Espacios. Vol. 37 (Nº 23) Año 2016. Pág. 10
Carolina Santos Jordani BENEVENUTI 1; Nei PEREIRA Jr. 2
Recibido: 07/04/16 • Aprobado: 02/05/2016
2. Rotas tecnológicas de produção de ácido lático
4. Principais empresas produtoras de ácido lático
RESUMO: Neste trabalho foi realizada a prospecção tecnológica da produção do ácido lático a partir da análise de patentes e artigos científicos. A pesquisa resultou em 747 patentes e 12.642 artigos científicos relacionados à produção do ácido lático por processo fermentativo. Foi possível verificar que os principais avanços tecnológicos na área estudada estão relacionados ao desenvolvimento de microrganismos mais tolerantes ao ácido lático e capazes de produzir um dos isômeros deste ácido com alto grau de pureza, à implementação do processo de eletrodiálise em substituição à precipitação e à utilização de resíduos agrícola/industriais como matérias-primas, principalmente as biomassas de composição lignocelulósica. |
ABSTRACT: In this study, a technological forecasting of lactic acid production was carried out analyzing technology indicators as patents and scientific articles. 747 patents and 12.642 scientific articles concerning lactic acid production by bio-chemical pathway were found. Based on the content analysis of these patents and scientific articles, it was possible to conclude that major technological advances are related to the development of acidophilus microorganisms and microorganisms able to produce one of the lactic acid isomers with high purity, the implementation of electrodialysis process, and the utilization of agricultural and industrial wastes as feedstock to fermentation process, mainly lignocellulosic biomass. |
O ácido 2-hidroxipropanóico, nomenclatura IUPAC do ácido lático, foi descoberto em 1780 pelo químico sueco C. W. Scheele. É um ácido inodoro, com sabor levemente salino, cor cristalina e altamente corrosivo. Este ácido orgânico é representado por uma molécula orgânica de função mista, contendo uma função ácido carboxílico e uma função álcool, o que o torna adequado a diversas reações de síntese orgânica. Devido à presença de um carbono assimétrico há a formação dos isômeros ópticos desta molécula. Os isômeros levógiro (L) e dextrógiro (D) do ácido lático diferem entre si apenas pela disposição dos seus ligantes no espaço. Porém, apenas o isômero L é metabolizado pelo organismo dos mamíferos, sendo largamente utilizado pela indústria de alimentos e para fins medicinais (VISHNU et al., 2002).
Algumas propriedades físico-químicas do ácido lático, como por exemplo a leve acidez (pKa=3,85), a presença dos grupos funcionais ácido carboxílico e álcool, a biodegradabilidade, a não toxicidade, a alta capacidade de reter água e a estabilidade química e térmica, o tornam aplicável nas indústrias de alimentos, de cosméticos, de polímeros e farmacêutica (DATTA et al, 1995). Na indústria de alimentos, que consome aproximadamente 85% do ácido lático produzido no mundo (DATTA et al, 1995), este importante ácido orgânico pode ser utilizado para aumentar o tempo de vida dos alimentos, através do controle microbiótico, para fortificação mineral, para reduzir a quantidade de sódio sem acarretar perda de sabor, para preservação natural e para prevenir descoloração. Na indústria de cosméticos, o ácido lático pode ser utilizado em diversos processos atuando no controle de pH e no processo de descalcificação. Pode ser utilizado também na produção de hidratantes, como agente de clareamento, como agente de rejuvenescimento, como agente anti-acne e anti-tártaro, como solvente verde, além de ser monômero para produção do polímero de ácido lático (PLA), usado para produção de cápsulas de liberação lenta de fármacos. Na indústria farmacêutica, o ácido lático pode ser utilizado para nutrição parenteral, em solução de diálise e para preparações minerais, por exemplo. Para fins medicinais, o polímero de ácido lático pode ser utilizado na produção de próteses, suturas e cápsulas de liberação lenta de medicamentos.
Principalmente devido à presença dos grupos funcionais ácido carboxílico e álcool, o ácido lático é utilizado para geração de commodities como o ácido acrílico, o acetaldeído, o propanodiol, o etil lactato, o propilenoglicol, o polilactato, a 2,3-pentanodiona e o ácido propiônico. A partir destas moléculas derivadas do ácido lático é possível gerar resinas, colas, solventes, adesivos, perfumes, hidratantes, tintas, espumas, lubrificantes, pesticidas, fraldas e plásticos, conforme demonstrado na Figura 1.
Figura 1 - Ácido lático como bloco de construção na indústria química.
Fonte: Autoria própria (2015)
Estima-se um crescimento de 19% ao ano na demanda mundial do ácido lático, principalmente devido ao seu uso como monômero para produção de PLA, que é considerado uma alternativa renovável aos derivados petroquímicos (WEE et al., 2006).
A procura por alternativas renováveis aos derivados petroquímicos tem sido uma tendência do setor químico nas últimas décadas, devido à finitude das reservas de petróleo e à crescente preocupação com as emissões de gases causadores do efeito estufa na utilização de combustíveis, substâncias químicas e energia de origem fóssil. Com isso, tem-se verificado grandes investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação de processos alternativos em substituição àqueles que utilizam fontes não-renováveis e que gerem menor impacto ao meio ambiente. Neste contexto, a biomassa é uma atraente candidata como fonte alternativa ao petróleo, já que representa a única fonte abundante de carbono renovável, tem baixas pegadas de carbono quando comparada ao petróleo e está domesticamente disponível em nosso país. Atualmente, a utilização de biomassa incorpora o conceito de biorrefinaria, que define uma estrutura industrial que tem matérias-primas renováveis (biomassas) como base para a produção de uma vasta quantidade de moléculas e energia. É um conceito análogo ao das refinarias de petróleo, a qual tem como objetivo separar e transformar a matéria-prima em diferentes frações que atendam a determinados setores industriais.
