buscou-se uma função representativa da Disposição a Pagar (DAP) para gerar a estimativa do valor econômico total da Resex de Caeté, especificamente da área de manguezal, a partir da DAP declarada pelo entrevistado para a conservação do ativo natural de forma a manter um fluxo permanente do produto principal e do ambiente proporcionado pela vegetação estuarina.
A área de estudo compreende a Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, localizada na região costeira do município de Bragança, na Microrregião Bragantina, estado do Pará, Brasil. A Resex de Caeté foi criada pelo Decreto n° 4.340, de 22 de agosto de 2005, abrangendo uma área de 42.068 ha, dos quais 24 mil hectares correspondem aos manguezais, foco do trabalho. O restante da área incluem os estuários, praias, ilhas, dunas, restingas, campos naturais salinos e outros. A reserva limita-se ao norte com o Oceano Atlântico, ao sul com o município de Bragança e é gerenciada pelo ICMBio (ICMBio, 2012). O trabalho foi realizado em três pontos estratégicos dentro da reserva, por concentrar as principais comunidades de catadores de caranguejo: Vilas do Campo do Meio (ou ilha de Ajuruteua), dos Pescadores e da PA-458, que liga o município de Bragança à Ajuruteua, ponto turístico do Pará.
Segundo Carneiro et al. (2010), a Resex de Caeté contém 47 comunidades espalhadas em sua extensão, das quais apenas quatro estão efetivamente incluídas dentro do polígono. Dentre estas, estão a Vila dos Pescadores e a Vila do Campo do Meio, que foram incluídas no trabalho. As demais estão localizadas no seu entorno e causam pressão pela atividade de exploração desordenada dos recursos naturais da Resex. Para efeito de gestão, a reserva foi divida em oito polos e tem como representação a Associação dos Usuários da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu - ASSUREMACATA, composta por uma Diretoria Executiva, um Conselho Fiscal e Conselheiros.
Esta Resex foi criada com o objetivo de minimizar o uso predatório dos recursos pesqueiros locais, que dependem grandemente das florestas de manguezal da região Bragantina. As famílias dos extrativistas sobrevivem em grande parte da renda proveniente da captura do caranguejo uçá (Ucides Cordatus), peixes marinhos e estuarinos, camarões, moluscos, frutas e outros (MMA, 2014). Porém, essa área vem sofrendo vários impactos ambientais em função da ação humana, como a pesca e catação excessiva de caranguejos e o desmatamento das áreas de manguezais por pressão imobiliária.
Os dados utilizados neste trabalho foram obtidos de fonte primária, coletada por meio de entrevistas feitas nos meses de novembro de 2013 a julho de 2014 nas comunidades da Resex de Caeté. Os questionários foram aplicados a uma amostra da população de 100 famílias que apresentaram disposição a pagar. A amostra foi probabilística, a fim de possibilitar a inferência dos resultados para a população das comunidades totais da Resex. A única restrição da escolha foi a exigência de o entrevistado fazer parte da população extrativista da Resex, pelo maior conhecimento sobre os benefícios da Resex e os efeitos das atividades sobre a sustentabilidade dos recursos naturais da reserva.
Como muito dos produtos são consumidos quase que totalmente pelas comunidades, outros que produzem excedentes são comercializados por atravessadores no mercado informal e o caranguejo, camarão e peixe não dispõem de estatísticas sistematizadas de quantidade e preço que permitam estimar a demanda, oferta e preço de equilíbrio do mercado, optou-se pela técnica da avaliação contingente de criação de um mercado hipotético, no qual os entrevistados declaram sua disposição a pagar uma taxa mensal para ser aplicada em projetos e atividades orientadas para a recuperação e/ou conservação da Resex, de forma a manter o fluxo de produtos e serviços para a sobrevivência das comunidades do local (Hanemann, 1991; Loomis et al., 1996; Santana, 2014).
A técnica de elicitação utilizada para determinar obter as informações sobre a DAP foi o método do referendo com acompanhamento (Carson; Louviere, 2011; Bentes et al., 2014; Santana et al., 2015).
