Espacios. Vol. 37 (Nº 30) Año 2016. Pág. 19
Ligia Maria QUITÉRIO 1; Edzangela de Vasconcelos SANTOS 2; Renata Daud Mahfuz GALLOTTI 3; Marcia Cristina Zago NOVARETTI 4
Recibido: 31/05/16 • Aprobado: 24/06/2016
2. Método e técnicas de pesquisa
RESUMO: Introdução: Hospitais não são tão seguros como se imagina e incidentes de segurança do paciente podem levar a eventos adversos (EAs) e aumentar custos hospitalares. A maioria das pesquisas sobre segurança do paciente analisa aspectos assistenciais. Este artigo é original e preenche uma lacuna ao avaliar as falhas de comunicação em unidades de terapia intensiva (UTI), local em que os pacientes são lábeis, requerem muitos exames e medicamentos exigindo intensa comunicação. Objetivo: compreender se falhas de comunicação podem causar EAs em pacientes internados em UTI e a relação entre os atores envolvidos nesse cenário. Metodologia: é uma pesquisa retrospectiva, empírica, de caráter exploratório-descritivo, quantitativa e qualitativa, com estratégia de pesquisa-ação realizada em hospital público, universitário, de referência, entre maio e agosto de 2009 em pacientes adultos. Resultados: Identificamos 9396 incidentes de segurança em 202 admissões; destes, 999 devido a falhas de comunicação (6,68%). Os EAs corresponderam a 248 (24,82%) casos. Pacientes com maior número de comorbidades apresentaram maior número de incidentes por falhas de comunicação (p<0,0005). As falhas de comunicação mais comuns foram aquelas relacionadas a falhas no seguimento de protocolos/procedimentos clínicos (39,04%), seguido por problemas relacionados às medicações (24,62%), e pelas falhas na comunicação verbal (15,22%). Conclusões: Todos EAs relacionados a falhas de comunicação foram do tipo evitáveis, demonstrando que o coordenador da Unidade de ´Terapia Intensiva e equipe podem atuar na prevenção de incidentes de segurança do paciente ao elaborar estratégias para aprimoramento da comunicação entre os colaboradores da UTI, pacientes e familiares. |
ABSTRACT: Background: Hospitals are not as safe as you might imagine and safety incidents, particularly the adverse events (AEs) can lead to patient damage and increasing hospital costs. Most of patient safety researches focuses on health care assistance. This article is original, and fills a gap in assessing the miscommunication in Intensive Care patients (ICU). ICU patients are labile, requiring changes in prescription as well as often tests therefore requiring intense communication. Objective: To understand if miscommunication can cause AEs in ICU patients and the relationship between the actors involved in the communication process in this scenario. Methodology: This is a retrospective, empirical, exploratory and descriptive, quantitative and qualitative, study with action research strategy at a public university, reference, hospital, between May and August 2009 in adult patients. Results: We identified 9,396 safety incidents in 202 admissions; of these, 999 were due to miscommunication (6.68%). AEs corresponded to 248 (24.82%) cases. Patients with more comorbidities presented a higher number of miscommunication incidents (p<0.0005). The most common miscommunication observed ICU were those related to failure to follow protocols / clinical procedures (39.04%), followed by those related to medications (24.62%), and the failures in verbal communication (15.22 %). Conclusions: In this study, all AEs related to miscommunication were of preventable type, demonstrating that ICU manager and team can develop strategies for improving communication among ICU staff, patients and families preventing patient safety incidents. |
A segurança do paciente tem sido alvo de estudos crescentes nos últimos anos motivados pela importância da qualidade do cuidado à saúde, uma vez que a segurança do paciente é considerada um dos fatores críticos na avaliação de um sistema de saúde (Leitão et al, 2013).
Em 2000, estimava-se que ocorriam aproximadamente de 44.000 a 98.000 mortes ao ano decorrentes de incidentes evitáveis (Kohn et al, 2000). Os incidentes, conforme definição da Organização Mundial da Saúde [OMS] (2011) são injúrias não intencionais, sem relação à evolução natural da doença de base, que ocasionam lesões mensuráveis nos pacientes afetados e/ou prolongamento do tempo de internação e/ou óbito.
