Espacios. Vol. 37 (Nº 11) Año 2016. Pág. 18

Criação de valor sob a ótica do empreendedorismo social: Uma análise dos empreendimentos coletivos de uma incubadora social

Creating value from the perspective of social entrepreneurship: an analysis of the collective enterprise of a social incubator

Lisiane Pellini FALLER 1; Vania de Fátima Barros ESTIVALETE 2; José Maria Carvalho FERREIRA 3; Vivian Flores COSTA 4; Tais de ANDRADE 5

Recibido: 19/12/15 • Aprobado: 01/02/2016


Contenido

1. Introdução

2. Referencial Teórico

3. Método

4. Resultados

5. Discussões e Conclusões

Referências


RESUMO:

Este estudo visa analisar de que forma o empreendedorismo social auxilia na criação de valor social, partindo da perspectiva de membros de empreendimentos da Incubadora Social de Instituição Federal de Ensino Superior/ Brasil. Utilizaram-se dois modelos com categorias de análise: capacidade de inovação, gestão de riscos e proatividade, de Weerawardena e Mort (2006); capital humano, fatores do ambiente social e do ambiente institucional, de Jião (2011). Constatou-se que capacidade inovadora, proatividade e capital humano contribuíram para a criação de valor social, e gestão de risco, fatores do ambiente social e do ambiente institucional foram deficitários na criação de valor social.
Palavras Chave: Criação de valor, Empreendedorismo Social, Atributos Individuais e Ambientais, Incubadora Social.

ABSTRACT:

This study aims to examine how social entrepreneurship helps in creating social value from the member's perspective of the ventures Social Incubator Federal Institution of Higher Education / Brazil. They used two models with analysis categories: innovation, risk management and proactive in Weerawardena and Mort (2006); human capital, social environment factors and the institutional environment, Jiao (2011). It was found that innovative capacity, proactive and human capital contributed to the creation of social value, and risk management, the social environment factors and institutional environment were deficient in the creation of social value.
Keywords: Value creation, Social Entrepreneurship, Individual and Environmental Attributes, Social Incubator.

1. Introdução

No limiar do século XXI o empreendedorismo social vem emergindo como uma forma de lidar com diversos problemas sociais (Cruz, 2013) e como um campo de estudos que  concentra algumas esferas antes desconsideradas como a preocupação com a inclusão social (Campelli et al., 2011). Como elucida Campelli et al. (2011), trata-se de um campo com uma perspectiva que, fundamentalmente, visa compreender o negócio e o mercado não apenas como fonte de lucro, mas como atuante na redução das desigualdades sociais.

Um dos focos de estudo do empreendedorismo social, entre as diversificadas ideias que procuram delinear o fenômeno, aponta para modelos de negócios com o direcionamento para a criação e maximização de valor social, por meio de atividades caracterizadas pela inovação (Parente et al., 2011; Zahra et al., 2009; Austin et al., 2006). Autores como Austin et al. (2006) destacam que é comum nas definições de empreendedorismo social o fato de que a unidade subjacente é a criação de valor social e enfatizam que o condutor central para o empreendedorismo social é o problema social a ser abordado e a forma de organização particular de uma empresa social tomar decisões baseada na mobilização eficaz de recursos necessários para enfrentar esse problema.

Weerawardena et al. (2010) apontam que na realização das suas missões sociais, para promover um real impacto social, os empreendimentos sociais devem permanecer sustentáveis, o que evidencia, entre outras, a necessidade de reconhecimento dos aspectos ambientais e dos atributos individuais dos empreendedores sociais como uma restrição à criação de valor social (Weerawardena, Mort, 2006; Jiao, 2011).

Assim, considerando tal abordagem, este estudo visa avançar nos conhecimentos a respeito da temática, buscando responder o seguinte problema de pesquisa: "De que forma o empreendedorismo social contribui para a criação de valor social, segundo a perspectiva de coordenadores e membros de empreendimentos integrantes de uma incubadora social implantada por uma Instituição Federal de Ensino Superior no Brasil?".

Com a finalidade de responder a questão central da pesquisa e contribuir para a exploração do tema, este estudo tem como objetivos: (i) identificar as características do empreendedorismo social; (ii) identificar quais atributos individuais e ambientais (capacidade de inovação, gestão de riscos, proatividade, capital humano, fatores do ambiente social e fatores do ambiente institucional) estão presentes nas organizações estudadas; e, por fim, (iii) analisar como os atributos individuais e ambientais podem contribuir com a criação de valor social.

Para atender aos objetivos, este trabalho estrutura-se em mais quatro seções. A próxima seção apresenta os pressupostos teóricos relacionados ao empreendedorismo social, criação de valor social e impacto social. Na seção três está o método relacionado à coleta e análise dos dados. A seção quatro traz os resultados e, por fim, as considerações finais acerca do estudo.

2. Referencial Teórico

2.1 Empreendedorismo Social

O termo empreendedorismo nasceu na França entre os séculos XVII e XVIII e tem sido relacionado ao contexto empresarial (Filho et al., 2014). Contudo, o empreendedorismo tradicional se distingue sistematicamente do empreendedorismo social (Dacin  et al., 2011), consagrado pela relevância da sua aplicação como forma de sustentar o incremento social e melhorar o bem-estar em ambientes de mudanças (Jiao, 2011).

