Espacios. Vol. 37 (Nº 38) Año 2016. Pág. 21
Euripedes Falcão VIEIRA 1; Eleonora Milano Falcão VIEIRA 2; Carlos Falcão Vieira VALENTE 3
Recibido: 18/07/16 • Aprobado: 12/08/2016
3. Desequilíbrios e Desigualdades
5. Demografia e Desenvolvimento
RESUMO: A comunidade mundial passa presentemente por instabilidades nos diversos campos da ordem global. A percepção dessas instabilidades que geram desequilíbrios e desigualdades é o principal objetivo deste ensaio. A ordem econômica vigente até o final do século XX, desestabilizou-se pela volúpia do endividamento quer no plano interno das sociedades nacionais quer na transterritorialidade das relações entre o sistema financeiro atuante no cenário mundial e os governos tomadores de empréstimos de elevada dependência. Por outro lado aprofundaram-se as desigualdades sociais tanto pelas diferenças nos tempos-rítmicos de desenvolvimento, como pela desarticulação política em regiões de alta complexidade étnica e territorial. Sucessivas crises nacionais e regionais emergem em curto prazo, criando confrontos em diversas dimensões: econômica, financeira, política e conflitos armados com consequentes migrações em alta escala. Conclui-se que os desequilíbrios e desigualdades continuarão como consequência das instabilidades geoestratégicas no início do atual século. |
ABSTRACT: The world community is facing instability in a variety of global order fields. The main goal of this essay is to present a perception of what is responsible for those instabilities that generate unbalance and inequality. The economic order that rule the world until the end of the XX century lost its strength as a result of the debt inside the society and in the relations between the financial system and the governments that took loans with a high risk. In the other side there was a expand in the social inequalities because of the difference in development speed and because the politics that were adopt in some areas with a huge ethnic and territorial complexity .Endless crisis, in the national and regional scope emerge, creating conflicts in the economic, political and financial order, sometimes even armed conflicts that result in a big migration movement. We conclude that those inequalities and the unbalance will remain as a consequence of the geo-strategies in the begining of this century. |
A atualidade do início do século XXI contrasta profundamente com a do século XX. Entre ambas, para o tempo histórico, uma curta e acelerada transição no conhecimento, nos costumes, nas práticas produtivas e nas relações internacionais entre países e suas formas políticas de interação. Até a segunda guerra mundial os países desenvolvidos viviam o último estágio da revolução industrial, impondo uma geopolítica de dominação entre nações como consequência do condicionamento colonial. A profunda desigualdade econômica, social e cultural era agravada ainda mais por desmembramentos territoriais impostos por interesses dos antigos dominadores, gerando conflitos étnicos, intervencionismos e desarticulação de sociedades nacionais com trágica repercussão ainda hoje.
A percepção dessas instabilidades que geram desequilíbrios e desigualdades é o principal objetivo deste ensaio.
O período pós-guerra, principalmente o compreendido entre os anos 1950 e 1970, caracterizou-se por uma mudança rápida no campo do conhecimento, marcado, particularmente, pelo início do que viria a caracterizar a explosão tecnológica capaz de desencadear um novo processo no ordenamento mundial. A ciência e a tecnologia pela inovação e expansão em todos os setores das atividades humanas, derrubariam paradigmas antigos e criariam novos, minariam princípios ideológicos e suas utopias revolucionarias e abririam caminhos para nova estrutura e organização da produção. Vinte anos após (1990) a globalização começa a se impor como a nova ordem internacional afetando, direta ou indiretamente, todos os países de forma sistêmica.
A globalização é a ordem econômica, social e cultural da presente modernidade. Trata-se de um sistema complexo e dominante, com sua própria lógica de ação, de articulação, de funcionalidade em tempo real por meio de uma gigantesca teia de intercomunicações. Por ser, efetivamente, um sistema, e complexo, é natural pensar que sua operacionalidade e sustentação em diversos lugares do mundo só o tornem possível por meio da alta tecnologia da informação e comunicação. Há no âmbito da globalização uma indiscutível modelagem tecnocognitiva.
No século XXI, foco deste trabalho, ganha expressão o grande desenvolvimento de áreas continentais, com países se elevando na produção de tecnologias avançadas e desenvolvimento sustentável, como ocorre no sudeste da Ásia. Mas há a considerar continentes e países de pouco dinamismo nas atividades econômicas e enfrentamento de graves crises internas ocasionadas por desequilíbrios institucionais.
Há três vetores cruciais na organicidade do mundo global: endividamento, fontes de energia e migrações. Esses três vetores repercutem estados de desigualdades nacionais, desequilíbrios regionais e deslocamentos em massa de contingentes populacionais intra e intercontinentais. Pode-se questionar sobre as realidades materiais e morais de um século atrás com as de hoje. As práticas políticas, econômicas, sociais e culturais mudaram substancialmente, porém, no fundo, as contradições permanecem. O que mudou, e muito, foi sem dúvida a conformação de modernidade. As desigualdades, os desequilíbrios e os conflitos continuam, agora com roupagens diferentes, a da modernidade pós-industrial, a das avançadas tecnologias e a dos modismos delirantes.
Guardadas as proporções de época a riqueza, a pobreza e a ignorância de um século transposto ainda persistem, mas, naturalmente, em maior escala. Há presentemente mais ricos, mais pobres e mais ignorantes pelo simples fato do crescimento demográfico como totalidade se processar em ritmos qualitativos e quantitativos diferenciados nas parcialidades consideradas. Em algumas delas o descontrole na expansão da população replicou igualmente nos estados de pobreza e miséria. Em várias áreas continentais o crescimento demográfico manteve simbolismos retardatários, fechados à inovação e à mudança. A dialética do acontecimento demográfico nem sempre conduz a rupturas cognitivas favoráveis à inovação, à transformação e, consequentemente, à mudança.