Estima-se que 10% dos pacientes internados em hospitais sofram incidentes com danos evitáveis (OMS, 2011). Além dos danos e prejuízos causados aos pacientes e familiares, os incidentes apresentam um custo financeiro significante para os sistemas de saúde (Kohn et al, 2000).
Na Europa, estudos relacionados ao serviço hospitalar revelaram que um em cada dez pacientes internados são vítimas de incidentes em decorrência de cuidados recebidos nesses serviços e que de 50 a 60% desses incidentes com danos poderiam ser evitados (Kohn et al, 2000).
A ocorrência de incidentes com danos no Brasil foi estimada em 7,6%, e que do total de incidentes com danos, 67% foram classificados como evitáveis. Os incidentes com danos com maior frequência foram os relacionados à cirurgia e, em seguida, aos procedimentos clínicos (Moura e Mendes, 2012).
Nos Estados Unidos, conforme o Institute for Healthcare Improvement (IHI), estima-se que das 37 milhões de internações anuais, em aproximadamente 15 milhões de incidentes de segurança, isto é, 40.000 a cada dia. Além do mais, os incidentes de segurança do paciente podem ser graves e levar o paciente ao óbito. Nos EUA foram responsáveis pela quinta causa de morte em 2014, superando doenças muito conhecidas e amplamente divulgadas como a AIDS e o câncer de mama, por exemplo (IHI, 2015). O mais alarmante é que foi considerado que dos cerca de 270.000 dos casos de óbito relacionados aos incidentes de segurança, mais de 88% (238.000 mortes) poderiam ter sido evitadas exemplo (IHI, 2015).
Deve-se ainda levar em consideração os custos atrelados aos incidentes de segurança do paciente que, nos Estados Unidos foram estimados em 8,8 bilhões de dólares por ano, fazendo com que o assunto segurança de paciente seja alvo de intensas pesquisas (IHI, 2015).
Tendo em vista a relevância assistencial e quanto à gestão dos problemas de segurança do paciente a OMS tem procurado estimular os países membros a elaborarem políticas de saúde relacionadas à segurança do paciente. No Brasil, foi instituído, em 1º de abril de 2013, o Programa Nacional da Segurança do Paciente (PNSP) no Brasil. O PNSP brasileiro determina a constituição do Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) e este, “deve elaborar o Plano de Segurança do Paciente (PSP), visando a promoção de maior segurança para paciente, profissionais e ambiente de assistência à saúde” (Portaria n 529, 2013). A publicação da RDC n 36 (2013) pelo Ministério da Saúde do Brasil estabeleceu a obrigatoriedade de implantação do NSP em serviços de saúde nacionais.
A assistência à saúde envolve ações diversas, de complexidade variável e com profissionais distintos. Essa complexidade de cenário coloca as instituições e serviços de saúde como um espaço de grande risco para a ocorrência de incidentes de segurança do paciente e dentre eles aqueles que causam danos, também chamados de eventos adversos EAs) (Kohn et al, 2000). Esse é o caso das UTIs, onde convivem equipe de enfermagem, médicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, servidores da limpeza, profissionais de suporte administrativo, interagindo com pacientes e familiares e entre si. Desse modo, a integração entre os elementos da equipe e entre a equipe e paciente/família são fundamentais para que a UTI tenha um funcionamento e articulação adequados (Fernandes et al, 2010).
Decisões rápidas que abarcam vários elementos da equipe multiprofissional em UTI são frequentes, e a comunicação adequada entre equipe e da equipe com outras áreas do hospital se faz um requisito imprescindível para a gestão apropriada dessa unidade. Portanto, falhas de comunicação podem ocorrer em diversos processos a que estão sujeitos os pacientes em UTI, podendo acarretar em eventos adversos (EAs) de gravidade variável (Knobel, 2009).