De acordo com Mair e Martí (2006), o empreendedorismo social tem um alcance global e integra a criação de valor econômico e social. Zahra et al. (2008) elencam fatores que contribuem para formar e internacionalizar empreendimentos sociais: disparidade da riqueza global; responsabilidade social das empresas e falhas estatais e institucionais de mercado; e os avanços tecnológicos e a responsabilidade compartilhada. Nesse sentido, Jiao (2011) evidencia que o empreendedorismo social aparece como resposta aos imperativos da sociedade complexa, abstrata e globalizada.

Todavia, o termo empreendedorismo social ainda tem conceito controverso que carece atenção (Dacin et al., 2010; Weerawardena, Mort, 2006; Abu-Saifan, 2012; Ney et al., 2014). A definição de empreendedorismo social pode ter significados diferentes, pois não se vincula somente a organizações sem fins lucrativos, existindo organizações com fins lucrativos e propósito social, e organizações híbridas que combinam elementos de negócios, com e sem fins lucrativos (Dees, 2001).

Mair e Martí (2006) realizaram uma revisão acerca dos diferentes conceitos e apresentaram três grandes linhas de pesquisa. Um grupo de investigadores se refere ao empreendedorismo social como iniciativas sem fins lucrativos, em busca de estratégias ou princípios de gestão de forma a criar valor social (Austin et al., 2006).

Um segundo grupo compreende ações comerciais e de negócios de forma socialmente responsável, com parcerias intersetoriais (Sagawa; Segal, 2000).

E, o terceiro grupo concebe o empreendedorismo social como uma forma de aliviar problemas sociais e catalisar transformação da sociedade (Alvord, Brown, Letts, 2004). 

Austin et al. (2006) sintetizam o empreendedorismo social como atividades inovadoras e de criação de valor social que podem ocorrer dentro de organizações sem fins lucrativos, em empresas privadas ou setores do governo.

Assim, constata-se a relevância do tema e a necessidade de investigar atividades organizacionais não só por seus aspectos econômicos, mas por aspectos sociais que caracterizam os empreendedores sociais (Cruz, 2013), com a criação de valor social e impacto social como caráter distintivo de seu comportamento.

2.2 Criação de Valor Social e Impacto Social

A criação de valor social pode ser concebida como um resultado do empreendedorismo social que extrapola a esfera econômica e deixa de ser um fator de fundo ou o ceteris paribus dos economistas, sendo tratada como fenômeno comportamental, onde valores não-econômicos são ofuscados pela dimensão social do fenômeno (Weerawardena, Mort, 2006; Korsgaard, Anderson, 2011; Dees, 1998).

Desse modo, o empreendedorismo social se concentra essencialmente na criação de valor social e no espírito de compartilhar inovações e ideias para replicações mais amplas (Mair et al., 2006).

Weerawardena e Mort (2006) propõem um modelo multidimensional para a criação de valor social (CVS) considerando as dimensões inovação, proatividade e gestão de risco dentro de um contexto que envolve missão social, sustentabilidade e meio ambiente. Para os autores, a criação de valor social é limitada por um turbulento e dinâmico contexto, que tanto pode produzir comportamento voltado para o empreendedorismo social quanto pode afetar o desempenho dos empreendimentos sociais.

No contexto Meio Ambiente, Weerawardena e Mort (2006) entendem que devem ser observadas as restrições em termos de grandes mudanças e desafios ambientais, tais como a evolução das necessidades sociais, políticas e governamentais ou da concorrência de fornecedores com fins lucrativos. A primeira proposição do estudo de Weerawardena e Mort (2006) é que o empreendedorismo social é sensível e pode ser constrangido pela dinâmica ambiental.

Quanto ao contexto Sustentabilidade, o estudo de Weerawardena e Mort (2006) propõe que o empreendedorismo social é sensível e limitado pela necessidade de sustentabilidade, citando a aprendizagem dirigida, o autofinanciamento e a viabilidade financeira, o crescimento sustentado a longo prazo e a existência de um plano de negócios como aspectos a considerar.

No contexto Missão Social está a orientação para a estratégia global do empreendimento e a direção para uma pesquisa potencialmente frutífera em termos de avanços de mercado. Nesse contexto, para Weerawardena e Mort (2006) é importante haver pessoas envolvidas pela missão, mas pragmáticas sobre as realidades do mercado e não tão imbricadas ideologicamente.

O estudo de Weerawardena e Mort (2006) sugere que o empreendedorismo social se esforça para alcançar criação de valor social através da Inovação, que pode ser expressa através de vários contextos, tais como: aplicações de métodos científicos de gestão, otimização com restrições, política organizacional que impacta diretamente sobre as operações, angariação de fundos, processos de decisão, entre outros.

Quanto à Proatividade, Weerawardena e Mort (2006) a consideram um requisito necessário para o empreendimento social sobreviver, atender o mercado e crescer. Algumas formas de se ter êxito nestes quesitos são a qualificação focada em previsão, a angariação de fundos e a busca de qualidade na prestação de serviços. Relações sinérgicas entre indivíduos que compartilham ambições e conhecimentos podem ser o fio condutor para o crescimento das empresas (Korsgaard, Anderson, 2011).