O que, afinal, impulsiona certas composições étnicas a uma dinâmica evolutiva capaz de configurar um estado de progresso continuo? Essa é uma condição antropológica que, sob determinadas circunstâncias temporais, desenvolve capacidades cognitivas voltadas à inovação e à mudança. Por vezes esse processo é lento, secular para modelagens civilizacionais antigas. Mesmo nessas, por circunstâncias históricas, por vezes, o processo de desenvolvimento se acelera a níveis avançados.
Há a considerar casos especiais de recentes processos civilizacionais saídos de estatutos soberanos de dominação. O mais notável foi o dos Estados Unidos da América do Norte que, ao descolar-se da expansão colonial européia tornou-se, rapidamente, uma potência econômica, científica e tecnológica, ainda sem competidor na atualidade.
O processo de desenvolvimento não trás, necessariamente, maior equidade de bem-estar coletivo e realização pessoal. Há muitas variáveis a serem consideradas, mas, sem dúvida, ao longo do tempo civilizacional, a desigualdade na distribuição da riqueza ou a capacidade ocupacional com renda mais equilibrada entre as diversas categorias produtivas e funcionais é uma consequência do diferencial humano de se organizar no campo sociológico. Capital, renda e desigualdades foram analisadas com grande profundidade, e detalhes, recentemente, por Piketty (2014).
Os modelos de sociedades instituídas tanto em civilizações do passado remoto como nos que se sucederam nos últimos quinhentos anos centraram as atividades produtivas no enriquecimento pessoal, concentração patrimonial e consequentemente da renda. Nas experiências socialista do século XX a produção centralizada, geradora de riqueza, não trouxe benefícios à melhoria de vida, nivelando a sociedade em baixa escala de renda.
A transição da ordem econômica, social e política da primeira metade do século XX para a modernidade real e virtual entronizada na primeira década do século XXI ampliou as totalidades no campo da concentração de renda, no da pobreza e na dos conflitos. A sociedade mundial está mais conectada nos campos antropológico e sociológico ao impulso das tecnologias da informação e comunicação. Conexão que transparece instantaneamente os abismos das desigualdades, dos desequilíbrios e dos conflitos.
A globalização, em diversas épocas e formatos, sempre ocorreu transgredindo civilizações na conquista de domínios territoriais. As civilizações antigas sempre procuraram expandir suas influências sociais, culturais e econômicas para além de suas fronteiras, ao abrigo, não raras vezes, do poder de dominação pela força. As práticas comerciais estabelecidas em diversas épocas por diferentes processos civilizacionais, pacíficos uns, beligerantes outros, configurava, claramente, uma tendência expansionista dos negócios, das trocas comerciais em diferentes contextos produtivos e cambiais. A atual domina pelo conhecimento, a tecnologia e a gestão corporativa global.
A primeira década do século XXI mostra um cenário geoestratégico diferenciado. O deslocamento de centros do poder econômico e político agigantam-se em regiões anteriormente dominadas e áreas de grandes conflitos, como o sudeste da Ásia. Essa região passou nas últimas décadas a exercer crescente influência econômica e tecnológica a partir de novos modelos de desenvolvimento. Um ambicioso programa de educação com ênfase para a ciência e a tecnologia tornaram, em poucas décadas, a região do sudeste asiático, particularmente, em área econômica geoestratégica global.
Trata-se, portanto, de conformação de um novo polo econômico e político, ou seja, uma configuração geoestratégica. Por geoestratégia global entenda-se a configuração tempo-espaço de estratégias globais de produção, transporte e consumo, capazes de mobilizar recursos em infraestrutura, formação técnica e capital produtivo em territórios organizados ou redefinidos. A geoestratégia dos espaços econômicos globais, segundo Vieira (2007) e Vieira e Vieira (2009), define uma ação espaço-tempo que transcende à ideia dos espaços compartimentados, locais e regionais nacionais. A nova configuração é a dos espaços abertos, transnacionais, objetos de rápida e eficiente ação econômica, liberados pela prática política. Portanto, a geoestratégia dos espaços econômicos é, por definição, o conjunto de estratégias aplicadas às conformações transterritoriais, nelas se articulando a importância do lugar, o local da ação, a manifestação de poder e as formas de gestão.
Na verdade as áreas geoestratégicas da produção e do poder financeiro na primeira década do século XXI representam, consequentemente, uma lógica de expansão econômica em nova modelagem tecnocognitiva. A multipolaridade produtiva é a consequência mais imediata da fragmentação do antigo modelo de produção industrial, altamente concentrado em determinados espaços produtivos nacionais.
Os paradigmas da inovação e da mudança conduzidos pelos avanços tecnológicos criaram em diferentes territorialidades, as unidades estratégicas de produção. A transterritorialidade econômica e financeira reativou a regionalização econômica em novas bases operacionais, criando estruturas interconectadas e complexos mecanismos associativos multilaterais.
A integração econômica em blocos amplia o sentido de região econômica. As regiões econômicas e suas alianças estratégicas globais são importantes para o reordenamento, a gestão e a integração dos territórios às redes mundiais. O estabelecimento de estratégias transterritoriais promove ações políticas e pressões econômicas que determinam redefinições em espaços produtivos (Vieira, 2013). Produzem, também, desarticulações econômicas, financeiras e cambiais. A realidade da dimensão global da economia, particularmente, cria uma inevitável interdependência, de tal modo que o acontece na transterritorialidade econômica replica rapidamente em todos os países. Isso se dá em vista da forma sistêmica estabelecida pelas relações de produção e consumo em todo universo global.
Se uma das forças que compõem o sistema muda de intensidade pode se estabelecer um desequilíbrio estrutural em um ou mais países, com maior ou menor intensidade. Nesse caso, a crise em um país, ligada às trocas internacionais, ao endividamento e às flutuações cambiais será sempre uma crise global, pois envolve interesses nacionais, regionais e globais de produção, comércio e investimentos. É preciso considerar, ainda, como assinala Ferry (2010) que a globalização da competição transcende o progresso ou o movimento das sociedades, para tornar-se tão somente uma política de resultados no campo da livre concorrência.