O questionário foi estruturado em 38 perguntas, envolvendo os aspectos sociais, econômicos e ambientais na percepção do entrevistado tendo em vista seu conhecimento sobre o contexto atual da Resex. Para obter a informação sobre a DAP foram apresentadas faixas de valores para os entrevistados para sua livre escolha da opção declarada como representativa para estimar o valor econômico total da Resex. As faixas de valor a pagar foram: 0 a 5 reais; 5 a 10 reais; 10 a 15 reais; 15 a 30 reais; 30 a 60 reais; 60 a 100 reais; 100 a 150 reais; 150 a 200 reais; 200 a 300 reais; e outro valor a especificar.
O método da DAP apresenta perfeita relação com a teoria microeconômica que define o excedente do consumidor, como a área abaixo da linha de demanda do recurso natural, delimitada pela quantidade explorada do referido recurso (Randall; Stoll, 1980; Hoen; Randall, 1989; Costanza et al., 1997; Santana, 2015). Assim, a equação da DAP, que representa a demanda dos consumidores dos recursos naturais da Resex, foi especificada por meio de uma regressão múltipla conforme Santana (2003), Bentes et al. (2014) e Santana et al. (2015), da seguinte forma:
Em que: DAP é a variável dependente e representa o valor declarado pelo entrevistado sobre a disposição a pagar pela conservação e uso racional da Resex de Caeté, em R$/mês; Idade do entrevistado em anos; Educ é o nível de educação formal do entrevistado em anos de estudo; Renda é a renda média mensal do entrevistado, em R$/mês; TFamília é o tamanho da família, dado pelo número de pessoas; Ativ é atividade principal de atuação declarada pelo entrevistado; TempoAtiv é o tempo do entrevistado na atividade de catação e pesca na área da Resex, em anos; VTotalTrab é o valor pago pelo trabalho do entrevistado por mês nas atividades que participa, em R$/mês; Bolsa é o valor da bolsa família ou similar representando a renda transferida pelo governo federal, em R$/mês; PreservAmb é um índice construído a partir que um conjunto de variáveis que indicam o nível de utilização dos recursos naturais da Resex e as ameaças de destruição; u é o termo de erro aleatório; e é o vetor de parâmetros a ser estimado.
Os parâmetros da regressão foram estimados por mínimos quadrados ordinários conforme Santana (2003). Como se trata de um modelo de dados de corte transversal (cross-section), é comum aparecer problema de heterocedasticidade nos erros da regressão, violando a hipótese de que a variância é constante e igual para todas as observações. Para testar esta hipótese, aplicou-se o teste de heterocedasticidade de White (Santana, 2003). Na presença de heterocedasticidade, a correção é feita pelo método de White via aplicação do software Eviews7. Com isto, obtém-se estimativa para os parâmetros não enviesadas e eficientes.
Após a estimação dos parâmetros da regressão da DAP, foram obtidas as médias das variáveis independentes e substituídas na equação para obter-se a estimativa do valor médio da disposição a pagar por cada entrevistado ao mês e ao ano. Como a amostra foi probabilisticamente representativa, esse valor pode ser extrapolado para o total de famílias das comunidades de extrativistas. Assim, obtém-se a DAP para todas as comunidades. Ou seja, apresenta-se o valor estimado que, na percepção dos entrevistados, é suficiente para manter o ambiente de mangue em condições de prover os produtos e serviços ecossistêmicos de provisão (produção de caranguejo,
camarão, peixe, frutas e outros), suporte (estruturação e formação do mangue), cultural (atividade de sustentação da cultura local, turismo ecológico) e regulação do ciclo das águas estuarinas, cuja dinâmica depende da influência das marés.
Os catadores entrevistados são todos do sexo masculino, pelas características da atividade de extração de caranguejos exigem grande esforço físico e, naturalmente, na divisão do trabalho cabe aos representantes homens a realização das tarefas de captura dos caranguejos, camarão e de peixe. A faixa etária dos entrevistados estende-se de 19 e 71 anos de idade, sendo que a maior proporção (44%) se encontra na faixa de 31 a 45 anos. O tempo médio que esses extrativistas exercem as atividades de captura de caranguejo é de cerca de 23,5 anos, em função das condições difíceis da atividade que exige boas condições físicas para a realização do trabalho.
Quanto ao nível de instrução, observou-se que vários dos entrevistados (11%) não possuíam nenhum nível de escolaridade - são analfabetos. Do restante, 61% tinha ensino fundamental incompleto, 19% fundamental completo e apenas 6% tinham ensino médio completo. Este resultado não causa espanto, dadas as condições educacionais locais que além de precárias são excludentes por insuficiência de oportunidade desse serviço para tais populações.