Quanto à dimensão Gestão de Riscos, os empreendedores sociais precisam avaliar riscos antes de comprometer recursos para um projeto particular, pois a receita vem de diversas fontes, como taxas de serviços, subsídios do governo, doações, patrocínios e há grande incerteza associada a financiamentos do governo, sendo difícil prever receitas com um certo grau de precisão (Weerawardena, Mort, 2006). Para Smith e Stevens (2010), a gestão de riscos envolve também custos e riscos potenciais de escala, como por exemplo, o desvio da missão, a estirpe de recursos e a diluição da qualidade.

O modelo proposto por Weerawardena e Mort (2006) vem sendo referência no estudo do empreendedorismo social (Oliveira et al., 2009; Piechowski, 2010; Rametse, Shah, 2013) e o modelo proposto por Jiao (2011) considera a criação de valor social por meio do empreendedorismo social, que tem como antecedentes o capital humano, o capital social, a vontade do empreendedor social e os fatores dos ambientes social e institucional. Ainda, o empreendedorismo social tem como principal consequente o impacto social, o qual está associado à criação de valor proposta por Weerawardena e Mort (2006).

O capital humano pode ser definido como a gama de conhecimentos e habilidades valiosas que uma pessoa tenha acumulado ao longo do tempo (Davidsson, Honig, 2003; Martin et al., 2013). O conhecimento do empreendedor social inclui planos para atividades sociais e entender as necessidades dos clientes, a fim de satisfazê-las com métodos inovadores (Dees, 2001; Jiao, 2011).

Para Davidsson e Honig (2003), o capital humano não é apenas o resultado da educação formal, mas inclui experiências práticas e educação não-formal, como cursos que não fazem parte de estruturas educacionais tradicionais. Tais experiências constituem o capital humano dos empreendedores sociais, além das habilidades para integrar e utilizar os recursos.

No fator vontade e viabilidade, Jiao (2011) destaca que a intenção empreendedora é determinada pelo desejo cognitivo, relacionado à vontade do indivíduo em iniciar as atividades de empreendedorismo social e também pela viabilidade, associada à avaliação subjetiva da capacidade para iniciar as atividades. A vontade e viabilidade do empreendedor social são influenciadas por valores pessoais, atitude cognitiva e também pelo apoio social (Jiao, 2011). Assim, um alto grau de missão social, personalidade carismática e uma crença inabalável são considerados as forças motrizes para o empreendedorismo social (Jiao, 2011).

Quanto ao fator capital social do empreendedor, Adler e Kwon (2002) destacam que este é gerado pela estrutura das relações sociais e pode ser mobilizado para facilitar as ações dos empreendedores. Jiao (2011) apresenta a contribuição de Dees et al. (2002) no que tange ao papel das redes sociais como um fator importante para o sucesso do empreendimento social, com relações necessárias para o desempenho empresarial e criação de novos arranjos para lidar com problemas sociais (Dees, 2009).

  Em relação aos fatores ambientais, destacam-se os fatores do ambiente social e os fatores do ambiente institucional. Os primeiros correspondem ao apoio recebido de terceiros, incentivo à educação e desenvolvimento de habilidades empreendedoras, financiamento dos empreendimentos sociais e monitoramento e avaliação por instituições apoiadoras (Jiao, 2011).

Já os últimos estão relacionados aos fatores do ambiente institucional, destacando-se o apoio do governo, a concorrência no setor e as políticas públicas governamentais (JIAO, 2011).

O modelo proposto por Jiao (2011) sugere que o objetivo do empreendedorismo social concentra-se na criação de valor social, sendo o impacto social sobre a comunidade o principal resultado (Defourny, Nyssens, 2012). Austin et al. (2006) destacam que o impacto social é importante para criar valor social de forma inovadora a um empreendimento desta natureza. 

3. Método

O presente estudo caracteriza-se por ser uma pesquisa de caráter qualitativo e o método utilizado é o do estudo de casos múltiplos (Yin, 2010). Para fins deste estudo, foram entrevistados 24 empreendedores, coordenadores e membros dos empreendimentos integrantes da incubadora social de uma Instituição Federal de Ensino Superior no Brasil. A fim de preservar as identidades dos empreendimentos e dos entrevistados, foram usadas simbologias A, B, C, D e E para os projetos incubados e E1 a E8 para os entrevistados.

Para a coleta dos dados foi realizado um roteiro de entrevista semiestruturado, validado por quatro especialistas, contendo uma seção sobre o perfil dos entrevistados e outra relacionada à Missão Social, Inovação, Proatividade e Gestão do Risco, Capital Humano e Fatores do Ambiente Social e Institucional.

No intuito de responder a questão central de pesquisa foi definido o contexto de análise a partir dos modelos de Jiao (2011) e de Weerawardena e Mort (2006). Foram utilizadas as categorias de análise Inovação, Gestão de Riscos e Proatividade do modelo de empreendedorismo social de Weerawardena e Mort (2006) e as categorias de análise Capital Humano, Fatores do Ambiente Social e Fatores do Ambiente Institucional do modelo de Jiao (2011) (Figura 1).  

Figura 01 - Categorias e elementos de análise
Fonte: elaborado pelas autoras, com base em Weerawardena e Mort (2006) e Jiao (2011).

Os dados obtidos nas entrevistas foram analisados qualitativamente após a transcrição das gravações obtidas através do procedimento análise de conteúdo descrito por Bardin (2014). Constatou-se que o estado civil da maioria dos entrevistados é casado, do sexo feminino, entre 16 e 69 anos de idade, sendo a grande parte acima de 40 anos. A maior parte dos entrevistados possui mais de cinco anos de empreendimento, com escolaridade desde o ensino fundamental até pós-graduação, predominando pessoas com ensino médio.