Nos últimos 15 anos grandes desequilíbrios financeiros repercutiram no mundo global. Em 2008 nos EE.UU., em 2014 e 2015 na União Européia e, ainda, as oscilações no mercado de produtos primários, principalmente de grandes importadores do sudeste asiático; acresce-se, também as flutuações cambiais quase sempre de caráter especulativo. Contudo, é bem verdade, que muitos países seguiram políticas públicas suicidas na relação receita/despesa, aprofundando o endividamento e o desequilíbrio estrutural. Nesse caso tornam-se reféns de um sistema financeiro voraz que os incapacita para o desenvolvimento.
O atual cenário de multipolaridade produtiva global é uma realidade à qual os Estados-nação devem se inserir. Para obter vantagens competitivas os países precisam elaborar seus próprios projetos de desenvolvimento. Assim, as estratégias de desenvolvimento endógeno devem se articular com as unidades estratégicas de produção na ordem global.
A integração regional que presentemente ocorre em todos os continentes vai muito além das tradicionais regiões geográficas. Trata-se, na verdade, da formação de áreas geoestratégicas que possam garantir aos países integrados vantagens competitivas no comércio intra e inter-regional. Os blocos, uniões e associações mantém entre si alianças estratégicas capazes de facilitar as trocas comerciais sem as barreiras compartimentadas. O sucesso do presente modelo global geoestratégico para o desenvolvimento econômico depende, porém, não só de cada projetos de desenvolvimento nacional, como do fortalecimentos dos blocos continentais e das alianças entre eles.
Há, contudo, no mosaico atual da economia global grandes problemas a serem vencidos em praticamente todas as áreas geoestratégicas. Na América do Sul o enfraquecimento do MERCOSUL; na América do Norte a ampliação do mercado unificado NAFTA com a integração dos países caribenhos e a provável aliança com a UE. No sudeste da Ásia a ASEAN e a APEC (Associação dos Países do Sudeste Asiático e Fórum Econômico dos Países do Pacífico) concluírem acordos mais amplos com os blocos ocidentais, e, também, acordos bilaterais entre si. A posição da Rússia na gigante territorialidade ocidente/oriente transita entre alianças e acordos perturbados por questões políticas pontuais. Na África a União Africana ainda não tem a representatividade necessária em vista do baixo nível de desenvolvimento da maioria dos países, excetuando-se a África do Sul. Ainda, assim, a África negra deve ser considerada como uma área geoestratégica em recursos minerais e fósseis, embora sob o domínio total de empresas transterritoriais. O Oriente Médio, pelos recursos em petróleo é a área geoestratégica mais conflituosa do mundo global.
Como salienta Salgado Peñaherrera (2007) é necessária, para o sucesso de acordos de integração uma mudança das estruturas industriais baseadas, fundamentalmente, em mercados nacionais, por outra que possibilite o desenvolvimento da produção na escala global, com o uso das tecnologias de ponta e da especialização. A expansão das empresas transnacionais, portadoras de tecnologias avançadas e criação de novas tecnologias em tempos cada vez mais curtos, desconcentrou o processo industrial não só no conceito antigo de fábrica como na dispersão espacial, por meio de alta especialização produtiva, contando com dois fatores fundamentais: mão de obra altamente qualificada e criativa e especialização dos insumos em diversos espaços econômicos globais. Desta forma a territorialização física torna-se ao mesmo tempo uma transterritorialidade, considerando os meios dispostos pelas tecnologias da informação e comunicação. São criados, como consequência, os espaços econômicos abertos pela interatividade sistêmica nos novos ambientes geoestratégicos de produção.
As unidades estratégicas de produção, altamente especializadas, em diversos locais globais contextualizam a multipolaridade econômica de insumos, componentes e montagens. São fatores importantes nesse contexto a posição estratégica dos lugares, vantagens fiscais, logística instalada e infra-estrutura oferecida.
Na visão holística as diferentes áreas logísticas do mundo global têm em comum a interconexão por meio de redes virtuais por onde circulam os fluxos da presente modernidade. As regiões de produção transnacionais, independente das escalas em que atuam contextualizam as maximizações da produção global, da alta tecnologia e da lucratividade. A nova ordem econômica mundial em seus zoneamentos produtivos estabelece alguns princípios básicos: poder sistêmico, mudanças de comportamento, ambientes de negócios, desestabilizações e ação governamental. Há, portanto, na base de cada zona geoestratégica da economia mundial um sistema de forças que atua na movimentação de fluxos no campo virtual, tendo como mote, principalmente, a produção de novas tecnologias, novos padrões de consumo, dimensionamento do crédito e o volume de investimentos. No viés negativo avultam a especulação, o endividamento, a corrupção e o crime organizado. A ordem global ressente-se de mecanismos de regulação e controle que possam manter o equilíbrio nas relações de negócios internacionais.
O ordenamento, complexo quanto aos fatores territoriais e de gestão destaca, principalmente, três modos operacionais: ação, lugar e poder para as unidades estratégicas de produção. Quanto aos centros de comando situam-se na dimensão transterritorial e fluem, em grande escala, pela realidade virtual, sem barreiras espaciais.
A formação dos territórios econômicos abertos na relação territorialidade/transterritorialidade estabelece o movimento dos fluxos econômicos, financeiros e de gestão capazes de provocar redefinições nos territórios nacionais na ordem geográfica, jurídica, política e militar. São, finalmente, novos ambientes de negócios que se estabelecem e que vão se definindo num amplo plano no qual variáveis de ajustamento ocorrem em face de problemas na integração global tendo em vista as desigualdades e os desequilíbrios num contexto econômico tão dimensionado. Senarclens (2005) chama a atenção para a emergência de novos polos de crescimento econômico (Ásia, particularmente) e as consequentes mudanças nas configurações políticas e sociais nas sociedades nacionais nas diferentes regiões do mundo. O autor também adverte para os problemas gerados pelo crescimento da população em escala mundial, as migrações transnacionais e a degradação do meio ambiente.