Apesar da utilização das biomassas ser uma prática antiga o conceito de processar esses materiais renováveis, através de uma série de processos de elevada complexidade técnica para a geração de produtos de uma vasta faixa de valor agregado, bem como energia, é recente. E, de fato, o objetivo essencial da biorrefinaria é produzir produtos de elevado valor agregado a partir de fontes de matérias-primas de baixo valor agregado. Isto remete às biomassas residuais, de composição lignocelulósica, oriundas dos setores agrícola e agroindustrial, como a principal candidata a atender este modelo de produção. Porém, o conceito de biorrefinaria não se limita a esta fonte de matéria prima, podendo utilizar biomassas de outras composições como as oleaginosas, protéicas, amiláceas e sacaríneas.
Octave e Thomas (2009) definem a biorrefinaria como uma estrutura baseada em três diferentes fontes e as nomeia como biorrefinaria baseada em carboidratos (Sugar Biorefinery), biorrefinaria baseadas em biomassas de natureza lignocelulósica (Lignocellulosic Biorefinery) e a biorrefinaria baseada em lipídios (Lipids Biorefinery).
A primeira propõe a utilização dos açúcares que atuam como reservas de energia nos vegetais, como a sacarose e o amido. São açúcares mais acessíveis às necessidades energéticas dos vegetais e objeto de uso pleno da indústria de alimentos e também de biocombusíveis. O segundo modelo de biorrefinaria baseia-se na utilização dos constituintes estruturais do vegetal. São frações de maior complexidade estrutural e, por isso, de menor acessibilidade. A terceira baseia-se em grupos específicos de vegetais capazes de produzir, e armazenar, triglicerídeos, que também atuam como reservas energéticas para o vegetal, e com enorme aplicabilidade em diversos tipos de indústrias. A Figura 2 ilustra o conceito de biorrefinaria proposto por Octave e Thomas (2009).
Figura 2. Estrutura da biorrefinaria
Fonte: Octave & Thomas (2009)
Há que se considerar também um modelo de biorrefinaria que utiliza biomassa que provém de ambientes aquáticos, como as algas marinhas. As algas marinhas são consideradas fontes valiosas de diversos compostos bioativos, entre eles os polissacarídeos. Os principais polissacarídeos conhecidos destas biomassas marinhas são carragenanas, agaranas e alginatos, mas também são relatadas as galactanas híbridas, fucanas e laminarinas (VASCONCELOS, ARAÚJO e SANTANA, 2015). Estes vegetais aquáticos apresentam uma série de vantagens sobre as biomassas residuais, por sua estrutura não conter lignina e por características superiores quanto a sua taxa de crescimento e produtividade. Esta biomassa já é utilizada em alguns setores industriais, como os de alimentos e cosméticos, principalmente em países orientais. Apesar disso, as pesquisas com foco na produção de compostos químicos em larga escala a partir deste tipo de biomassa é recente (SCHLITTLER, 2012).
Atualmente, é no modelo de biorrefinaria lignocelulósica, também denominada de segunda geração, que se concentram os maiores esforços em pesquisa e desenvolvimento, principalmente para a produção de bioetanol. A produção de etanol desses materiais, compreende os processos mais pesquisados em todo o mundo devido às pressões das crescentes demandas do mercado e a enorme quantidade de resíduos gerados por culturas agrícolas em todo mundo. Como a própria denominação sugere a biorrefinaria lignocelulósica utiliza matéria-prima de composição lignocelulósica para geração de produtos químicos, biocombustíveis, biomateriais e energia. A biomassa lignocelulósica é composta por três frações químicas denominadas: celulose (biopolímero composto apenas de moléculas de glicose), hemicelulose (macromolécula constituída de açúcares de cinco e seis carbonos) e lignina (macromolécula de natureza polifenólica). A primeira fase para o processamento deste tipo de biomassa é a separação das frações químicas que a compõem através de processos de pré-tratamento, seguidos da conversão destas frações nos respectivos açúcares, através de processos de hidrólise (enzimáticos ou químicos). A hidrólise da hemicelulose gera como produto principal, na maioria das biomassas lignocelulósicas, a xilose, material de partida para a produção de furfural, utilizado para produção de resinas e de Nylon 6, mas que pode ser utilizada em processos fermentativos para a geração de produtos químicos. Já para o caso da celulose, as moléculas de glicose obtidas na hidrólise podem gerar diversos produtos por fermentação. A lignina, por sua vez, apresenta limitadas opções de utilização, podendo gerar resinas ou ser utilizada para geração de energia por combustão direta. Pesquisas recentes apontam a utilização deste componente polifenólico na fabricação de fibra de carbono (SOUTO, 2014). No entanto, a estrutura da lignina apresenta alto potencial para produzir hidrocarbonetos monoaromáticos que, se isolados de forma economicamente eficiente, poderão acrescentar significativo valor ao processamento da biomassa lignocelulósica (GUPTA et al., 2014 e SANDUN et al., 2006).