4. Resultados

4.1 Inovação

Um aspecto a explorar relacionado às características do empreendedor social é a busca de oportunidades e geração de inovação (Cruz, 2013). Weerawardena e Mort (2006) evidenciam a inovação a partir dos elementos: métodos científicos de gestão; otimização com restrições; e operações inovadoras em produção. O Quadro 1 expõe tais elementos na realidade investigada.

Categoria de análise: Inovação

Elementos

Trechos das entrevistas

Empr/Entr

Métodos científicos de gestão

(...) Estamos aperfeiçoando a nossa produção e a gestão como um todo. Vai ter que ter uma parte comercial e uma pro meio ambiente. Eu me preocupo até com o meio ambiente. Então vai ter que ter uma pessoa pra cuidar se tiver resíduos, enfim é cada um com a sua parte (...)

B/E3

É a capacitação da mulherada (...) pra elas conhecerem realmente o que que é uma incubadora, pra depois começar a trabalhar mesmo, entendeu? Pra não haver mais diferenças, sabe? (...) onde nós vamos comprar, vamos vender, sabe? (...) eu quero que elas vejam o valor de cada etapa, em comprar o material, em produzir o material, aonde nós vamos vender, pra quem, qual é o público, sabe, se gastamos 10, quantas vezes mais a gente vai multiplicar?

D/E6

Otimização com restrições

(...) a gente tinha o desejo de um dia tocá os próprios instrumentos que constroem. Isso tá acontecendo, né. Se tu for ali agora tu vai que tem vários instrumentos, ali, que a gurizada tocando, que são produzidos dentro da fábrica de instrumentos aí das oficinas, né, de construção de instrumentos (...)

C/E1

O aprendizado, né (...) Ensiná o outro. Entra algum e diz: - Ah, mas eu sei fazê isso. Ah, então vem, ensina. Daí daqui a pouco aquela outra pessoa tá fazendo, a outra chega com outra novidade, sabe. E o entusiasmo que gera, né (...) A gente fico sem um lugar pra trabalha, aí foi bem difícil (...) a Maria (nome fictício) ofereceu a casa dela pra gente (...) surgiu o problema, foi solucionado (...)

D/E4

Operações inovadoras

(...) Hoje a gente tava comentando, né, do baldezinho de comida que ia cheio e que agora não vai, que não sobra (...) Agora a gente faz marmitex aqui também. Tem um número "x" que pode fazê. E o pessoal tá adorando cada vez mais (...) Ah, a gente vende, assim, em torno de umas dez por dia (...)

B/E2

E daí a gente fez isso, levou o grupo de apoio que se chama "Ser Livre" pra dentro do Projeto (...) abrindo um espaço pra gente trocá ideia a respeito de droga, alcoolismo, né, algumas coisas assim. Então, funciono, né. E aí esse grupo ele é aberto a comunidade.

C/E1

Quadro 1 – Categoria de análise: Inovação
Fonte: dados da pesquisa.

Em relação ao primeiro elemento considerado, métodos científicos de gestão, percebe-se que, como constatado nas falas de B/E3 e D/E6, os membros envolvidos nos projetos incubados demonstram, de uma maneira geral, ainda não possuírem técnicas e práticas de gestão bem definidas, apesar de estarem cientes do que almejam no que tange a tal aspecto. Neste âmbito, pode-se notar que os integrantes anseiam do período de incubação exatamente um aperfeiçoamento e uma profissionalização dos seus métodos, principalmente por meio de capacitação de todos os membros envolvidos no projeto.

Ao abordar a otimização com restrições e operações inovadoras, o entrevistado C/E1 relatou a implantação de uma fábrica para produzir os instrumentos usados pelo grupo como um modo de suprir uma dificuldade do empreendimento. A fala de D/E4 identifica a busca por melhorias diante das contingências vividas pelo grupo, como adotar o compartilhamento de conhecimentos por parte dos membros e a mobilização perante a falta de sede própria para trabalhar.

Observou-se que as operações inovadoras são um imperativo para que os objetivos dos empreendimentos sociais sejam alcançados. Os trechos das falas de B/E2 citam a operação inovadora adotada para lidar com o desperdício de comida, e C/E1 narra a inserção de um grupo de apoio ao projeto como estímulo a troca de ideias. Para Oliveira e Silva (2012, p. 285) "a inovação social surge de um desejo ou de uma necessidade que não estão sendo satisfeitos pelo Estado, ou pelo mercado e que encontram, principalmente nos países em desenvolvimento, mais espaço de atuação, pelas condições de degradação da vida humana". No caso dos projetos da Incubadora Social, pode-se inferir que a inovação ocorre para solucionar problemas, aproveitar oportunidades e para captar recursos e melhorias nos produtos e serviços.

4.2 Gestão de Riscos

No intuito de criar valor social, os empreendedores procuram formas que assegurem os recursos necessários à viabilidade dos empreendimentos sociais (Weerawardena, Mort, 2006), onde a gestão de riscos é fundamental para avaliar as dificuldades e projetar a sua sustentabilidade. A gestão de riscos pode ser avaliada a partir de incertezas associadas a financiamentos, subsídios do governo, doações e patrocínios, desvio da missão e estirpe de recursos e qualidade (Weerawardena, Mort, 2006; Smith,Stevens, 2010). O Quadro 2 expõe tais elementos no estudo realizado.