O desenvolvimento em seu sentido mais amplo é a capacidade humana de produzir, estruturar e organizar os meios pelos quais gera riqueza. O desenvolvimento é o poder de inovação e mudança no seio das sociedades constituídas. Individualmente, produzir e desenvolver é um impulso, uma evolução cognitiva capaz de transpor etapas que levam o sujeito a desencadear ações que dão dinâmica ao desenvolvimento.
Em diversos tempos históricos a atividade e o modelo de produção e trocas caracterizou modernidades. Como afirma Touraine (1999) a ideia de modernidade, na sua forma mais ambiciosa, foi a afirmação de que o homem é o que ele faz. Nesse sentido, o desenvolvimento é também a ideia de progresso, impulsionado pelo avanço da ciência e da tecnologia. O desenvolvimento e a ideia de progresso pessoal e coletivo se torna mais transparente e em tempos-rítmicos mais ou menos dinâmicos a partir da capacidade das sociedades de inovar, de mudar e de transpor etapas do conhecimento.
Em todas as etapas do processo de desenvolvimento, as sociedades nacionais, resguardadas suas particularidades de origem, costumes maior ou menor aptidão para a inovação e mudança, tiveram, entre si, tempos diferentes de desenvolvimento, de progresso econômico, social e cultural. São os tempos-rítmicos de desenvolvimento, tão desiguais no passado como no iniciante século XXI. Para Vieira (2014) a categoria tempo-ritmico de desenvolvimento pode ser definida em uma taxonomia composta de três tipos de dinâmica: a) retardatário, cujo processo é de baixo sentido evolutivo; b) lento, cujo processo é pouco dinâmico; c) acelerado, cujo processo é ancorado em mudanças e inovações permanentes.
Mesmo considerando o poder das tecnologias de informação e comunicação que colocam em tempo real os acontecimentos da escala mundial, o processo de desenvolvimento é ainda extremamente desigual em toda dimensão global. Há alguns princípios fundamentais que podem ser arrolados como determinantes no distanciamento e nível de desenvolvimento entre as nacionalidade em todos os continentes. Três pelo menos configuram a desigualdade nos tempos-rítmicos de desenvolvimento: os lugares globais onde se instalam as modernas unidades estratégicas de produção, interconectados em redes, operam atividades de alta tecnologia em territorialidades onde o tempo e o ritmo de desenvolvimento é muito desigual. Outro importante desequilíbrio é o de natureza cultural: as diferenças não podem ser igualadas ainda que as redes criem uma cultura, uma intelectualidade global. Certas diferenças permanecem, pois fazem parte da identidade nacional, são predicativos de formações étnicas. Nesse sentido, a globalização não é um denominador comum, uma ordem de igualdades e resultados positivos para todos. Um terceiro grande desequilíbrio é a percepção que não há um modelo comum. Cada país deve ter seu próprio modelo a partir de um plano estratégico de desenvolvimento. Formular um planejamento e gestão estratégica interna é criar uma conformação nacional forte, sobressaindo-se a qualificação da população e sua evolução cultural. O mercado interno ao ser compatível com o processo produtivo próprio, identificado com a mudança e a inovação permanente, completa suas carências na ordem externa, numa inserção qualitativa.
A complexa ordem geoestratégica mundial contextualiza diferentes ritmos de desenvolvimento. Não se trata mais da antiga conceituação de subdesenvolvimento para estabelecer as diferenças de progresso e bem estar social entre os países. Há, incontestavelmente, realidades diferentes nas quais os Estados-nação reagem também diferentemente aos processos de inovação e mudança.
O desequilíbrio de forças que impulsionam o desenvolvimento consagram as graves desigualdades continentais e entre os países. Mesmo levando em conta a presença instalada das tecnologias mais avançadas para o processo produtivo nos lugares globais em todos os continentes, isso não significa, necessariamente, que o país possa se desenvolver num ritmo de atualidade. A necessidade de inovação em estruturas nacionais com desenvolvimento retardatário, incluindo, principalmente, os que não priorizaram a educação como forma de qualificar a população é fundamento básico. Essa é hoje considerada a premissa primordial para um país se desenvolver, promovendo mudanças contínuas em seus contextos de organização como sociedade.
No plano global onde ocorrem graves desequilíbrios estruturais entre países há muitas variáveis a serem consideradas além da eminentemente econômica. Mas essa, particularmente, tem sido ao longo dos séculos a que tem provocado mais dessimetrias, quer por domínio de poder econômico gerado, quer por ações militares desastradas como se viu ao longo do período pós-estatuto colonial. A desestruturação econômica inicialmente e, posteriormente, financeira levaram e ainda levam muitos países, mesmo no interior de fortes blocos econômicos a crises profundas, tendo como principal mote o endividamento insustentável. Giddens (1989) ao tratar da teoria da estruturação admitiu o esforço de países em se afastar substancialmente das tradições do pensamento social. Na verdade é preciso considerar que em cada estrutura tomada na análise social se possa identificar princípios transformadores, capazes de aflorar em determinados períodos da evolução histórica. Há sempre uma potencialidade de mudanças estruturais nas conexões lógicas entre ações e poder (GIDDENS, 1989) em ambientes geoestratégicos. Contudo, como afirma Habermas (2003) as mudanças podem não ocorrer no tempo devido ou não se concluírem, criando o que chamou de transições inconclusas.
Os desequilíbrios estruturais agudam os problemas de desigualdades. Para Touraine (1994), os excluídos do movimento incessante das inovações e da decisão não se apóiam mais numa cultura de classes, no meio operário ou popular. Eles não se definem mais pelo que fazem, mas pelo que não fazem: pelo desemprego e pela marginalidade. Essa sociedade de mudanças é também uma sociedade de miséria e imobilidade. Essa afirmação encontra a realidade atual em um dos maiores dramas sociais conhecidos, o das migrações inter e intra continentais.