O processamento da biomassa lignocelulósica, de acordo com o conceito de biorrefinaria, pode ser classificado em duas rotas de conversão denominadas plataforma termoquímica e plataforma bioquímica (ou sucroquímica). A plataforma termoquímica é caracterizada por processos de conversão a altas temperaturas, na ausência e na presença controlada de oxigênio, conhecidos, respectivamente, como pirólise e gaseificação. A pirólise gera como produto o bio-óleo, que após processo de hidrodesoxigenação produz uma mistura líquida de hidrocarbonetos similar àquela presente no petróleo. Já a gaseificação produz o gás de síntese (CO + H2O), utilizado para geração de hidrocarbonentos através do processo Fischer Tropsch. A plataforma bioquímica baseia-se em processos realizados por agentes biológicos (enzimas e microrganismos) para a geração dos produtos desejados, principalmente através da fermentação dos açúcares obtidos na etapa de pré-tratamento da matéria-prima. Biocombustíveis, como o etanol, ácidos orgânicos, como o ácido lático e o ácido succínico e solventes, como a acetona, são alguns dos produtos obtidos na plataforma bioquímica de conversão da matéria-prima de composição lignocelulósica (GUPTA et al., 2014 ; PEREIRA JR., 2008).
Sendo a biorrefinaria um projeto intensivo em capital, a geração de combustíveis, substâncias químicas e energia a partir de biomassa por cada uma das tecnologias de conversão anteriormente exemplificadas leva a custos de produção muito altos. Desta forma, é altamente interessante a integração das plataformas de conversão em uma mesma instalação, tornando possível criar um sinergismo entre as etapas do processo produtivo, o que é denominado biorrefinaria integrada. A integração das plataformas termoquímica e bioquímica possibilita a redução do custo de produção e maior flexibilidade de produtos. Além disso, a biorrefinaria integrada é capaz de fazer uso mais completo da biomassa, reduzindo assim a geração de resíduos e as emissões gasosas. A Figura 3 representa esquematicamente as plataformas de conversão termoquímica e bioquímica, em um contexto de biorrefinaria integrada e os possíveis produtos obtidos a partir de cada processo de conversão da biomassa lignocelulósica.
Figura 3 - Plataformas de conversão da biomassa lignocelulósica
Fonte: SCHLITTLER, ANTUNES e PEREIRA JR (2012)
Diversas instituições de pesquisa ao redor do mundo têm estudado formas de tratamento das matérias-primas, desenvolvimento de microrganismos geneticamente modificados para melhor aproveitamento dos substratos e processos fermentativos mais eficientes e adequados a esta nova perspectiva de produção.
Considerando que o Brasil tem a maior disponibilidade de biomassa a baixo custo do mundo, proveniente da colheita e processamento de culturas agrícolas como cana-de-açúcar, arroz, trigo, milho e soja, o desenvolvimento de tecnologias para a produção de ácido lático a partir da biomassa residual de composição lignocelulósica se mostra bastante atraente. Além disso, identifica-se atualmente no setor químico uma tendência de substituição das tecnologias químicas para a produção de derivados petroquímicos por tecnologias bioquímicas, que lançam mão de matéria-prima renovável, o que está em conformidade com os princípios da Química Verde.
Segundo pesquisa encomendada pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos (US DOE), o ácido lático está entre as 30 moléculas mais importantes produzidas a partir de biomassa, em uma estrutura de biorrefinaria integrada, com potencial para serem utilizadas como blocos de construção na indústria química (WERPY & PETERSEN, 2004). A geração de commodities a partir da biomassa não é um conceito novo, porém a produção destas substâncias utilizando processos complexos, em uma estrutura similar a uma refinaria de petróleo, é de fato um conceito mais recente. O principal objetivo de uma biorrefinaria é a geração concomitante de produtos "high value - low volume" (HVLV) e "low value – high volume" (LVHV). Para isso, estas instalações devem ser projetadas de forma a diversificar a utilização da matéria-prima e minimizar a geração de resíduos, uma vez que os produtos de alto valor agregado (HVLV) aumentam a rentabilidade e a lucratividade do empreendimento e os produtos de baixo valor agregado (LVHV) ajudam a atender à demanda energética, reduzindo o custo médio de operação dos processos que integram as biorrefinarias (SANDUN et al., 2006).
Neste contexto, este trabalho visa identificar, a partir da análise de patentes e artigo científicos, os desenvolvimentos tecnológicos referentes ao processo de produção de ácido lático a partir de matéria-prima renovável, principalmente as de composição lignocelulósica, nos últimos anos. E, a partir desta análise, sinalizar as tecnologias que se mostram inovadoras e com potencial para serem aplicadas em escala industrial.
A produção de ácido lático pode ser realizada através de rotas químicas ou bioquímicas, sendo 90% da produção mundial realizada pela rota bioquímica, também denominada rota fermentativa (NOLASCO-HIPOLITO, 2002). A produção via síntese química gera como produto uma mistura dos isômeros D e L e tem como principais vantagens o menor custo com a etapa de purificação e a ausência de substrato residual, problema bastante comum na rota fermentativa. São exemplos de rota química para produção do ácido lático a hidrólise da lactonitrila, a oxidação do propilenoglicol e a reação entre acetaldeído, H2O e CO. Apesar da possibilidade de produção pelas três formas citadas anteriormente, apenas a hidrólise da lactonitrila é utilizada em escala industrial devido a sua viabilidade econômica (DATTA et al., 1995).
A rota bioquímica para produção de ácido lático utiliza como principal agente da fermentação as bactérias, que apresentam exigências nutricionais em aminoácidos e vitaminas para seu adequado crescimento e atividade fermentativa (HUGENHOLTZ & KLEEREBEGEM, 1999). Existem mais de 100 diferentes microrganismos produtores de ácido lático, dentre os quais se destacam as bactérias homoláticas do gênero Lactobacillus, que produzem somente o ácido lático. No entanto, algumas leveduras modificadas geneticamente vêm sendo construídas, exibindo altos valores de produtividade em ácido lático, como por exemplo, Candida utilis NBR0988, cujo processo fermentativo resultou em um valor de produtividade de cerca de 2 g/L.h (IKUSHIMA, 2010).