Categoria de análise: Gestão de Riscos

Elementos

Trechos das entrevistas

Empr/Entr

Incertezas associadas a financiamentos

(...) o financeiro (o que mais dificulta o desenvolvimento do projeto). A minha luta mantem isso aqui (...) se todo mundo colaborasse, ajudasse... tem gente que não acredita (...) a prefeitura... todo mundo. Os empresários, que se dessem uma mão (...) seria bem melhor.

B/E1

(...) As políticas. É que é assim, ó, tem muito dinheiro do governo, mas pra busca é uma novela. O quando tu consegue, até chega na tua mão... se passa mês, até anos. Então é complicado. Poder público. Parcerias tu fecha (...)

B/E3

Subsídios do governo, doações e patrocínios

(...) ficaram de nos conseguirem um local pra por no mercado e nós trabalha lá (...) não adianta, a gente não tem condições de começa fabricá. A gente gasta material, esse dinheiro é tirado do nosso bolso (...) como é que vamo se mantê?

A/E3

(...) As doações, né (dificuldades vivenciadas) as doações de alimento que a gente precisa (...) acho que se tivesse mais doações – assim, do grosso mesmo, do arroiz e feijão (...) aquela coisa que é preocupação de sempre, é melhor, né

B/E2

Desvio da missão, estirpe de recursos e diluição da qualidade

(...) A maior dificuldade foi com as pessoas, a falta de interesse e até de dinheiro pra começar (...) a gente começou a incentivar, mostrar o que é feito e mostrar que elas também são capazes de fazer (...)

D/E2

(...) Não é fácil essa vida de projeto social, é bonita pra quem de fora... quem aqui vê que o perrengue é grande, sabe (...) nós temos um intuito maior aqui (...) é formar uma cooperativa (...) não são só flores, né. Tem muito espinho antes de chegá e a gente toda hora matando leão (...) Basicamente é por eles que a gente faz esse trabalho (...)

C/E3

Quadro 2 – Categoria de análise: Gestão de Riscos
Fonte: dados da pesquisa.

As empresas sociais geralmente são vistas como organizações com significativo nível de risco econômico, onde a viabilidade financeira depende dos esforços dos seus membros para garantir recursos adequados para apoiar a missão social da empresa (Defourny, Nyssens, 2012). De acordo com esses autores, esses recursos podem ter caráter híbrido e vir de subsídios públicos, atividades comerciais ou de recursos voluntários. Constatou-se tais aspectos na fala de C/E2: "as pessoas não têm noção das circunstâncias pelas quais a grande maioria das vezes eu tive que me colocá em uma situação de mendigá um transporte de mendigá uma camiseta, de mendigá um lanche".

Observou-se pelas entrevistas que o risco financeiro das empresas incubadas é preocupação constante e os membros mais comprometidos pela busca de recursos são os próprios empreendedores sociais e as empresas voluntárias, sendo necessário maior comprometimento por parte do poder público, do governo e da sociedade quanto às necessidades e carências destas instituições. Os resultados também apontaram um consenso emergente entre estas organizações para a necessidade de diversificar sua fonte de renda e minimizar a dependência de fontes do governo para o financiamento dos projetos.

4.3 Proatividade

Segundo Weerawardena et al. (2010), a proatividade está relacionada à busca de oportunidades para a sobrevivência e projeção das organizações. Assim, as relações sinérgicas de experiências e habilidades entre indivíduos, a qualificação focada em técnicas de previsão e a angariação de fundos são importantes ações proativas para os empreendimentos sociais (Weerawardena, Mort, 2006; Korsgaard, Anderson, 2011). O Quadro 3 mostra trechos de falas que apontam o contexto de proatividade nos empreendimentos estudados.

 

Categoria de análise: Proatividade

Elementos

Trechos das entrevistas

Empr/Entr

Relações sinérgicas de experiências e habilidades

(...) Como é um grupo, então a gente fica com um pouco mais de força. Na verdade, o projeto foi pra, no caso, o primeiro passo... pra eu aprende, agora eu to dando mais um passo, que é a parte de foca mais (...) aqui a união faz a força, né, porque a gente tem que ta se unindo e também pra gente aprendê a convivê com as pessoas (...) tu lida com pessoas totalmente diferentes (...)

A/E2

(...) Eu me sinto bem conviver com o grupo, comecei por causa da Maria (nome fictício) e o grupo ta crescendo cada vez mais, é muito bom, a gente faz tudo junto, tu aprende a se relacioná, tu aprende a fala com as pessoas (...) eu até consigo agora fica aqui conversando contigo, porque eu tenho muita vergonha (...) eu me sinto muito bem trabalhando com a Maria (nome fictício), porque ela é minha amiga (...)

D/E3

Qualificação focada em técnicas previsão

(...) Na minha vida o projeto representa, assim, um espaço, né, de... troca, de aprendizado, de crescimento, né (...) a ideia é de oportunidade pra quem é carente, pra quem realmente precisa, né (...) a gente tem que fazê a diferença onde existe a necessidade (...) se constrói uma coisa se pensando em comunidade

C/E1

(...) Eu acho que a incubadora pode contribuir, no sentido assim ó, de nos dar condições de qualificar o nosso trabalho, né... Nos orientar a abrir toda parte administrativa e jurídica também (...) a gente tem que ter muito pé no chão, né! Pra fazer as coisas dentro do possível, né, dentro dos limites, né as coisas a gente sabe que tem que programar, tem que ter um bom controle financeiro, né!