As migrações em alta escala intra e intercontinentais não são um acontecimento demográfico recente. Falta de oportunidades em seus países de origem, pobreza, guerra e perseguições de diversas naturezas motivam contingentes populacionais ao enfrentamento de duras realidades, na saída e na chegada, ou seja, no deslocamento de um lugar para outro. A migração é a dramaturgia demográfica (VIEIRA, 2014). Além das motivações já citadas há, na atualidade, um campo social de contrastes entre áreas geoestratégicas com segmentos populacionais altamente qualificados para ocupações inovadoras, e os grandes contingentes desqualificados para um mercado de trabalho que os consideram refugo humano para usar uma expressão de Bauman (2005).
As migrações já foram objeto de amplas análises. As forçadas e as espontâneas. As primeiras geraram, em algumas épocas, genocídios monstruosos, escravidões, servilismos, dominações transterritoriais e fugas desesperadas. Outras, porém, motivadas por sentimentos de mudança nas oportunidades de melhorias pessoais e coletivas, ainda que com lutas e enfrentamento de adversidades acabaram, pela via de novas formas de organização, construindo sociedades estáveis e inovadoras.
A grande onda das migrações da África, Oriente Médio, Ásia e América Central para as áreas geoestratégicas desenvolvidas se tornou um dos principais problemas globais. Elas não estão sozinhas nos desequilíbrios e desigualdades do mundo atual. Também preocupações com o meio ambiente, pobreza, miséria, segurança, drogas, crenças, riqueza naturais e alimentos compõem um quadro complexo do mapeamento de problemas a serem compartilhados por todos os países. Para problemas tão amplos e abrangentes só uma governança global, respeitadas as soberanias nacionais, poderia estabelecer uma regulação efetiva entre os países ou blocos regionais. Mas, no tecido nervoso e de interesses nacionais ou regionais, esta é uma utopia ainda distante.
O desequilíbrio político no norte da África e Oriente Médio desencadeou uma das mais humilhantes movimentações de imigrantes em direção aos países da União Européia. Portadores de todas as carência sociais vividas em seus países de origem, os imigrantes tentam encontrar nos países desenvolvidos os meios de vida que possam alentar tanto individualmente como para suas famílias um futuro com melhor expectativa de trabalho. Contudo, as dificuldades que se opõem vão desde a presença da individualidade física, a acréscimos demográficos em países de contida natalidade, ao exercício de crenças e a pressuposição de ameaças terroristas.
Outro aspecto de resistência à presença maciça de imigrantes é a baixa qualificação em ordenamentos produtivos altamente exigentes em mão de obra. Essa premissa demográfica acaba por gerar contingentes significativos tentando sobreviver à margem dos padrões sociais organizados legalmente. Há, ainda, o conteúdo sociocultural de inegável efeito em sociedades nacionais de princípios, costumes e modos de vida completamente diferentes. Nem sempre ocorre adaptação ou inserção dos imigrantes, notadamente, os que se situam em escalas culturais e de formação técnica bem abaixo dos países que os acolhem ou simplesmente os recebem por imposições de organizações de direitos humanos. Há, ainda, a pesar nas nacionalidades mais desenvolvidas o sentimento de dívida histórica por antigas dominações acobertadas pelo estatuto colonial, o que, em verdade, refreia a resistência à entrada de imigrantes. Contudo, na realidade atual, essa justificativa já não encontra amparo nas gerações que estão muito distantes da antiga modernidade colonialista.
Guerra, pobreza e perseguições religiosas impulsionam as ondas migratórias da atualidade. É uma força irresistível inclusive ao enfrentamento com a morte em travessia por mar e por territórios de diferentes nacionalidades. O imigrante não tem limites de dificuldades para si ou sua família, ainda que, considerando os meios de informação e comunicação que a tecnologia oferece, saiba que está trocando uma tragédia por outra. As tecnologias da informação e comunicação, em tempo real, dimensionam a tragédia da imigração e o espetáculo desumano que ela oferece.
A latinização é sempre lembrada como transferências migratórias que influem amplamente na composição étnica do sul dos Estados Unidos, por exemplo. Mexicanos e centro-americanos ocupam espaços da sociedade americana do norte em escala crescente, a ponto de já ser considerado um contingente importante no processo eleitoral. Por outro lado, elementos da cultura, costumes e componentes antropológicos passam a se inserir na sociedade dos Estados Unidos. A presença dos imigrantes, latinos e negros, principalmente, legalizada ou não, é uma realidade demográfica que gera desconforto e reações dissimuladas ou violentas. Na verdade, o que se observa é uma resistência a identidades étnicas fora dos padrões antropológicos de origem quando da formação dos Estados Unidos da América. Tão forte tem sido esse confronto ao longo da história americana que nem mesmo a guerra da secessão foi capaz de eliminar os símbolos da divisão racial. A integração entre americanos de origem e as demais etnias tem sido um processo lento e por vezes episódico.
Na Europa, unificada, rica e de grande poder de força, enfrenta o processo migratório de escala desde o fim da era colonialista. Milhões de africanos do norte e milhares de deslocados da África negra ocupam espaços nacionais na UE, participando da estrutura sociológica e do processo de miscigenação da população. Países, como a França, para exemplificar, tem inserida em sua população mais de 7 milhões de antigos e novos imigrantes originários de suas antigas colônias em outros continentes.
A desestabilização política na África do Norte e Oriente Médio numa visão mais ampla desencadeou uma das maiores ondas migratórias em direção à Europa. O paradoxo político/migratório está no fato de que os países dessa complexa região geoestratégica resultaram de divisões artificiais, efetivadas pelos países que hoje são palco de avalanches migratórias e de ações terroristas. O que esteve em jogo, sempre, foi o interesse econômico, recursos naturais (petróleo) e rotas de escoamento (canal de Suez, golfo pérsico). Estabelecidas nacionalidades conflitantes, o mapeamento geopolítico da área, com conflitos localizados, vinha se mantendo no fio de uma instabilidade sustentável. A invasão do Iraque e sua consequente aniquilação como país, a desestabilização da Síria, da Líbia, da Tunísia e outros, foram patrocinadas pelos mesmos países que antes haviam delimitado suas fronteiras. O que se seguiu foi a representação do horror político e humanitário que permanecerá, ainda, por longo tempo. Já aconteceu antes na história, com menos visibilidade, é claro, por razões tecnológicas (informação e comunicação).