Essencialmente comunicação é um processo complexo associado ao envio, recebimento e intepretação de mensagens. A definição de comunicação é algo tão complexo, que somente na internet há mais de 580.000 artigos científicos dedicadas a isso (consulta realizada em 04 de abril de 2016 utilizando a base de dados www.pubmed.gov). A comunicação está inserida no contexto social e é caracterizada pelo diálogo entre as pessoas; uma interface na troca de informações, realizando assim a mensagem transmitida. Pode ser verbal e não verbal, geralmente ocorrendo simultanemaente, principalmente no dia a dia entre as pessoas. Há pelo menos três tipos de elementos na comunicação: o criador, a própria comunicação e o receptor. Quando está relacionada à fala: o orador, as palavras e o ouvinte. Na comunicação escrita a relação com quem escreve, a peça escrita e no leitor.
Na literatura a comunicação é identificada como uma ferramenta indispensável ao desempenho dos profissionais, mostrando que a informação deve chegar ao seu destino sem dúvidas, de maneira clara e concisa, tanto no que se refere aos profissionais envolvidos no processo, quanto ao paciente e seus familiares, garantindo assim a segurança em toda a trajetória referente à assistência (Dainton e Zelley, 2014).
O desenvolvimento da comunicação na UTI é complexo, pois o próprio ambiente apresenta particularidades e concomitantemente direciona ações de cuidado ao paciente em estado crítico, em alguns momentos com risco de morte eminente. Nesse ambiente vivencia-se o problema relacionado ao desenvolvimento ineficaz da comunicação verbal entre a equipe de saúde e o paciente. A equipe de saúde precisa buscar alternativas que promovam uma adequada comunicação com os pacientes da UTI (Mota e França, 2010).
São consideradas algumas dificuldades para o processo de comunicação entre os profissionais e pacientes na UTI: o ritmo acelerado das tarefas que envolvem a equipe multiprofissional, a falta de relacionamento prévio com o doente e a impaciência das pessoas nesse ambiente (Mota e França, 2010). Assim a dificuldade da comunicação dentro de uma UTI é previsível.
A maioria das pesquisas sobre segurança do paciente analisa aspectos assistenciais. Este artigo é original, pioneiro e preenche uma lacuna ao avaliar as falhas de comunicação em pacientes sob cuidados intensivos. Não foram encontrados estudos anteriores que analisassem a questão de incidentes de segurança sob a ótica das falhas de em ambiente de terapia intensiva.
O objetivo principal deste estudo é detectar incidentes de segurança do paciente que possam estar associados a falhas de comunicação em pacientes internados em UTI. Os objetivos específicos são: identificar quantos e quais os incidentes de segurança e a relação entre os atores envolvidos no processo de comunicação. Este artigo apresenta uma nova abordagem ao usar os critérios da Organização Mundial da Saúde para classificação dos incidentes de segurança do paciente.
Esta pesquisa, retrospectiva, utilizou o método indutivo, abordagem empírica com caráter exploratório-descritivo e estratégia de pesquisa-ação (Martins e Theóphilo, 2009)
Para a pesquisa documental foi realizado um levantamento de prontuários dos pacientes internados nas Unidades de Terapias Intensivas (UTIs) e os respectivos documentos usados nestes serviços, considerado como falha de comunicação todo e qualquer incidente decorrente da ausência de informação relacionada a exames, interconsultas, medicações, queixas de pacientes, comunicação entre equipe e entre outros profissionais de saúde da instituição e suportes relacionados a recursos organizacionais.
A pesquisa foi realizada em quatro UTIs clínicas de um hospital público, universitário, terciário, com 910 leitos sendo 110 leitos de UTI. A população estudada foi composta por 202 pacientes internados no período de 25 de maio a 25 de agosto de 2009, sendo considerados todos os pacientes com idade superior a 15 anos. Os pacientes foram acompanhados desde a admissão nas UTIs até a alta e/ou óbito.
O projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital participante sob o nº 0279/07.