A matéria-prima utilizada para a fermentação lática pode ser classificada como biomassa de primeira geração, para o caso de culturas alimentícias como milho, trigo, arroz e melaço; de segunda geração, para as culturas não-alimentícias, que se constituem em resíduos agrícola/industriais como bagaço de cana, polpa de papel e celulose e soro de queijo ou biomassa de terceira geração para o caso das macroalgas e microalgas. A necessidade de pré-tratamento da matéria-prima vai depender do tipo de substrato presente. Desta forma, os substratos solúveis, como a glicose, a frutose, a sacarose e a lactose são prontamente convertidos a produtos. Já os polissacarídeos insolúveis, como o amido, necessitam de um tratamento moderado para solubilização e hidrólise antes da conversão a produtos. E os polissacarídeos insolúveis altamente resistentes, como a celulose e a hemicelulose, necessitam de pré-tratamento físico e de hidrólise ácida ou enzimática para viabilizar o acesso dos microrganismos ao substrato, como mencionado anteriormente. A escolha do microrganismo está intimamente relacionada à escolha da matéria-prima, uma vez que cada microrganismo tem preferência por um ou mais substratos (LIMA, 2002).
O controle das condições operacionais é de extrema importância para otimização do processo fermentativo, principalmente da acidez do meio. Por conta disso, o controle de variáveis como pH, temperatura e agitação são fundamentais para garantir uma boa produtividade e um bom rendimento.
As principais vantagens da rota bioquímica são a possibilidade de utilização de matéria-prima de baixo custo e a possibilidade de produção de apenas um dos isômeros. A proporção entre os isômeros no produto irá variar de acordo com o microrganismo escolhido e com as condições operacionais adotadas (VISHNU et al., 2002).
O método convencional de separação do ácido lático produzido por fermentação é a precipitação. Este método consiste na adição de CaCO3 ou Ca(OH)2, durante o processo, auxiliando no ajuste do pH e permitindo a formação do lactato de cálcio, que é então separado por filtração. Após separado, o lactato é acidificado com um ácido forte, como H2SO4, e filtrado novamente para separação do CaSO4 gerado como subproduto. No processo de precipitação é gerado aproximadamente uma tonelada de gesso (CaSO4) por tonelada de ácido lático produzido, o que é uma das principais desvantagens deste método, embora o gesso possa ser comercializado já que tem aplicação na construção civil, devido as suas propriedades aglomerantes, facilidade de moldagem e boas propriedades térmicas e acústica. No entanto, a necessidade de etapas de filtração torna o processo oneroso, chegando a representar aproximadamente 50% do custo total da produção do ácido lático (WASEWAR et al., 2004).
Outros métodos de separação possíveis são a destilação com vapor sob pressão reduzida, a extração com solvente, a eletrodiálise, as peneiras moleculares e a ultrafiltração. Diversos artigos e patentes recentes abordam o desenvolvimento da tecnologia de recuperação do ácido lático a partir destes métodos não convencionais, principalmente a eletrodiálise e a ultrafiltração, como possíveis substitutos à precipitação.
Foi realizado um levantamento no Portal Alice Web das exportações e importações brasileiras de produtos químicos orgânicos e inorgânicos, entre os anos de 2007 e 2014. Foram utilizados os capítulos referentes a este grupo de compostos na Nomenclatura Comum do Mercosul, capítulos 28 e 29, para filtrar as informações desejadas. A partir dos valores obtidos, foi possível observar que a balança comercial dos produtos químicos se manteve deficitária durante todo o período estudado, como demonstrado na Figura 4.
Figura 4 - Valores de exportação e importação de produtos químicos (US$FOB x ano)
Fonte: Portal Alice Web (2015)
Em relação às importações e às exportações do ácido lático, foi realizado levantamento similar no Portal Alice Web, utilizando a Nomenclatura Comum do Mercosul referente ao ácido lático (NCM 29181100), com objetivo de analisar a balança comercial deste composto e sua contribuição na balança comercial dos produtos químicos orgânicos e inorgânicos. A Figura 5 apresenta os dados obtidos para valores de exportação e importação do ácido lático entre os anos de 2007 e 2014.
Figura 5 - Valores de exportação e importação de ácido lático (US$FOB x ano)
Fonte: Portal Alice Web (2015)
Analisando a Figura 5 pode-se notar que a balança comercial do ácido lático foi superavitária em todos os anos estudados. O valor importado sofreu sucessivas reduções entre 2010 e 2012, seguido por um grande aumento do valor exportado no ano de 2014, o que está provavelmente relacionado ao crescimento da produção interna deste ácido orgânico a partir de 2010.
Como base para análise, comparando os gráficos contidos nas Figuras 4 e 5, pode-se observar que a contribuição do ácido lático nas exportações dos produtos químicos foi significativa nos anos estudados, uma vez que este grupo inclui todos os compostos orgânicos e inorgânicos, sendo representado por uma média de 0,32% do total exportado. Já em relação às importações, a contribuição do ácido lático foi muito baixa, menor do que 0,01% do total importado em todos os anos analisados.
Utilizando como ferramenta a base de dados Radar Comercial, foi realizado um levantamento dos principais países exportadores e dos principais países importadores de ácido lático com o Brasil. Os resultados obtidos em relação aos principais países dos quais o Brasil importa ácido lático estão representados na Figura 6 e os principais países para os quais o Brasil exporta este composto estão representados na Figura 7.