Dentre as atividades exercidas pelos entrevistados, a que é mais representativa é a pesca (39%), por permitir o acesso ao programa do seguro defeso, que o catador de caranguejo não tem acesso. Em seguida foi indicada a catação de caranguejos (34%), que na verdade é a principal atividade. Cerca de 26% dos entrevistados realizam as duas atividades e apenas 1% exercia uma atividade distinta, porém ligada a este mercado, que consistia no aluguel de embarcações pequenas para a realização da pesca na região. A grande maioria dos extrativistas (81%) apresentava uma atividade ou fonte de renda paralela à catação ou pesca, caracterizando uma pluriatividade na formação da renda destes extrativistas.
Com relação ao tamanho da família dos extrativistas, tem-se uma média de 4 pessoas por família, variando de indivíduos que moram sozinhos e outras com até 9 pessoas. Uma parte significativa das famílias extrativistas (46%) tinha renda mensal extraída da atividade de ½ a 1 salário mínimo, o que corresponde a R$ 362,00 a R$ 724,00, e 34% obtinha renda de 1 a 2 salários mínimos por mês, o que evidencia o baixo retorno financeiro da atividade. Esta baixa renda influencia diretamente na utilização predatória dos recursos naturais e, por sua vez, na qualidade de vida das famílias (Figura 1).
Figura 1: Renda mensal das famílias extrativistas da Resex de Caeté, estado do Pará.
Fonte: Dados da pesquisa.
Com relação à importância da renda para asseguras as condições de sobrevivência das famílias, tem-se que 67% dos entrevistados consideraram que a renda gerada por essas atividades é indispensável ao provimento de alimentos complementares ao extraído da Resex. Para um grupo de 18%, a renda é completamente extraída dessas atividades, ou seja, na ausência da Resex para o provimento de seu sustento, estas famílias não conseguiriam se manter no local.
Quanto às questões ambientais, 83% dos entrevistados já vêm observando uma queda crescente na produção, principalmente em função da coleta excessiva das espécies mais importantes de caranguejo, camarão e peixes. Alguns argumentam que a diminuição da produção está associada ao desmatamento de algumas áreas de manguezais, à poluição desse ecossistema e dos mares, bem como da sazonalidade na oferta de caranguejos e pescados, devido, por exemplo, ao período reprodutivo de certas espécies e que não é obedecido.
No âmbito das questões ambientais e de sustentabilidade da extração de caranguejo, a maioria dos entrevistados (96%) identificou diversos impactos ambientais resultantes das suas atividades, com efeito direto na diminuição do estoque de produtos, poluição, degradação do ecossistema, impactos causados por grandes empresas pesqueiras e outros indicados na Figura 2.
Figura 2: Impactos ambientais resultantes das atividades realizadas da Resex de Caeté, estado do Pará
Fonte: Dados da pesquisa.
A maioria dos entrevistados revelou a intensa ação predatória tanto dos caranguejos como das diversas espécies de peixes.
“Quase todas as famílias da reserva fazem a extração e consumo destes recursos e passam essas atividades para as outras gerações, resultando em um crescente número de extrativistas. Além disso, há famílias que estão migrando para o local, adotando o mesmo modo de vida, sem que haja um controle da entrada destas pessoas, cuja fiscalização cabe ao ICMBio, mas que atuação limitada em função das inúmeras formas de acesso à Resex, seja por ramais, estradas ou corpos hídricos.”
Além desta questão, têm-se os impactos realizados por empresas pesqueiras de grande porte, que ainda praticam a “pesca de arrasto”, com o uso de grandes redes de pesca atreladas nas embarcações que fazem as suas rotas “arrastando tudo pela frente”, inclusive peixes pequenos e outras espécies que não interessam as empresas.
Os entrevistados têm noção de que as atividades na forma que realizam estão fora do padrão sustentável (Figura 3). Para a solução propõe o controle das ações dos pescadores, por meio de um cadastro efetivo e controle das atividades extrativistas na região. Isto ajudaria na eficácia do Programa de Seguro Desemprego para o pescador artesanal, cujo benefício ajuda bastante no sustento das famílias nos períodos de proibição da catação e da pesca.
Outra ameaça à Resex é o aumento do desmatamento das áreas de manguezais, que influencia diretamente na produção de caranguejos. Falta eficácia do monitoramento e fiscalização do ICMBio. É grande o fluxo de entrada e saída de pessoas por todos os lados da Resex, pela grande rede de ramais e estradas vicinais, bem como do grande número de portos espalhados pelo entorno da reserva (ICMBIO, 2012).