Os incidentes foram classificados de acordo com a Classificação Internacional para Segurança do Doente (CISD) da OMS à medida que podem estar relacionados à administração clínica, ao processo/procedimento clínico, à documentação, à infecção associada aos cuidados de saúde, à medicação/fluidos IV, ao sangue/hemoderivados, à dieta/alimentação, ao oxigênio/gás/vapor, ao dispositivo/equipamento médico, comportamento, acidentes do doente, infraestrutura, recursos/gestão organizacional (OMS, 2011). A classificação quanto à origem do incidente de segurança foi classificada conforme a OMS (2011) em: ocorrência comunicável- uma situação com potencial significativo para causar dano, mas não ocorreu nenhum incidente; quase evento – aquele incidente que não chegou ao doente, sendo detectado antes; evento sem danos - um incidente em que um evento atingiu o paciente, mas não resultou em danos; incidente com danos (evento adverso) - o incidente que resultou em dano para o doente .No caso de evento com dano, ele é subclassificado de acordo com o grau de dano em: leve, moderado ou grave/óbito.
Foram excluídos desta pesquisa os incidentes ocorridos antes da admissão dos pacientes nas UTIs participantes. Foram registradas as informações relacionadas aos diagnósticos de admissão nas UTIs; comorbidades por meio da escala de Charlson, variável numérica que verifica quantidade de comorbidades (Charlson et al, 1987); tempo de permanência nos serviços de UTI participantes e no hospital; gravidade clínica à admissão nas UTIs por APACHE II e diária pelo índice SAPS II, intensidade do cuidado por meio das intervenções diárias e falhas de comunicação e a condição de saída das UTIs e do hospital, se alta, transferência ou óbito. O Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) é um sistema de classificação de prognóstico do paciente em estado crítico. O SAPS II é um sistema de classificação de gravidade da doença e é um dos vários sistemas de pontuação de pacientes em UTI, usado principalmente para descrever a morbidade de um paciente quando se compara o resultado com outros pacientes. As visitas médicas e de enfermagem foram acompanhadas em caráter observacional e registradas em impressos próprios, posteriormente comparados com os registros do prontuário.
As informações foram armazenadas em planilhas do programa Excel e transferidas para uma base de dados específica por dupla digitação. As variáveis contínuas foram analisadas pelos testes estatísticos descritivos (desvio padrão, mediana, média, valor máximo e valor mínimo, e suas médias). As variáveis categóricas foram apresentadas com frequências absolutas e relativas. Foram analisados os EAs associados à comunicação e os incidentes com danos outros, tempo de permanência dos pacientes na UTI, problemas de comunicação e índices de gravidade dos pacientes pelo teste de Mann-Whitney. O programa estatístico utilizado foi o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.0. Foram considerados resultados significantes quando p<0.005.
Desde 2004, a OMS tem estimulado pesquisas sobre segurança do paciente e, com isso, colaborado para o gerenciamento dos riscos, bem como para a prevenção de EAs. Também tem sido incentivada a notificação dos incidentes de segurança, visando analisar as situações e identificar os pontos vulneráveis dos processos, sob nova ótica, procurando coibir a cultura punitiva (Andolhe, 2013).
Nessa perspectiva, estudar os aspectos envolvidos na gênese de EAs, como gerenciamento, controle e fatores de riscos, pode auxiliar os coordenadores da UTI e gestores na implantação de medidas preventivas, tratamento e cuidados eficientes (Tobias et al, 2014).
Os principais desafios na gestão do sistema de saúde estão relacionados à qualidade de atendimento, com controle e redução de custos; logo, muitas vezes esses serviços podem não estar vinculados à excelência na assistência ao paciente (Silva e Cassiani, 2013). Pacientes que permanecem internados em UTI têm maior vulnerabilidade a sofrerem incidentes, decorrente da complexidade do ambiente, da carga horária de servidores, da quantidade de medicações e de procedimentos realizados, acontecendo muitas vezes ao mesmo tempo (Leape e Berwick, 2005). Contudo, decorrente dessa vulnerabilidade, as causas desses erros podem estar relacionadas a fatores individuais como: falta de atenção e experiência, formação acadêmica deficiente, entre outras; assim como falhas no sistema: problemas no ambiente (iluminação, nível de ruído, interrupções frequentes); falha ou falta no treinamento, dimensionamento de profissionais, carga horária, falha na comunicação, ausência de protocolos assistenciais, problemas nas políticas e procedimentos (Silva, et al, 2008).