Figura 6 - Importação de ácido lático entre 2007 e 2014
Fonte: Portal Radar Comercial (2015)
Os principais países dos quais o Brasil importou ácido lático entre os anos de 2007 e 2014 foram a Alemanha, a China e os Países Baixos. Pelo gráfico contido na Figura 5 podemos notar que as importações de ácido lático provenientes da Alemanha e da China apresentaram significativa redução a partir de 2010 e 2011, respectivamente. Este fato está provavelmente relacionado a um crescimento da produção interna deste ácido orgânico nos últimos anos, tendência que pode ser também observada na Figura 5. Com relação aos Países Baixos, houve pequena variação do valor importado de ácido lático nos últimos 4 anos.
Figura 7 - Exportação de ácido lático entre 2007 e 2014
Fonte: Portal Radar Comercial (2015)
Após analisar os dados obtidos na pesquisa realizada no portal Radar Comercial, foi possível concluir que o principal mercado consumidor da produção brasileira de ácido lático é a América Latina, sendo a Argentina e a Venezuela os dois países deste continente que mais importaram entre os anos de 2007 e 2014. Pela análise do gráfico contido na Figura 7, pode-se notar que o valor importado pela Argentina durante o período de tempo estudado apresentou pequena oscilação, mantendo-se em, aproximadamente, 3 milhões de US$ FOB nos últimos 4 anos. Com relação ao valor exportado de ácido lático para Venezuela pode-se notar uma queda considerável a partir de 2011. A presença dos Países Baixos como um dos principais importadores e também como um dos principais exportadores de ácido lático com relação ao Brasil está relacionado à prática de reexportação bastante comum neste país.
A produção de ácido lático no ano de 2013 foi de, aproximadamente, 800.000 toneladas. As principais empresas produtoras de ácido lático no mundo são a PURAC, a HINDAN JINDAN e a CARGILL, que juntas foram responsáveis por 65% da produção naquele ano (Research in China, 2014).
A PURAC é uma multinacional holandesa, fundada em 1931, que possui plantas produtivas no Brasil, EUA, Espanha e Tailândia. É a maior produtora de ácido lático no mundo, com capacidade produtiva de 350.000 toneladas, no ano de 2013. O processo produtivo da PURAC é a fermentação. A matéria-prima utilizada varia de acordo com a região em que está situada a planta de produção, podendo ser a cana-de-açúcar, o açúcar de beterraba, o milho ou a mandioca. Com relação ao investimento em inovação, a empresa investe a curto prazo no desenvolvimento de processos de separação alternativos à precipitação, evitando a geração de grande quantidade de gesso como subproduto. Em longo prazo investe-se em processos fermentativos utilizando biomassa de segunda geração, principalmente as matérias-primas lignocelulósicas, levando assim à diminuição das pegadas de carbono do processo de produção do ácido lático.
A HENAN JINDAN, empresa chinesa fundada em 1984, é a segunda maior produtora de ácido lático no mundo e a maior produtora da Ásia, com capacidade produtiva de 120.000 toneladas por ano. O processo produtivo utilizado pela empresa também é a fermentação, utilizando como matéria-prima o amido de milho. É pioneira na produção de ácido L-lático com alto grau de pureza. Com relação ao investimento em inovação, há o interesse no desenvolvimento de processos de extração do ácido L-lático, no processo SSF (Sacarificação e Fermentação Simultâneas) e no desenvolvimento do processo de separação por destilação com peneiras moleculares.
A CARGILL, empresa americana fundada em 1930, tem capacidade produtiva de 35.000 toneladas de ácido lático por ano, direcionada exclusivamente para produção de PLA pela Natureworks.
Patentes e artigos científicos são indicadores de desenvolvimento tecnológicos largamente utilizados para análises competitivas e para análises de tendências tecnológicas. Considerando o alto custo do processo de patenteamento, o crescimento do número de pedido de patentes indica um otimismo em relação à contribuição econômica e técnica da inovação em questão (ABRAHAM, 2001).
Esta pesquisa utilizou a análise do conteúdo de patentes e artigos científicos como forma de identificar os principais desenvolvimentos tecnológicos referentes ao processo de produção do ácido lático. Foi realizado um levantamento dos pedidos de patentes no banco de dados Espacenet a respeito do processo de produção do ácido lático pela rota química através do IPC (International Patent Classification) referente ao ácido lático juntamente com o IPC referente aos processos de oxidação, C07C 59/08 e C07C 51/235, respectivamente. Para o processo produtivo pela rota bioquímica, o levantamento dos pedidos de patentes foi realizado utilizando o IPC referente ao ácido lático juntamente com o IPC referente à produção deste por fermentação, C07C 59/08 e C12P 7/56, respectivamente. Foi feita uma análise quantitativa das patentes depositadas e, posteriormente, uma categorização destas patentes com relação ao tipo de inovação proposta. As patentes foram classificadas em conteúdo de inovação relacionado: ao microrganismo, à matéria-prima, ao processo fermentativo e à recuperação do produto. Desta forma, foi possível analisar as categorias cujo interesse em inovação apresentou maior crescimento. Em seguida, foi realizada uma análise detalhada do conteúdo das patentes depositadas nos últimos 5 anos.
Utilizando a base de dados Portal Capes, foi realizado um levantamento dos artigos científicos publicados a respeito do processo de produção de ácido lático pelas rotas química e bioquímica, seguido de uma análise quantitativa do resultado desta busca. Os artigos foram classificados de acordo com a área de pesquisa, de forma análoga à categorização das patentes. Foi feita uma análise detalhada do conteúdo dos artigos publicados nos últimos 5 anos.