Os processos demográficos formam a base do desenvolvimento da população. Constituem um movimento de replicação permanente, de grande diversidade e convergência às relações sociais, às práticas produtivas, às interações com os ambientes naturais e aos adensamentos demográficos.
Na origem de um povoamento ou em adensamentos já formados, em diversas escalas, os processos demográficos são dinâmicos, evoluem, se transformam, criam dimensões urbanísticas diferenciadas. Em cada adensamento populacional se estabelecem funcionalidades em conexão com os ambientes naturais inicialmente, evoluindo para mudanças estruturais de acordo com o nível de desenvolvimento.
Em cada territorialidade evoluem processos demográficos específicos. Para cada um deles há um tempo-rítmico de desenvolvimento em consonância com o tipo de formação seminal, com a carga de ancestralidade, com as características da ocupação territorial e com as rupturas que orientam a novos paradigmas de inovação e mudança. Em decorrências de tempo, por vezes, longa, a capacidade de romper com as práticas, costumes e simbologias do passado é lenta, enquanto em outras circunstâncias, quando se desencadeiam processos demográficos motivados pela indução ao novo, o tempo-rítmico de desenvolvimento se acelera pelos paradigmas da inovação, da mudança e pela ânsia de institucionalizar outra forma de organização da sociedade.
Simbolismos e tradições compõem o contexto formador e evolutivo de cada territorialidade onde os processos demográficos se desenvolvem. A diferença está no tempo das rupturas, aberturas pelas quais são introduzidas as mudanças que aceleram o desenvolvimento produtivo, social e cultural. É fundamental, portanto, na evolução dos processos demográficos a dinâmica com que se desenvolvem. A força que impulsiona o dinamismo evolutivo da população está indissociavelmente ligada às estruturas e às organizações sociais. Perenidades estruturais modelam a rigidez funcional, impedindo mudanças que transponham modernidades.
Na teoria geral da população os processos demográficos formam a plataforma sobre a qual se definem as características, as identidades e as relações de produção, os costumes, a cultura e as tradições. Em tempos mais recuados essas particularidades mudavam muito lentamente; hoje, no entanto, pelo uso intensivo e amplo das tecnologias da informação e comunicação o prazo longo cedeu a novas formas de comportamento em tempo curto. Há como que uma transição permanente para novas manifestações de costumes, alguns, naturalmente, condicionados pelo poder da inovação.
O início de um povoamento é primeiramente um fato geográfico. Sua fixação é determinada pelas características dos ambientes naturais. O lugar de ocupação, se adequado, fortalece a escolha e determina, por outro lado, a distribuição geográfica da população. A formação de adensamentos populacionais desenvolve outros processos em conexão, como relações sociais, econômicas e culturais. Em algumas variantes, no passado, a força intrínseca da colonização e a força telúrica do território se identificaram num contexto de ideias e valores distantes daqueles trasladados da origem. Essa realidade, produto da evolução dos processos demográficos responsáveis pelo padrão da população, institucionalizou sociedades diferenciadas.
Os adensamentos populacionais, origem do sistema urbano, deram início à natureza e ao fortalecimento da razão civilizacional. Da antiga dispersão territorial da população aos grandes adensamentos urbanos modernos, pode-se traçar a linha evolutiva das sociedades. Com maior ou menor intensidade, a funcionalidade dos centros e zonas urbanas é responsável pelos avanços e conquistas da civilização.
Na atualidade a concentração urbana da população gera complexos problemas de mobilidade, de trabalho, de formação, de carências, de desigualdades, mas, ainda assim, é nos centros ou zonas urbanas onde se produzem as estruturas cognitivas responsáveis pelo desenvolvimento da sociedade. Urbanização é um conceito espacial, uma articulação entre adensamentos que se aproximam, se ligam, formando diversas escalas de complexos populacionais. No interior das grandes zonas urbanas vem ocorrendo um fenômeno demográfico novo que é o das intramigrações, ou seja, movimentos dentro da própria zona urbana por condicionamentos pessoais. Há a considerar, ainda, o movimento pendular da população numa mobilidade diária na relação trabalho e a área de funcionalidade.
A urbanização é a forma mais avançada dos adensamentos populacionais. No início do povoamento as atividades dos pioneiros estiveram voltadas para a organização familiar e a produção de sobrevivência. Logo, porém, se iniciaram relações sociais e econômicas indutoras do desenvolvimento.
A população humana é parte da extraordinária biodiversidade dos ambientes naturais. Contudo, ao contrário de manifestações de geovida ecossistêmicas, a espécie humana tem uma distribuição ampla em todos os continentes. Na espécie ela representa uma notável diversidade de tipos, costumes, tradições, práticas econômicas e ancestralidades que se perdem num passado sem datas.
Na atualidade convivem humanidades em diferentes escalas. Algumas muito primitivas, tribais, outras organizadas em sociedades fechadas em costumes, tradições e religiosidades, outras, porém, libertas das amarras de épocas evoluíram pelo renascimento, o iluminismo, a modernidade industrial e a pós-modernidade da realidade virtual. Em todos os estágios e em determinadas organizações sociais, a evolução tecnocognitiva permitiu a forte presença dos paradigmas da inovação e da mudança, assegurando a sequência da morfogênese social e sua consonância máxima com a natureza: a transformação.