Nas dimensões de uma UTI leva-se em consideração a equipe envolvida, os equipamentos e insumos utilizados, pois fatores de risco como pacientes lábeis/complexos, os alarmes sonoros dos monitores, o sofrimento de pacientes e os conflitos interpessoais dos profissionais do setor geram uma rotina de estresse contínuo (Gomes e Souza, 2003). Além do estresse, limitações de fluxos e de espaços de trabalho podem colocar uma pressão adicional na equipe da UTI e desviar a atenção de seu foco primário: o paciente. Presença de cabos de conexão de diferentes equipamentos aglomerados, interface com o usuário inconsciente, conceitos operacionais e equipamentos importados com manuais em língua estrangeira podem ser uma fonte potencial de erro humano, enquanto que o acesso inadequado às informações pode retardar decisões clínicas importantes (Gomes e Souza, 2003).
Enquanto a maioria dos estudos sobre segurança do paciente foca aspectos assistenciais, esta pesquisa foi devotada ao estudo das falhas de comunicação no ambiente da UTI, uma vez que nesse cenário é intensa a comunicação entre equipes médicas, de enfermagem e multiprofissional sendo particularmente vulnerável a erros de diferentes naturezas.
Durante o período de estudo, ocorreram 14.955 incidentes de segurança em 202 admissões de pacientes nas UTIs participantes desta pesquisa. Desses incidentes, 999 (6,68%) foram relacionados à falhas da comunicação (6,68%) em 177 (87,6%) admissões, resultando em uma média de 5,6 incidentes/admissão na UTI.
Recentemente, Heavner e Siner (2015) relataram que EAs são comuns em UTI sendo mais facilmente detectáveis pelo uso de ferramentas especificas para a detecção do incidentes de segurança (como aqui apresentado), que além do treinamento de pessoal, do aprimoramento do preenchimento do prontuário, além da observação direta (também usada neste estudo), mas não analisaram as falhas de comunicação especificamente.
A caracterização dos dados sócio demográficos do estudo aqui apresentado mostrou que não houve diferença estatisticamente significante quanto ao sexo, média de idade dos pacientes, tempo médio de permanência nas UTIs e no hospital, gravidade à admissão na UTI, no comprometimento funcional diário e na sobrecarga de trabalho da enfermagem (Tabela I).
Tabela I – Distribuição das características demográficas, tempo de internação e condições
clínicas das admissões com incidentes de comunicação e incidentes outros.
|
Admissões |
|
|
Variável |
Com incidentes de comunicação N=177 |
Com incidentes outros N=25 |
P |
Idade (anos) Média + DP (MIN – MAX) |
52,77+20,01 (15–96) |
48,56+16,77 (17–71) |
0.260 |
Sexo Masculino: Feminino |
89 : 88 |
11 : 14 |
0.974 |
Tempo de Internação na UTI (dias) Média + DP (MIN – MAX) |
10,09+10,24 (0–70) |
11,32+11,67 (0–42) |
0,485 |
Tempo de internação no hospital (dias) Média + DP (MIN – MAX) |
20,53+7,26 (0–84,0) |
16,32+15,26 (1–82) |
0,340 |
Gravidade da admissão APACHE (pontos) Média + DP (MIN – MAX) |
15,88+7,0 (0–43) |
15,84 +7,56 (0–28) |
0.979 |
Comprometimento funcional diário SAPS II (pontos) Média + DP (MIN – MAX) |
31,64+15,40 (73–92) |
26,80 +13,73 (7–65) |
0.114 |
Comorbidades – índice de Charlson (pontos) Média + DP (MIN – MAX) |
15,23+7,63 (0 –48) |
2,72+2,30 (0–8) |
<0.0005 |
Condição de saída das UTIs (Número pacientes; %) Alta: Óbito |
142 (80,22%): 35 (19,78%) |
20 (80%): 5 (20%) |
0.393 |
Condição de saída do Hospital (Número pacientes; %) Alta: Óbito |
142 (80,22%): 35 (19,78%) |
20 (80%): 5 (20%) |
0.393 |
N: número de admissões; DP: desvio padrão; MIN: valor mínimo apresentado; MAX: valor máximo
A análise das comorbidades (pontuação obtida pela aplicação da Escala de Charlson) mostra significância estatística (p<0.0005) quando são comparadas as admissões com e sem incidentes de comunicação, fato esse que pode ser parcialmente explicado uma vez que pacientes com maior número de comorbidades tomam maior número de medicações, requerem maior número de exames complementares, necessitam de avaliações de outras equipes com maior frequência; logo, são pacientes que estão mais sujeitos aos incidentes em geral, incluindo-se os por falhas de comunicação.