E/E7

Angariação de fundos

(...) eu tenho várias oficinas aqui dentro da instituição (...) qualquer pessoa que quiser participá, pode participá, é 100% gratuito. A gente dá o material – a cada três trabalho que tu faz, um fica pra ti, dois fica pra gente vende(...)

B/E3

(...) Não tem como pegar vinte mulheres que não tem dinheiro nem pra comprar leite e levar pra universidade pra trabalhar (...) a maior dificuldade é no setor financeiro, de se locomover e de capital de giro. Porque se nós temos nosso cofrinho lá, né assim, aí se uma menina fica doente, nós tiramos todo o dinheiro, é uma comunidade, são amigas (...) Mas aí nós fazemos tudo de novo (...)

D/E6

Quadro 3 - Categoria de análise: Proatividade
Fonte: dados da pesquisa.

Através dos dados obtidos, observou-se que a maioria dos membros dos projetos incubados sente-se unida por um grande ideal, que é o crescimento pessoal e profissional. Existe um forte espírito de grupo e uma vontade coletiva de desenvolver os indivíduos que participam destes projetos, seja financeira ou socialmente, como aponta a fala de B/E3: "sozinho eu não faço nada... mais, em conjunto, cada um fazendo a sua parte, a gente faz a diferença".

Da mesma forma, no que diz respeito à proatividade em relação à qualificação e à angariação de fundos, os resultados revelam que os participantes dos projetos envidam esforços para ensinar o que sabem fazer ou sair em busca de recursos financeiros, seja em doações ou nas vendas de seus produtos. Para Weerawardena et al. (2010), a incerteza sobre a disponibilidade de financiamento do projeto surge como um fator-chave para as organizações socialmente empreendedoras sobre como moldar estratégias de ação.

4.4 Capital Humano

A teoria do capital humano sustenta que o conhecimento aumenta as capacidades cognitivas dos indivíduos, levando à atividade potencial mais produtiva e eficiente (Becker, 1964; Davidsson, Honig, 2003). Segundo Davidsson e Honig (2003), os indivíduos com capital humano elevado tem maior capacidade de explorar oportunidades e empreendimentos. Martin et al. (2013) destacam que o capital humano inclui nível de educação, experiência de trabalho e experiências de vida. O Quadro 4 ilustra depoimentos acerca do capital humano.

Categoria de análise: Capital Humano

Elementos

Trechos das entrevistas

Empr/Entr

Formação do empreendedor

Eu fiz Magistério no Instituto de Educação. Me formei, dava aula para a terceira e quarta série. Depois casei e fiz a faculdade de Letras.

D/E6

Não quis estudar (...). Meu grande problema, defeito que eu tenho, foi não ter estudado. Então hoje eu pagando pelas coisas negativas. Eu como um bom servente estava sempre atacando aos poucos o que precisava atacar pra ajudar e ajudando em casa também.

E/E5

Experiência profissional

 Eu trabalho em bar, chapista né, lanches rápidos, congelados, fritos, com massa cozida também (...) xis é uma coisa que eu sempre vendi. Faz anos que eu faço isso. E também trabalho de ajudante de confeitaria (...) sempre direcionado para o lado de lanches. Mas fora isso, já trabalhei com outras coisas, né, babá, auxiliadora de idosos.

A/E2

Hoje eu estou trabalhando em uma Universidade Federal, atuando como professor das disciplinas de Fundamentos da Educação Musical e Organização e Prática Pedagógica Musical, coisas que eu nunca estudei na vida (...) Criei o laboratório de percussão (...) fui convidado essa semana para assumir a coordenação do projeto (...)

C/E2

Plano para realizar as atividades do empreendimento

Como eu tava desempregada, tudo né - não tinha nada o que fazê, eu achei interessante, né, para mim uma ocupação, né. Aprendê a fazê as coisas também, né, pra mim podê fazê pra mim também. Elas (integrantes do projeto) me ajudam e eu ajudo elas também, né. É tipo assim, uma família.

D/E1

Nós éramos uma instituição. A gente era assim: pela Pastoral da Criança a gente atuava em uma garagenzinha (...) o grupo que começou lá em 2004 era um, e as pessoas foram indo embora. Como é voluntariado, quer dizer, é um ciclo muito grande de pessoas aonde vem um, sai um.

B/E3

Quadro 4 - Categoria de análise: Capital Humano
Fonte: dados da pesquisa.

Os membros envolvidos nos projetos incubados possuem formações diversas, desde baixa escolaridade até indivíduos com pós-graduação. A experiência profissional também revela extremos, incluindo pessoas com nenhuma experiência no mercado de trabalho formal até indivíduos com vasta experiência, como funcionários de empresas públicas.

Em relação ao plano para realizar atividades do empreendimento, constatou-se inexistir um planejamento para realização dos projetos incubados, conforme evidenciado nas falas dos entrevistados D/E1 e B/E3. Na visão de alguns membros, participar do projeto ocorreu devido a necessidades pessoais e profissionais, como ratifica o depoimento do entrevistado E/E7: "E lá no projeto a gente sempre lá, (...) então eu acho assim, uma complementação de renda."