Figura 3: Percepção dos entrevistados quanto às sustentabilidade de suas atividades na Resex de Caeté, estado do Pará.
Fonte: Dados da pesquisa.
A fim de qualificar a importância dos serviços de Lazer, Educação, Saúde, Preservação Ambiental e dos Bens Materiais na percepção dos entrevistados, foi indagado, atribuindo-se a seguinte escala de valores: 0 = menos importante; 4 = mais importante (Figura 4). A maior importância foi dada ao serviço de saúde, dado que o local conta com poucos postos de saúde e hospitais especializados, que realizam atendimento pelo Sistema Único de Saúde. Depois vem a educação, corroborando que os indivíduos têm a consciência de que esse serviço pode proporcionar oportunidades para um futuro melhor aos jovens. Porém, revela-se a carência de centros educacionais públicos de qualidade na região.
Figura 4: Grau de importância dado pelos indivíduos entrevistados
a certos aspectos (0 = menos importante; 4 = mais importante).
Fonte: Dados da pesquisa.
A pergunta sobre a disposição a pagar declarada pelos indivíduos entrevistados na pesquisa apresentou um índice de aceitação de 62% e uma recusa de 38% dos entrevistados.
Geralmente, quando se trata de bens ou recursos ambientais que a população amostrada usufrui direta ou indiretamente, é comum que se obtenha uma DAP positiva. Por exemplo, em Mattos et al. (2007), 55% da população entrevistada se mostraram dispostas a contribuir com alguma quantia para a recuperação e/ou preservação de Áreas de Preservação Permanente (APP) da Microbacia do Ribeirão São Bartolomeu, em Viçosa, MG. Martins (2002) obteve uma disposição a pagar de 75,8% da amostra da população para os recursos ambientais da praia de Jericoacoara, no Ceará. Silva e Lima (2004) obteve um índice de 68% de respostas positivas para a manutenção e conservação do Parque Ambiental “Chico Mendes”. Pelo que se observa, os resultados obtidos nesta pesquisa estão dentro dos resultados obtidos em pesquisas envolvendo a mesma temática.
Quanto ao não pagamento de quantias para a preservação e/ou conservação da Resex, os indivíduos que declararam a não disposição a pagar uma taxa tiveram apresentam um comportamento de desconfiança na capacidade do poder público de realizar determinada intervenção. Aliada ainda ao fato de considerar, em um primeiro momento, a obrigação do poder público de fiscalizar e realizar as benfeitorias no local com o dinheiro arrecadado através de impostos. Alguns ainda justificaram a não disposição a contribuir pelo fato de não terem condições de retirar uma parcela de sua renda mensal para tal ou, simplesmente, por não desejarem ou não identificarem quaisquer problemas ambientais na região (Figura 5). Portanto, essas justificativas para o não pagamento são, geralmente, esperadas neste tipo de trabalho.
Figura 5: Possíveis justificativas da não contribuição (ausência de DAP) dos entrevistados.
Fonte: Dados da pesquisa.
As informações acerca da disposição a pagar obtidas dos 100 entrevistados pelo método de elicitação referendo com acompanhamento, estão na Figura 8. Observa-se que a maioria dos entrevistados é favorável ao pagamento. Do total, 74% dos respondentes estão dispostos a retirar de R$ 5,00 a R$ 15,00 da renda mensal para pagar a taxa para a recuperação e/ou preservação da reserva extrativista. A maior taxa declarada foi de R$ 30,00 a R$ 60,00 por 2% dos entrevistados, que se mostraram dispostos a contribuir mais. Os demais resultados estão na Figura 6.
Figura 6: Disposição a pagar dos entrevistados pela preservação da Resex de Caeté, estado do Pará.
Fonte: Dados da pesquisa.
Os resultados obtidos da estimação dos parâmetros pelo software Eview7, estão apresentados na tabela (Tabela 1). A estatística F = 98,69, estatisticamente significante a 1% de probabilidade, atesta a validade da regressão múltipla para representar o fenômeno estudado, de modo que a DAP pode ser influenciada pelas variáveis independentes. O coeficiente de determinação ajustado para graus de liberdade, da ordem de 0,797, indica que 79,7% das variações da disposição a pagar são explicadas pelas variações simultâneas da renda, nível de educação, tempo de trabalho na atividade e percepção dos problemas ambientais pelos entrevistados. Estas foram as variáveis relevantes para o modelo de DAP. As demais variáveis não apresentaram significância estatística e foram retiradas da regressão.