A partir dos resultados obtidos pela análise de patentes e artigos científicos, foi possível identificar os principais obstáculos encontrados para o desenvolvimento da tecnologia de produção do ácido lático e as possibilidades de desenvolvimento tecnológico sugeridas. A Figura 8 representa esquematicamente a metodologia utilizada nesta pesquisa.
Figura 8 - Esquema representativo da metodologia utilizada na pesquisa
Fonte: Autoria própria (2015)
6.1. Patentes
O levantamento de patentes depositadas no mundo com relação à tecnologia de produção de ácido lático pela rota química levou a um total de 13 documentos e pela rota bioquímica a um total de 747 documentos. A evolução temporal do número de patentes depositadas por estas duas rotas de conversão estão representadas na Figura 9.
Figura 9 - Evolução temporal da deposição de patentes relacionadas
à síntese de ácido lático pelas rotas química e bioquímica
Fonte: Espacenet (2015)
A produção de ácido lático pela rota bioquímica foi foco da grande maioria das patentes depositadas no mundo em todo o período de tempo pesquisado, como pode-se notar pelo gráfico apresentado na Figura 9. Com relação à tecnologia de produção de ácido lático pela rota química observa-se um pequeno aumento do número de patentes depositadas a partir de 2009, chegando a 2 patentes depositadas em 2011 e 3 patentes depositadas em 2013. Pela análise do conteúdo destas patentes foi observado que todas estão relacionadas ao desenvolvimento de catalisadores para o processo de oxidação do 1,2-propanodiol, composto obtido a partir do glicerol, subproduto da produção de biodiesel.
Analisando a evolução temporal da deposição de patentes referente à produção de ácido lático pela rota bioquímica, podemos notar três momentos distintos. Até 1999 houve um número praticamente constante de patentes, com uma média de aproximadamente 10 patentes depositadas por ano. Em um segundo momento, entre 2000 e 2009, observa-se um crescimento acentuado do número de patentes, chegando a mais de 40 patentes depositadas em 2009, o que seguramente está relacionado ao retorno do interesse nas biomassas como matérias-primas para a produção química, tendo em vista a brusca elevação do preço do petróleo. De 2010 em diante, observa-se um crescimento ainda mais acentuado, chegando a atingir 69 patentes nos anos de 2010 e 2012. A queda observada nos anos de 2013 e 2014 não está relacionada à redução do número de patentes depositadas, mas sim ao período de sigilo aos quais os pedidos com menos de 18 meses devem respeitar.
Todos os documentos relacionados à rota bioquímica de produção do ácido lático foram classificados em categorias específicas de acordo com o tipo de inovação proposta. As categorias escolhidas foram microrganismo, matéria-prima, processo e recuperação. A categoria microrganismo incluiu inovações relacionadas ao desenvolvimento de novas cepas de bactérias ou leveduras utilizando técnicas de engenharia genética, descoberta de novas estirpes de bactérias e técnicas de imobilização de células. A categoria matéria-prima incluiu a escolha de novas fontes de biomassa e inovações relacionadas ao pré-tratamento da matéria-prima. Já na categoria processo, variáveis relacionadas ao processo fermentativo em si foram incluídas, como as condições operacionais, os equipamentos utilizados e os métodos fermentativos (por exemplo, os métodos SHF, SSF, SHCF e SSCF). Em relação à recuperação do ácido lático, inovações relacionadas aos processos de separação, purificação e concentração foram incluídas nesta categoria. Os resultados obtidos com a categorização dos pedidos de patentes está representado na Figura 10.
Figura 10 - Categorização dos pedidos de patentes relacionadas ao processo de produção do ácido lático pela rota bioquímica
Fonte: Autoria própria (2015)
A partir de análise simplificada da Figura 10, podemos observar que houve um maior interesse no desenvolvimento de tecnologias relacionadas ao desenvolvimento de microrganismos, que passou de 34% das patentes depositadas no primeiro grupo para 42% no segundo e 40% no terceiro, e relacionadas à matéria-prima, que representavam 14% das patentes depositada até 1999 e passou a representar 26% e 28% de 2000 a 2009 e de 2010 a 2014, respectivamente.
Por tratar-se de uma pesquisa de prospecção tecnológica, a análise mais detalhada do conteúdo das patentes foi realizada apenas para aquelas depositadas entre 2010 e 2014. Foi realizado um levantamento para determinar o país que apareceu mais vezes como país de prioridade nas patentes depositadas no mundo entre 2010 e 2014. O resultado deste levantamento está representado na Figura 11.
Figura 11 - Principais países de prioridade das patentes depositadas no mundo entre 2010 e 2014
Fonte: Autoria própria (2015)
A China foi o principal país depositante das patentes relacionadas à produção de ácido lático pela rota bioquímica entre 2010 e 2014 com 123 patentes, seguida do Japão e da Korea com 36 patentes. O Brasil apareceu como país de prioridade em apenas 5 patentes, das 239 obtidas no período em questão.
Uma análise mais detalhada do conteúdo das patentes cujo interesse em inovação está relacionado à categoria matéria-prima mostrou um crescimento significativo de pesquisas que envolvem a utilização de biomassa lignocelulósica, entre elas o bagaço e a palha de cana-de-açúcar, a polpa de papel e celulose, a palha de milho, a palha de arroz e a biomassa lenhosa para produção de ácido lático pela rota bioquímica. Até o ano de 1999, apenas 7 das 32 patentes da categoria matéria-prima estavam relacionadas à utilização de biomassa lignocelulósica, o que representou 22% desta categoria. Já entre 2000 e 2009, o percentual aumentou para 37% e entre 2010 e 2014 para 48% (32 das 66 patentes nesta categoria). A Tabela 1 traz informações a respeito do microrganismo, do substrato, do processo fermentativo, da concentração e da produtividade em ácido lático obtidos em algumas destas patentes depositadas a partir de 2009, com utilização de biomassa lignocelulósica.