Os grandes centros de adensamento populacional representam na atualidade a razão do poder, a racionalidade que impulsiona as sociedades, quer pela eficácia da ação, quer pela substantivação dos objetivos e metas. É nos centros urbanos, áreas urbanas e zonas urbanas que afloram as maiores conquista da mente humana. O desenvolvimento no sentido amplo tem seu impulso renovador nas atividades urbanas, que inovam o pensamento e mudam os modos de vida.
O patrimônio intelectual, artístico e social da humanidade é o produto da capacidade individual e coletiva desenvolvida nos centros de cultura, de pesquisa das áreas urbanas. Nelas, pelo seu instrumental físico e formador, se desenvolvem as teorias, as conceituações e as experimentações que dão forma ao conhecimento cumulativo, e o fazem avançar com maior ou menor rapidez.
A teoria geral do desenvolvimento contextualiza o impulso pelas práticas produtivas e as relações de trocas. O processo produtivo desencadeia o progresso, consequência da evolução do pensamento e das formas de conhecimento geradas. A estrutura e organização da sociedade são fundamentais ao ritmo do desenvolvimento. Mas o desenvolvimento é o efeito no interior da sociedade que estrutura e organiza suas práticas. Se o desenvolvimento é efeito qual seria sua causa? A causa é o impulso do homem pela atividade produtiva, é sua força cognitiva, o pensamento direcionado ao conhecimento, ao modo de fazer alguma coisa.
O impulso por fazer cria atividades que se tornam práticas produtivas. O desencadeamento do processo produtivo gera permanentemente iniciativas que avançam quantitativa e qualitativamente. Em todas as épocas e em todos os povos o desenvolvimento sempre teve um símbolo para exaltar o progresso, estabelecendo uma marca de época. Na atualidade é a realidade virtual, um complexo de avanços científicos e tecnológicos produtos do pensamento direcionado para gerar conhecimento em escala de tempo curto.
No mundo das desigualdades de pensamento e conhecimento os adensamentos populacionais, primitivos ou avançados têm seus ritmos de desenvolvimento. São diferenciados por condicionamentos culturais, por domínios e subalternizações, mas, principalmente, pelo nível de determinismo histórico assumido pela população no desdobramento dos processos demográficos.
A geografia do desenvolvimento mostra claramente as desigualdades e os condicionamentos que diferenciam as sociedades instituídas. Cada continente, e nele, cada país, assim como nas regiões nacionais o progresso não é uma concepção de espaço produtivo homogêneo. A funcionalidade dos lugares a partir de condições naturais e o impulso antropológico das bases demográficas tornam os lugares diferenciados na economia e em seus tempos-rítmicos de desenvolvimento.
A nova ordem econômica mundial estabelecida principalmente a partir dos anos 1990 é a marca de época da presente modernidade. A globalização é uma concepção ampla, complexa e de funcionalidade sistêmica. Há, para as unidades estratégicas de produção, uma lógica de ação e articulação nos lugares globais. Componentes e insumos são produzidos em vários lugares-mundo numa teia de interatividade com os lugares de montagem. A razão global contempla geoestratégias de ação em todos os continentes, criando novas formas de controle de matérias-primas, giro de capitais de investimento, tecnologias de ponta, conhecimento, informação e domínio de mercados.
O desenvolvimento é um acontecimento geográfico na medida em que representa a operacionalização das atividades da população em um determinado lugar. Nesse sentido, o paradigma tempo-espaço torna-se um instrumento adequado aos estudos geoeconômicos. Na presente modernidade a geoestratégia global se processa no âmbito da economia, do poder transnacional e na gestão estratégica dos territórios. Os lugares na nova configuração global passam a ter funcionalidades específicas em amplas áreas transnacionais. A formação de alianças estratégicas, blocos econômicos e zonas de livre comércio caracterizam concepções geográficas que estabelecem redefinições territoriais e mudanças nos procedimentos de gestão. A conformação geográfica global em diferentes modelagens mantém as identidades nacionais, porém alteram a distribuição de poder e os padrões de produção. Na verdade, projeta-se uma governança global, uma interatividade sistêmica para regulação do mercado e dos problemas ambientais e sociais de interesse comum.
A geografia consagra a funcionalidade do lugar, tanto em zonalidades urbanas como em ambientes rurais. A grande ruptura que determinou a passagem da economia industrial para a pós-industrial criou a categoria de lugar global para a nova concepção de produção. Os grandes parques fabris fixos, de estruturas pesadas e organização de flexibilidade limitada cederam lugar à operacionalização flexível das unidades estratégicas de produção. Essas se instalam em várias partes do mundo, produzindo componentes e insumos que se deslocam pelos continentes para agregação de valores, de novas tecnologias, até chegarem aos lugares de montagem. Há nessa ordem econômica global a caracterização de novos condicionamentos geoestratégicos regionais ou macrorregionais. Dessa forma o lugar – geoestratégico – a ação e o poder são componentes decisivos para a organização, a redefinição e a gestão dos territórios no âmbito da economia global.
A dinâmica dos lugares estratégicos para a produção global desenvolve as ações e as formas de poder. Forma-se uma interconexão entre a natureza do lugar, sua logística e potencialidade no dimensionamento geográfico dos interesses econômicos. Como cada lugar tem sua funcionalidade natural, a partir dele o desenvolvimento gera relações próprias de produção e poder. Em casos especiais as funcionalidades são produzidas em razão da localização geográfica. As unidades estratégicas de produção se instalam em lugares globais nos territórios melhor dimensionados às articulações de produção. As variáveis do lugar são os recursos naturais, a posição estratégica, a mobilidade produtiva, a mão de obra, a logística, os ambientes de negócios e a carga fiscal.
A dialética do desenvolvimento é a dialética da população na medida da sua capacidade de mudança e inovação. O dinamismo da população em sua ânsia de gerar conhecimento, de renovar estruturas e de mudar comportamentos cria signos de progresso e estabelece os tempos-rítmicos de desenvolvimento. Pode-se conceituar tempo-rítmico de desenvolvimento como o movimento das atividades econômicas, sociais e culturais capazes de produzir avanços em espacialidades geograficamente definidas. O tempo-ritmico pode ser retardatário, lento ou acelerado, dependendo do tipo de organização social que se instala em determinada territorialidade.