Dos incidentes de segurança associados à falhas na comunicação, predominaram os incidentes sem danos: 626 (62,67%), seguidos pelos EAs, 248 (24,82%), pela ocorrência comunicável, 115 (11,51%) e pelo quase evento, 10 (1,00%). Ressalte-se que em nosso estudo detectamos 2,1 EA por falha de comunicação/admissão na UTI.
Quando os incidentes de segurança associados a falhas de comunicação foram classificados quanto a sua distribuição conforme os preceitos da OMS, obtivemos que aqueles relacionados a processos/procedimentos clínicos contribuiram com 39,2%, a seguir aqueles relativos a medicamentos, 24,62% (tabela II) e 15,22% decorrentes de falhas na comunicação verbal. As falhas de comunicação verbal foram observadas no momento da passagem de plantão da enfermagem e na visita médica. Os problemas relacionados às falhas na comunicação da equipe médica da UTI e às falhas da equipe de enfermagem foram as mais frequentes. Foram categorizados como falhas na comunicação verbal quando diagnósticos eram informados diferentemente entre as equipes que prestaram assistência aos pacientes, exames que deveriam ser realizados e não foram porque o enfermeiro não desconhecia o pedido feito, transferências não realizadas por falta de comunicação entre as equipes (médica e enfermagem), paciente que deveria estar em jejum e que não realizou o exame porque não manteve o jejum, medicações prescritas e não realizadas, medicação solicitada na emergência e não prescrita, dietas não administradas, interconsultas que não foram encaminhadas e não realizadas, interconsultas solicitadas e não realizadas.
Tabela II – Distribuição dos incidentes de segurança de pacientes relacionados a falhas de comunicação por tipo.
Distribuição por tipo de incidente |
N |
% |
Processo/procedimento clínico |
390 |
39,04 |
Medicação |
246 |
24,62 |
Comunicação verbal |
152 |
15,22 |
Documentação |
87 |
8,71 |
Dietas/alimentação |
84 |
8,4 |
Administração clínica |
26 |
2,6 |
Oxigênio |
14 |
1,4 |
Total |
999 |
100,0 |
Fonte: resultado da pesquisa (2014).
Nos 246 incidentes caracterizados como falha na medicação, 210 foram do tipo incidentes sem danos, 15 incidentes com dano moderado e 21 incidentes com dano grave (dose omitida de antibióticos por período superior a uma hora).
Um estudo realizado em 2012, avaliou 441 prescrições médicas e mostrou que 82% (363) apresentaram algum tipo de erro, sendo que 15,5% não tinham carimbo médico e nem número de registro médico, 0,8% (3) estavam sem a data da prescrição e em 0,2% (1) das prescrições não indicava a duração do tratamento. Foi verificado também que 45,7% (166) estavam ilegíveis e 1,3% (5) apresentavam rasuras. Outro dado encontrado foi que em 37,1% (135) das prescrições não foi observada a via de administração, 17,6% (64) estavam sem a concentração do medicamento e 28,6% (104) não apresentavam a forma farmacêutica (Lins et al, 2012).