  As evidências sugerem que os projetos incubados surgiram por iniciativas de indivíduos, sem um planejamento e conhecimento prévio, como sugere Jiao (2011). Também constatou-se que as atividades dos projetos têm sido realizadas sem planejamento e foco nas capacidades e utilização de recursos, a fim de contribuir para o desenvolvimento de atividades de empreendedorismo social, que é o mecanismo subjacente de transformações sociais, como defende Jiao (2011). Neste sentido, participar da incubadora social pode contribuir com esse processo por meio da capacitação técnica e profissional dos integrantes e gestores dos projetos.

4.5 Fatores do Ambiente Social

Os fatores do ambiente social compreendem o suporte de terceiros (indivíduos, grupos e organizações), o financiamento dos empreendimentos sociais (subsídios e recursos financeiros) e o monitoramento e avaliação dos empreendimentos (Jiao, 2011). O Quadro 5 ilustra a perspectiva dos entrevistados acerca dos fatores do ambiente social.

 

Categoria de análise: Fatores do Ambiente Social

Elementos

Trechos das entrevistas

Empr/Entr

Apoio de terceiros

(...) tem vários cursos que estão vindo aqui para dar suporte, através da Incubadora Social (...) Tem todo um movimento, uma vida acadêmica acontecendo na nossa volta (...) a gente pode se valer disso. O contato com as pessoas, o simples fato da gurizada vir pra dentro da Universidade fazer esse movimento (...) como o projeto tem convênio já há um bom tempo com a Universidade, ela é um espaço de trabalhos, de extensão da Universidade.

C/E1

Tenho parceria já com algumas empresas: Comida Brasil. SESC, que já eram meus parceiros (...) Eu tenho as doações fixas. Eu tenho a Construtora Alfa (...) Todo mês dia "x" vem um tanto de alimento Eu sei que vai vir tanto de óleo, tanto disso, é certo (...). Mas eu tenho que pensar que aquilo ali é pouco. Preciso de mais outro pouco.

B/E3

Financiamento dos empreendimentos sociais

(...) o nosso problema é que a cidade não existe, o maior problema. Qualquer cidadezinha por aí tem a casa do artesão e aqui na cidade não (...) o problema é do governo, do município. O problema maior é esse. E outra coisa, aqui na cidade o artesanato não é muito valorizado.

E/E6

(...) o que falta é o dinheiro, é o dinheiro e o local para trabalhar (...). Nós trabalhamos com recursos próprios, ela leva o tecido, ela leva a cola, ela leva a agulha. Outra não tinha nada, a outra comprou um chinelo pra bordar, a outra fez um guardanapo e deu um saco para a outra fazer. Eu não tenho, lá e peço para ela uma linha

D/E7

Monitoramento e avaliação dos empreendimentos

(...) no empreendimento tem que ter um acompanhamento técnico (...) dentro da Universidade tem os acadêmicos, tem todos os cursos que acho que a gente precisa, né (...) a parte da Administração, Contabilidade, tem tudo aqui. Tem as pessoas certas para nos auxiliar, para nos mostrar como é que faz isso. Na parte de fabricação tem a galera do Design, da Engenharia, da Engenharia Acústica, né, o pessoal do curso de Música mesmo.

C/E3

A falta de interesse do pessoal (...). Olha, por isso que eu te digo, se a gente tivesse o apoio, né, jurídico, pra gente podê abri logo, né, nosso estabelecimento lá. É lógico que ia certo aqui.  Porque aqui o projeto é a incubação, então é pra abrí, né, uma cooperativa, uma coisa.

A/E3

Quadro 5 - Categoria de análise: Fatores do Ambiente Social
Fonte: dados da pesquisa.

O Quadro 5 mostra uma avaliação favorável dos entrevistados em relação ao apoio de terceiros, destacando o suporte da Incubadora Social e de organizações públicas e privadas. Porém, quanto ao financiamento dos empreendimentos sociais, parte dos entrevistados manifestou insatisfação, sugerindo que demandas pontuais como doações ou apoio a eventos existe o suporte de terceiros e para demandas de longo prazo faltam incentivos, principalmente de instituições governamentais.

Shaw e Carter (2007) afirmam que o empreendedorismo social tem sido apontado como uma forma inovadora de abordar as necessidades socioeconômicas não satisfeitas, por meio do pensamento inovador, fornecendo soluções criativas que produzam mudanças sociais. O desenvolvimento do empreendedorismo social tem acompanhado a incapacidade do Estado para satisfazer as necessidades sociais específicas de pessoas vulneráveis (Parente, 2014). A constatação dos entrevistados acerca da carência em relação ao financiamento dos empreendimentos sociais por parte de instituições governamentais pode estar associada a esta perspectiva.

Em relação ao monitoramento e avaliação dos empreendimentos pode-se constatar opiniões divergentes dos membros dos projetos, como ilustra o depoimento dos entrevistados C/E3 e A/E3. Por um lado o entrevistado C/E3 destaca a existência de um apoio e monitoramento das atividades do projeto, conforme as necessidades das diversas áreas, como por exemplo, Administração e Música. Por outro lado, o entrevistado A/E3 afirma haver pouco interesse e apoio para a "abertura do negócio".

Cabe destacar que alguns projetos possuem membros com alta escolaridade e experiência profissional na área do empreendimento, como C/E3. Em outros projetos, os membros possuem baixa escolaridade e nenhuma experiência profissional, como o entrevistado A/E3, o que pode influenciar a apreciação em relação ao monitoramento e avaliação do empreendimento.