A estatística Durbin-Watson, como já era esperado para dados longitudinais, indicou ausência de autocorrelação serial dos resíduos. A hipótese de heterocedasticidade foi constatada e os parâmetros da equação foram estimados pelo método de White para a correção do problema. Desta forma, as estimativas são consistentes e não enviesadas.
Tabela 1: Resultados da regressão múltipla da DAP, estimado por mínimos quadrados ordinários e com correção para heterocedasticidade.
Dependent Variable: DAPAGAR; Included observations: 100 |
||||
White heteroskedasticity-consistent standard errors & covariance |
||||
Variable |
Coeficiente |
Desvio Padrão |
Estatística t |
Probabilidade |
Constante |
-4,12001 |
0,66257 |
-6,2182 |
0,0000 |
Renda per capita |
0,00645 |
0,00047 |
13,8710 |
0,0000 |
Educação |
0,58720 |
0,11020 |
5,3283 |
0,0000 |
Preservação da Resex |
0,98676 |
0,48069 |
2,0528 |
0,0428 |
Anos na Atividade |
0,03446 |
0,01659 |
2,0772 |
0,0405 |
R-quadrado Adjustado |
0,797603 |
Mean dependent var |
10,21000 |
|
S.E. of regression |
2,391420 |
S.D. dependent var |
5,293287 |
|
Sum squared resid |
543,6711 |
Akaike info criterion |
4,622170 |
|
Estatística F |
98,69163 |
Schwarz criterion |
4,760391 |
|
Prob. (Estatística F) |
0,000000 |
Estatística Durbin-Watson |
1,631420 |
Obs.: Valores médios das variáveis independentes: Renda = R$ 1.676,78; Educação = 7,16 anos; Preservação da Resex = 1,00; Anos na atividade = 23,48 anos.
Fonte: Dados da pesquisa.
As estimativas dos parâmetros são estatisticamente diferentes de zero a 5%, o que confirma a veracidade dos postulados teóricos de que tais variáveis são relevantes para explicar as variações na DAP. Os sinais dos coeficientes da regressão estão coerentes, indicando que um aumento de algumas das variáveis (renda, nível de instrução, tempo de trabalho e entendimento da preservação ambiental) leva a um aumento da disposição a pagar (DAP).
A variável Renda apresentou coeficiente positivo de acordo com o teoricamente esperado. Isto indica que uma pessoa com renda mais alta tende a declarar uma DAP mais elevada para a preservação da Resex. Adams et al. (2008), Santana (2014), Bentes et al. (2014) e Santana et al. (2015) também encontraram uma relação positiva entre a renda das famílias e a disposição a pagar. Assim, possivelmente, os que possuem uma renda mensal maior teriam menos impedimentos na disposição a pagar, visto que têm menor limitação para atender suas necessidades básicas e materiais e, dessa forma, buscam melhorar sua qualidade de vida, aumentando o seu bem-estar, o qual muitas vezes pode ser alcançado através de melhorias ambientais.
A variável educação, com sinal positivo, indica influencia direta no entendimento e conhecimento do indivíduo acerca dos problemas ambientais, dessa forma, os que tiverem uma maior consciência ambiental, provavelmente terão maior disposição a pagar a taxa. A variável que representa grau de instrução apresentou significância estatística a 1%, coerente com os resultados obtidos por Adams et al. (2008), Bentes et al. (2014), Santana (2014) e Santana et al. (2015). Por outro lado, Mattos (2007) e Silva e Lima (2004) encontraram uma relação negativa entre educação e a disposição a pagar, embora a relação não apresentasse significância estatística.
A variável preservação da Resex apresentou sinal positivo e significativo a 5%. Neste caso, a escala de investigação local envolvendo as comunidades que vivenciam as atividades na reserva e apresentam conhecimento e certo nível de conscientização sobre os problemas ambientais e as externalidades produzidas pela influência de ações diretas e indiretas de outras atividades, bem como sobre a importância para a qualidade de vida da população local tendem a corroborar com a disposição a pagar.