Tabela 1 - Patentes relacionadas à produção de ácido lático pela rota bioquímica com utilização de biomassa lignocelulósica
Microrganismo |
Matéria-prima |
Tecnologia |
[Ácido lático] (g/L) |
(g.L/h) |
Referência |
Bacillus coagulans MXL-9 |
Biomassa lenhosa |
Batelada |
40 |
0,81 |
VAN WALSUN, 2011 |
Lactobacillus coryniformis DSLA 119 |
Palha de milho |
SSF |
101,6 |
1,41 |
BAO, 2013 |
Candida utilis Cu8401g |
Bagaço de cana-de-açúcar |
Batelada |
242,6 |
5,05 |
IKUSHIMA, 2010 |
Caldicellusiruptor saccharolyticus DIB004C |
Miscanthus grass (gramínea) |
Batelada |
20 |
0,83 |
SIMON, 2014 |
Fonte: Espacenet (2015)
Com relação ao aumento do interesse em inovação relacionado à categoria microrganismo, pode-se notar através da análise detalhada das patentes depositadas a partir de 2009 que as espécies de bactérias e leveduras mais utilizadas para implementação de técnicas da engenharia genética/biologia molecular foram: Lactobacillus paracasei, Candida utilis, Saccharomyces cerevisiae e Bacillus coagulans, com destaque para este último que figurou como a principal espécie-alvo de pesquisas. A Tabela 2 traz informações a respeito dos principais microrganismos geneticamente modificados contidos nas patentes depositadas a partir de 2009, as características do processo fermentativo utilizado e os resultados de concentração e produtividade em ácido lático obtidos nestas pesquisas.
Tabela 2 - Patentes relacionadas ao desenvolvimento de novas cepas de bactérias
e leveduras para a síntese de ácido lático pela rota bioquímica.
Microrganismo | Substrato |
Tecnologia |
[Ácido lático] (g/L) |
(g.L/h) |
Referência |
Lactobacillus paracasei CHB2121 |
Glicose |
Batelada |
97,6 |
4,05 |
WOOK, 2012 |
Bacillus coagulans RY-18 |
Glicose |
Batelada |
186 |
5,31 |
ZHENGXIANG, 2010 |
Saccharomyces cerevisiae m850 |
Glicose |
Batelada |
62,3 |
0,82 |
LIU, 2011 |
Lactobacillus paracasei LA104 |
Glicose/Manose |
SSCF |
37,8 |
0,79 |
CHEOL, 2013 |
Fonte: Espacenet (2015)
Pela análise das patentes relacionadas ao desenvolvimento de novas cepas de bactérias e leveduras, pode-se concluir que os principais objetivos da aplicação de técnicas de engenharia genética/biologia molecular foram o desenvolvimento de microrganismos resistentes ao meio ácido e de microrganismos capazes de produzir apenas um dos isômeros deste ácido orgânico com alto grau de pureza. Segundo Wook (2012), o microrganismo geneticamente modificado Bacillus coagulans RY-18 é capaz de produzir ácido L-lático com 99,5% de pureza, utilizando como matéria-prima o amido de batata. Já o microrganismo Lactobacillus paracasei LA104, segundo Cheol (2013), é altamente resistente a elevadas concentrações de ácido lático no meio e é capaz de produzir ácido lático pela rota bioquímica utilizando como fonte de biomassa microalgas da espécie Hydrodictyon reticulatum.
6.2. Artigos Científicos
O levantamento dos artigos científicos publicados no mundo com relação ao processo produtivo do ácido lático pelas rotas química e bioquímica levou a um total de 11 e 12.642 documentos, respectivamente. A evolução temporal da publicação dos artigos científicos encontrados está representada nas Figuras 12 e 13.
Figura 12 - Artigos publicados no mundo relacionados à síntese de ácido lático pela rota química
Fonte: Portal Capes (2016)
É possível observar um pequeno crescimento no número de artigos publicados relacionados ao processo produtivo do ácido lático pela rota química, tendência também observada na deposição de patentes relacionadas a esta tecnologia. O principal processo estudado nestes artigos foi a oxidação do 1,2-propanodiol, composto obtido a partir do glicerol, subproduto da produção de biodiesel.
Figura 13. Artigos publicados relacionados à síntese de ácido lático pela rota bioquímica
Fonte: Portal Capes (2016)
Pela análise da Figura 13 nota-se que a publicação de artigos científicos referentes à tecnologia de produção do ácido lático pela rota bioquímica apresentou um crescimento significativo ao longo do tempo, seguindo tendência de crescimento similar àquela observada para da deposição de patentes. O expressivo crescimento na quantidade de artigos científicos publicados a respeito da tecnologia de produção do ácido lático pela rota bioquímica está relacionado ao retorno do interesse na biomassa como matéria-prima para a produção química.
A categorização dos artigos científicos a respeito da produção de ácido lático pela rota bioquímica foi realizado de acordo com a área de pesquisa de cada documento. Assim como demonstrado para as patentes, as categorias escolhidas foram microrganismo, matéria-prima, processo e recuperação. A Figura 14 representa os resultados obtidos na etapa de categorização dos artigos científicos.