Falhas na documentação foram detectadas em 87 incidentes, sendo 80 do tipo ocorrência comunicável e 7 quase evento. Dos 84 incidentes causados por problemas na dieta/alimentação: 69 foram incidentes sem danos e 15 com danos (4 leve, 10 moderado, 1 grave). Dos 14 incidentes relacionados ao suporte de oxigênio, 10 foram incidentes sem danos e 4 com danos moderados; as causas foram as nebulizações prescritas e não realizadas em tempo hábil. Quanto às 26 falhas de comunicação na administração clínica, destas 16 foram incidentes sem danos e 10 com danos leves; esses devido à dificuldade de transferência de pacientes de alta das UTIs para outros setores.
Dos 35 pacientes que sofreram incidentes por falhas de comunicação e que foram a óbito observamos 77 eventos sem danos, 1 quase evento, 45 ocorrências comunicáveis, 24 EAs leves, 7 EAs moderados, 3 EAs graves. Desse modo, pode-se concluir que, em pelo menos três admissões com incidentes graves podem ter contribuído para o óbito do paciente. Das 25 admissões com incidentes de outra natureza, foram constatados 5 óbitos.
Quanto à origem dos incidentes de segurança do paciente por falha na comunicação, predominaram aqueles gerados nas prescrições médicas (47,75%) seguidos pelas falhas nos controles de enfermagem (Tabela III).
Tabela III – Origem dos incidentes de segurança relacionados a falhas de comunicação identificadas no estudo.
Origem |
N=999 |
% |
Prescrição médica |
477 |
47,75 |
Controle de enfermagem |
323 |
32,33 |
Visita de enfermagem |
52 |
5,21 |
Evolução médica |
51 |
5,11 |
Prescrição de enfermagem |
29 |
2,9 |
Visita médica |
25 |
2,5 |
Evolução de enfermagem |
22 |
2,2 |
Laboratório |
20 |
02 |
Total |
999 |
100 |
Fonte: resultado da pesquisa (2014).
Quanto às falhas de comunicação em UTI, mas sem abordar a questão de segurança do paciente, é mencionado num estudo realizado em uma UTI de 11 leitos de um hospital privado que a falha de comunicação entre médicos assistentes e residentes pode aumentar a mortalidade dos pacientes, tendo como exemplos o atraso ao iniciar o antibiótico, demora para iniciar o desmame da ventilação mecânica e a falta da prescrição de anticoagulantes na prevenção de trombose venosa profunda (Teixeira et al, 2010). No nosso estudo o óbito ocorreu em 35 (19,78%), sendo que em três casos associados a falhas graves de comunicação.
Há relatos de que o conflito entre profissionais da medicina e da enfermagem, historicamente tem como origem desde a constituição da equipe multiprofissional até as questões salariais. Alguns fatores permitem avaliação dessa relação médico/enfermeiro como prevenção de conflitos, as divisões de tarefas, influência do hospital-escola e reflexo no doente. Sendo considerado como geradores de conflitos a comunicação interprofissional, reconhecimento interpessoal e a condição de trabalho da equipe (Oliveira et al, 2010). Na literatura, é descrito que a melhora da transmissão da comunicação, isto é uma comunicação mais eficiente reduz a mortalidade em hospitais (de Meester et al, 2013).
O enfoque da qualidade dos serviços de saúde, em especial das instituições hospitalares, visa oferecer aos clientes serviços de melhor qualidade, com o propósito de melhorar a satisfação e, consequentemente, a segurança do paciente (Nascimento et al, 2008).
Pacientes que permanecem internados em UTI têm maior vulnerabilidade a sofrerem incidentes, decorrente da complexidade do ambiente, da carga horária de servidores, da quantidade de medicações e de procedimentos realizados, acontecendo muitas vezes ao mesmo tempo (Leape e Berwick, 2005). Decorrente dessa vulnerabilidade, as causas desses erros podem estar relacionadas a fatores individuais como: falta de atenção e experiência, formação acadêmica deficiente, entre outras; assim como falhas no sistema: problemas no ambiente (iluminação, nível de ruído, interrupções frequentes); falha ou falta no treinamento, dimensionamento de profissionais, carga horária, falha na comunicação, ausência de protocolos assistenciais, problemas nas políticas e procedimentos (Silva, et al, 2008).