Por fim, a variável anos de atuação na atividade apresentou relação positiva com DAP pelo fato de que um maior tempo de participação na Resex, fazendo uso dos recursos, aumenta a disposição a contribuir com uma maior DAP, com vistas a garantir a conservação da Resex e a fonte de renda para o sustento e o bem-estar da família. O trabalho de Santana (2014) também resultado positivo entre o tempo na atividade e a disposição a pagar pela preservação da vegetação de savana metalófita da Flona de Carajás.
A significância estatística, a coerência teórica e evidência empírica das variáveis e o elevado poder explicativo das variações na DAP por tais variáveis, validam a estimativa do valor econômico total médio da Resex de Caeté por meio da DAP. Para isto, faz-se a substituição dos valores médios das variáveis independentes na equação da Tabela 1 e obtém-se a DAP média per capita de R$ 12,70/mês e de R$ 152,35/ano. Este valor multiplicado pelo número de pessoas das famílias dos catadores da Resex, gera-se o valor total da DAP de R$ 2.924.897,50/ano. Se considerada toda a área de abrangência da Resex, envolvendo os manguezais e demais ecossistemas, tem-se um valor de R$ 16.683.998,45/ano, a ser paga para o desenvolvimento de projetos e ações de regulação e apoio às famílias para a utilização racional dos produtos e serviços desse ativo natural de forma sustentável. Este resultado é coerente com o obtido por Bentes et al. (2014) para a utilização racional e preservação das espécies de pescado a jusante da UHE de Tucuruí, no rio Tocantins, estado do Pará.
Assim, o valor pode ser alocado em projetos, pesquisa e gestão da Resex, na percepção dos entrevistados, para manter o ambiente de mangue em condições de prover os produtos e serviços ecossistêmicos de provisão (produção de caranguejo, camarão, peixes e frutas), suporte (manutenção, estruturação e formação do mangue), cultural (atividade de sustentação da cultura local e do turismo ecológico) e regulação do ciclo da água no estuário que sobre grande influência das marés. Desta forma, tem-se o custo de oportunidade desta área de Resex e deve ser observada com relação ao avanço das atividades de desmatamento para viabilizar a atividade imobiliária. Além disso, a preservação da Resex, pode contribuir para valorizar os empreendimentos imobiliários do seu entorno, o que contribui para apoiar sua preservação.
A população extrativista da Resex de Caeté da microrregião bragantina do estado do Pará apresentou indicativo de conscientização para com a preservação e a preocupação com os impactos produzidos pelo desmatamento da área, ação predatória dos comunitários e dos grandes empresário da pesca regional, que afeta diretamente a renda das famílias e compromete a sobrevivência no local.
Da população entrevistada, 62% declarou disposição a pagar uma taxa para garantir a utilização sustentável da Resex e garantir o bem-estar de todos. Ou seja, reconhecem a importância da integração entre o capital natural, o capital humano e as atividades utilizadoras de capital manufaturado.
As variáveis renda e educação apresentaram as maiores contribuições para compor o valor da DAP, com participação de 64,31% e 25%, respectivamente. Estas variáveis, portanto, refletem o grau de preocupação da população local para a sobrevivência, dado o nível de dependência da renda gerada pelas atividades que desenvolve na Resex e pelo que a educação pode oferecer de oportunidade para aumentar sua produtividade e melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Por fim, o valor médio per capita da DAP foi estimado em R$ 12,70/mês e de R$ 152,35/ano. Este valor pode gerar um fundo para apoio a implantação de projetos e o desenvolvimento de pesquisa, tecnologia e gestão da Resex desenvolver estratégias de exploração sustentável dos recursos naturais do mangue.
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1. Engenheira Ambiental e Mestranda em Ciências Ambientais pela Universidade Federal do Pará - UFPA. Email: amandagamarosa@gmail.com
2. Docente Titular da Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA. Dr. em Economia Rural. Programa de Pós Graduação do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará. Atuação: Desenvolvimento Local e Sustentável na Amazônia, Valoração de Recursos Naturais, Mercado, Comercialização e Análise de Preços. Email: acsufra@gmail.com.br
3. Docente Adjunta da UFRA. Dra. em Ciências Agrárias. Programa de Pós Graduação em Administração da Universidade da Amazônia. Atuação: Governança dos recursos naturais e desenvolvimento sustentável. Email: cyntiamei@hotmail.com
4. Docente Adjunto da UFPA. Dr. em Ciência da Computação. Atuação: Métodos quantitativos. Email: adamo@ufpa.br