Em tempos históricos os tempos-rítmicos de desenvolvimento seguiram a geoestratégia de época. A geoestratégia dos espaços econômicos na modernidade global define uma ação tempo-espaço que transcende à ideia dos espaços compartimentados, locais e regionais. Portanto, a geoestratégia dos espaços econômicos é por definição, o conjunto de estratégias geográficas, nelas se articulando a importância do lugar, o local da ação, a manifestação de poder e as formas de gestão do território.
A nova ordem econômica global é marcada por um tempo de grandes e rápidas mudanças e com elas de rupturas epistêmicas. Há novas forças no cenário global. São as forças transterritoriais geradas pela ordem que transpôs a modernidade industrial para a modernidade virtual.
Na elaboração deste ensaio seguiu-se a metodologia fundamentada numa base teórica, analítica e observacional da percepção dos acontecimentos políticos em escala. A base teórica, analítica e interpretativa do contexto global na presente atualidade é de alta complexidade, sujeita a variações seguidas em diversos campos. Os mercados econômicos, financeiros, políticos e militar compõe um cenário de grande instabilidade, replicando globalmente.
No presente estudo foi analisada a realidade geoestratégica no início do século XXI. Essa realidade é o resultado de um processo evolutivo longo e lento até a metade do século XX e de grandes inovações e mudanças até os anos 1970. Desse marco histórico as tecnologias avançaram rapidamente nas últimos décadas do século anterior e muito rapidamente durante a primeira década do século XXI.
A face política, geopolítica e geoestratégica do mundo mudou. Estruturas ideológicas de economia centralizada desmoronaram, o sistema capitalista renova seus métodos produtivos, a economia passa a ser global, as antigas edificações fabris do tempo da revolução industrial cedem às flexíveis unidades estratégicas de produção, posicionadas em lugares globais e girando em torno do mundo até às unidades montadoras. Os centros de poder financeiro se deslocam do ocidente para o oriente, assim como emergem novos gigantes do consumo, principalmente de matérias-primas. Por outro lado, a Ásia torna-se um polo avançado em ciência e tecnologia, formação técnica especializada de grande parte de sua população, encenando a razão da mudança de costumes, modos de vida, de modernidade, enfim.
Mas o século XXI veria, também, o horror dos conflitos, a tragédia de confrontos armados, novos holocaustos e toda dramaticidade da onda de migrações em função de fragmentações de antigos países, desestabilizações de zoneamentos nacionais, de lutas religiosas, do terrorismo e do comércio maldito de armas e drogas.
O século XXI vê a riqueza e a pobreza em extremos; vê a grandeza da mente humana nas descobertas científicas, mas, vê igualmente, o despertar dos instintos mais remotos do homem. O mundo atual é organizado economicamente de forma competitiva feroz, dominado por uma maquinação financeira de aniquilamento das economias nacionais. As crises geradas no ordenamento global comprometem o bem estar de milhões de pessoas em meio ao agigantamento das ilegalidades. Fortunas são desviadas da sociedade por saciarem a fome de ostentação do monstro da injustiça na distribuição da renda e, muito particularmente, das ardilosas formas de corrupção.
Diante da conjuntura global, certamente, os desequilíbrios e desigualdades, na escala global, continuarão como consequência das instabilidades geoestratégicas que se agigantam no início do presente século.
O Brasil vive um momento de grande infortúnio. O século XXI parece representar um tempo de regressão à alguma coisa ainda não bem entendida. Se em 1930 o país promoveu a ruptura com o antigo sistema rural, direcionando-se ao mundo industrializado da época, mudando costumes e anseios de vida, embora todas as turbulências políticas decorridas até o apagar das chamas do século XX, o novo século acalentou doutrinas e ideologias superadas, voltando-se a velhas e improdutivas políticas públicas de assistencialismo e populismo.
A grande ruptura da atualidade seria com a plataforma educacional representativa de uma relíquia do passado. Um novo sistema de ensino com grande ênfase em ciência e tecnologia propiciaria em poucos anos uma renovação nos meios de produção, na competitividade, na elaboração de um moderno plano nacional de desenvolvimento. A partir dele, com competência e dinamismo, com um novo modelo político o país alcançaria uma inserção vantajosa no plano das relações internacionais.
Bauman, Z. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
Ferry, L. Diante da crise. Rio de Janeiro: DIFEL, 2010.
Giddens, A. A construção da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
Habermas, J. Era das transições. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
Piñaherrera, G. S. El grupo andino. Quito: Universidad Andina Simon Bolívar, Editora Nacional, 2007.
Piketty, T. O Capital no século XXI. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2014.
Senarclens, P. La mondialisation: théories, enjeux e débats. Paris: Armand Colin, 2005.
Touraine, A. Critica da modernidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.
Vieira, E. F. Vieira, M. M. F. Geoestratégia Global, economia: poder e gestão de territórios. Rio de Janeiro: FGV/Editora, 2007.
Vieira, E. F. E Vieira, M. M. Falcão. Geoestratégia global e desenvolvimento na América Latina. Revista Asuntos Económicos y Administrativos. Universidad de Manizales. Facultad de Economía y Administración de Empresas. Centro de Investigaciones Económicas da Universidad de Manizales, Colômbia; no 16, Primer semestre, 2009.
Vieira, E. F. Geografia da América do Sul, desenvolvimento e geoestratégia. Curitiba: Editora CRV, 2013.
Vieira, E. F. Dialética do acontecimento geográfico: transformação sobre transformação. Curitiba: Editora CRV, 2014.
1. Dr. Em Geografia. Bacharel em Ciências Econômicas. Universidade Federal do Rio Grande.
Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
2. Dra. em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina. EMail: eleonorafalcao@gmail.com
3. Graduando em Engenharia de Telecomunicações do Instituto Federal de Santa Catarina