Nas dimensões de uma UTI leva-se em consideração a equipe envolvida, os equipamentos e insumos utilizados, pois fatores de risco como pacientes lábeis/complexos, os alarmes sonoros dos monitores, o sofrimento de pacientes e os conflitos interpessoais dos profissionais do setor geram uma rotina de estresse contínuo (Gomes e Souza, 2003). Além do estresse, limitações de fluxos e de espaços de trabalho podem colocar uma pressão adicional na equipe da UTI e desviar a atenção de seu foco primário: o paciente. Presença de cabos de conexão de diferentes equipamentos aglomerados, interface com o usuário inconsciente, conceitos operacionais e equipamentos importados com manuais em língua estrangeira podem ser uma fonte potencial de erro humano, enquanto que o acesso inadequado às informações pode retardar decisões clínicas importantes (Gomes e Souza, 2003).
Geralmente, os incidentes de segurança do paciente estão relacionados com a qualidade do serviço de saúde, fatores que contribuem na probabilidade de dano ao paciente (Resolução da Diretoria Colegiada [RDC] n. 50, 2002).
A Aliança Mundial para a Segurança do Paciente destaca a necessidade de desenvolver diferentes tipos de investigação para melhorar a segurança do paciente e prevenir os possíveis danos, em um ciclo de investigação que compreende: 1- Determinar a magnitude do dano, o número e tipos de incidentes que prejudicam os pacientes; 2- Entender as causas fundamentais dos danos ocasionados aos pacientes; 3- Identificar soluções para alcançar uma atenção à saúde mais segura; 4- Avaliar o impacto das soluções em situações da vida real (Organização Mundial da Saúde, 2011).
Esta é uma pesquisa inovadora que utilizou a classificação internacional da segurança do paciente da OMS, que apresenta uma padronização da classificação, detecção e investigação dos incidentes de segurança do paciente crítico associados à falhas de comunicação em UTI. No estudo aqui apresentado mostramos que as falhas de segurança dos pacientes relacionadas à comunicação ocorrem em UTI. Quase 25% dos incidentes por falhas de comunicação causaram danos ao paciente. Todos os incidentes de segurança do paciente por falhas de comunicação foram do tipo evitáveis. Os mais comuns foram aqueles relacionados às medicações, aos processos e procedimentos clínicos e aos problemas na comunicação verbal. Portanto, o conhecimento dos tipos mais frequentes dessas falhas, de sua origem e dos pacientes mais vulneráveis (aqueles com maior número de comorbidades) pode contribuir para a redução de prejuízos ao paciente, colaborar para a elaboração de protocolos e treinamentos para aperfeiçoamento da comunicação entre as diversas equipes assistenciais, administrativas, pacientes e familiares, promovendo enfim, a melhoria da assistência prestada aos pacientes em estado crítico e mitigando erros.
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1. enfermeira, mestre em administração, Gestão em Sistemas de Saúde, Universidade Nove de Julho. Coordenadora de Enfermagem do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil.
2. enfermeira, mestre em administração, Gestão em Sistemas de Saúde, Universidade Nove de Julho. Coordenadora de Enfermagem do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil.
3. médica. Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil. Diretora do Curso de Medicina da Universidade Nove de Julho e orientadora de pós-graduação da Universidade Nove de Julho. Tem experiencia na área de Medicina e em Educação Médica, com ênfase em avlaiação e segurança do paciente.
4. médica. Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil. Diretora do Mestrado Profissional em Administração, Gestão em Sistemas de Saúde, Universidade Nove de Julho. Orientadora em nível de mestrado e docente do Programa de Mestrado Profissional em Administração, Gestão em Sistemas de Saúde, Universidade Nove de Julho.Docente do curso de medicina da Universidade Nove de Julho. Revisora de 13 revistas científicas internacionais. Autora de 74 artigos científicos. Membro de comitês de gestão em saúde. Seu foco de pesquisa é voltado às estratégias em saúde e segurança do paciente. email: mnovaretti@gmail.com