Figura 14. Categorização dos artigos científicos relacionadas à síntese de ácido lático pela rota bioquímica
Fonte: Autoria própria (2016)
Pela análise da Figura 14, é possível observar um aumento no interesse em pesquisas relacionadas ao microrganismo e às matérias-primas utilizadas no processo de produção do ácido lático pela rota bioquímica. Até 1999 apenas 5% dos artigos publicados estavam relacionados à categoria microrganismo. Este percentual aumentou para 8% entre 2000 e 2009 e para 13% entre 2010 e 2014. Um crescimento percentual ainda maior foi observado para a categoria matéria-prima, que representava apenas 32% dos artigos publicados até 1999 e passou a representar 56% e 46% dos artigos publicados entre 2000 e 2009 e entre 2010 e 2014, respectivamente.
Para uma análise mais detalhada dos artigos publicados entre 2010 e 2014, foi retirada uma amostra aleatória de, aproximadamente, 20% dos documentos encontrados nesta faixa temporal com objetivo de identificar as principais áreas de interesse em cada uma das categorias anteriormente mencionadas. Na Tabela 3 estão representadas os principais microrganismos, matérias-primas, processos fermentativos e métodos de recuperação estudados na amostra de artigos escolhida e o respectivo número de artigos encontrados para cada uma destas áreas de interesse.
Tabela 3 - Principais microrganismos, matérias-primas, processos fermentativos
e métodos de recuperação estudados no grupo de amostragem dos artigos publicados
entre 2010 e 2014 e o respectivo número de artigos encontrados
MICRORGANISMO |
Bacillus coagulans Lactobacillus paracasei Saccharomyces cerevisiae Rhizopus oryzae |
162 103 58 77 |
MATÉRIAS-PRIMA |
Palha de milho/trigo/arroz Bagaço de cana-de-açúcar Resíduo orgânico |
41 36 27 |
PROCESSO |
Batelada Contínuo SSF |
381 216 75 |
RECUPERAÇÃO |
Eletrodiáise Microfiltração Ultrafiltração |
27 18 17 |
Fonte: Autoria própria (2016)
A partir da análise do conteúdo dos artigos científicos publicados entre 2010 e 2014, pela utilização da técnica de amostragem anteriormente mencionada, infere-se que a mesma tendência observada na amostra seja seguida pelo todo. Desta forma, analisando a Tabela 3, é possível concluir que as principais espécies-alvo de pesquisas foram o Bacillus coagulans e o Lactobacillus paracasei, assim como observado na análise detalhada das patentes nesta área. Com relação às matérias-primas, predomina o interesse no desenvolvimento da tecnologia de produção do ácido lático a partir de biomassa lignocelulósica, com destaque para a utilização do bagaço de cana-de-açúcar. Na categoria processo, a batelada simples figura como principal método fermentativo utilizado nas pesquisas. E no que diz respeito aos métodos de recuperação do ácido lático produzido, a eletrodiálise aparece como principal foco das pesquisas relacionadas a esta categoria, uma vez que este método de recuperação é capaz de evitar a acidificação do meio durante o processo produtivo.
Uma simples comparação entre o número de patentes e artigos científicos encontrados referentes ao desenvolvimento da tecnologia de produção do ácido lático pelas rotas química e bioquímica deixa evidente que a rota bioquímica foi foco da grande maioria das pesquisas. Este fato está de acordo com a tendência do setor químico pela procura por alternativas renováveis aos derivados petroquímicos, uma vez que os processos bioquímicos utilizam a biomassa como fonte de carbono para produção de ácido lático.
A partir da análise detalhada das patentes depositadas entre 2010 e 2014 a respeito da produção de ácido lático pela rota bioquímica, é possível concluir que a China apareceu como país de prioridade da grande maioria dos documentos, representando 125 das 239 patentes depositadas neste período. O Institute of Microbiology Chinese Academy of Sciences foi a principal organização depositante das patentes em questão.
A leitura detalhada das patentes e dos artigos científicos mostrou que os principais obstáculos encontrados para o desenvolvimento da tecnologia de produção do ácido lático pela rota bioquímica são a inibição da formação de produto devido à acidificação do meio, a produção seletiva de apenas um dos isômeros com alto grau de pureza, o custo do processo de recuperação do produto e o custo e a viabilidade da matéria-prima.
Desta forma, o desenvolvimento de microrganismos acidófilos, principalmente a partir de bactérias da espécie Lactobacillus paracasei, foi a solução proposta nas patentes e nos artigos científicos para o problema de inibição da formação do ácido lático devido à acidificação do meio. Lactobacillus paracasei LA104, segundo Cheol (2011), é um microrganismo altamente resistente a elevadas concentrações de ácido lático no meio e é capaz de produzir ácido lático pela rota bioquímica utilizando como fonte de biomassa microalgas da espécie Hydrodictyon reticulatum. Com relação à produção seletiva de apenas um dos isômeros do ácido lático, o microrganismo alvo do maior número de pesquisas, tanto nas patentes quanto nos artigos estudados, foi Bacillus coagulans.
Com relação ao custo do processo de recuperação do produto, a eletrodiálise foi a tecnologia proposta em substituição à precipitação uma vez que, além de reduzir o custo da etapa de recuperação e a eliminar a geração de gesso como subproduto, evita a acidificação do meio durante o processo.
No que diz respeito ao custo e viabilidade da matéria-prima, os resíduos agrícola/industriais, como o bagaço de cana-de-açúcar, a polpa de papel e celulose e as palhas de milho, trigo e arroz demonstraram ser as fontes promissoras para substituir as culturas alimentícias no processo fermentativo, com destaque para as matérias-primas de composição lignocelulósicas, principalmente o bagaço de cana-de-açúcar, cujas tecnologias vêm sendo denominadas de segunda geração.
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