4.6 Fatores do Ambiente Institucional

 Neste aspecto, o ambiente institucional caracteriza-se por valores e regras socialmente aceitos, aos quais as organizações deverão se adequar para receber suporte e legitimidade do ambiente (Meyer, Scott, 1983).  Jiao (2011) destaca fatores do ambiente institucional que afetam os empreendimentos sociais, como o apoio do governo e a concorrência no setor (Quadro 6).

 

Categoria de análise: Fatores do Ambiente Institucional

Elementos

Trechos das entrevistas

Empr/Entr

Apoio do governo

(...) como a gente depende de um selo, de um cadastro, pra alguma coisa, eu vejo que a Prefeitura é meio deficiente pra isso.

A/E2

O problema é que a cidade não tem investimento, entendeu? Tipo, tem uma Prefeitura que é super parceira nossa, ajuda nós, mas não tem dinheiro. Ah, tem a Universidade aqui que é tri massa, mas o orçamento não pode destinado pra investimento de projeto social.

C/E2

Concorrência no setor

(...) a gente tem bastante dificuldade, pra por os nosso produto no mercado, né (...) tem uma carga de coisas por trás do produto, né, pra ti coloca (...) tu tem oportunidade, tu conhece várias pessoas (...) mas tem pessoas que já tem o negócio que tu poderia fazê e aí tu deixa lá.

A/E2

Essa é uma cidade muito difícil da gente trabalhar, existe bastante gente que faz artesanato, não diria assim que são artesões, né, mas eles fazem. Tão ali, tão vendendo em shopping, tão vendendo aqui, tão vendendo ali (...) e nós não temos um lugar pra expor, hoje a gente depende assim de feras.

E/E1

Quadro 6 - Categoria de análise: Fatores do Ambiente Institucional
Fonte: dados da pesquisa.

Como evidenciado nos depoimentos de A/E2 e C/E2 há uma insatisfação em relação ao apoio de órgãos governamentais, associada à inexistência de incentivos para formalizar projetos e também a carência de recursos financeiros.

 Outro elemento avaliado foi a concorrência no setor, que dificulta a implementação e formalização dos projetos sociais. Como a maioria dos empreendimentos sociais envolve artesanato, os membros destacaram haver muita informalidade no setor, sendo que muitos indivíduos não são considerados artesãos. Tal fato também foi evidenciado no estudo desenvolvido por Maurer (2011), onde a autora constatou que, em alguns casos analisados, o artesanato passa a ser uma alternativa para muitas pessoas que não conseguem ingressar no mercado de trabalho.

5. Discussões e Conclusões

O primeiro passo para atender o objetivo do estudo foi identificar as características do empreendedorismo social presentes nos empreendimentos estudados. Segundo os depoimentos, as características encontradas foram: visão social do empreendimento, necessidade de melhorar o bem-estar dos envolvidos, necessidade de proporcionar autonomia e geração de renda, busca de estratégias e formas de gestão para a criação de valor social, responsabilidade social através da utilização de materiais recicláveis e de sucata para a confecção dos produtos, entre outros.

O segundo passo do estudo foi identificar quais atributos comportamentais (capacidade de inovação, gestão de riscos, proatividade, capital humano, fatores do ambiente social e fatores do ambiente institucional – categorias analíticas) estão presentes nas organizações estudadas.

Em relação à capacidade de inovação, a partir das análises das entrevistas, constatou-se a busca de aperfeiçoamento de produção e gestão, busca de profissionalização para melhorias nos produtos e serviços, capacitação das pessoas, entendimento do mercado, uso e aproveitamento dos materiais, troca de ideias, experiências e aprendizados, entre outros.

Quanto à gestão de riscos, observou-se pelas falas dos entrevistados que a escassez de recursos e a falta de viabilidade financeira dos empreendimentos podem ser os fatores de risco mais imperativos para a continuidade dos projetos. Para trabalhar esses aspectos e não ficar à mercê de subsídios públicos e financiamentos, que muitas vezes dependem de processos burocráticos e demorados, os participantes dos empreendimentos desenvolvem atividades comerciais ou participam voluntariamente com recursos próprios.

Em relação à proatividade, observou-se que a convivência, a união dos indivíduos por um ideal e as relações grupais são incentivadoras para a superação de dificuldades, como mostraram as falas de A/E2 e D/E3. Outros aspectos citados foram o espírito de grupo e a vontade de desenvolver as pessoas social e financeiramente, através de ensinamentos e oportunidades de qualificação do trabalho ou da busca por doações ou recursos financeiros.

Na categoria de análise capital humano, observou-se entrevistados com formações e experiências profissionais diversificadas, com sujeitos com ensino fundamental incompleto até pós-graduação, uns sem experiência formal de trabalho e outros com bastante experiência e tempo de serviço. Um aspecto importante citado pelos entrevistados foi a falta planejamento para execução dos projetos, incluindo a falta de foco nas capacidades potenciais dos grupos e utilização dos recursos, contando apenas com o trabalho voluntário dos indivíduos, porém sem o direcionamento necessário para a efetividade dos empreendimentos. A participação na incubadora social pode contribuir com esse processo por meio do compartilhamento de saberes e da capacitação técnica e profissional dos integrantes e gestores dos projetos.

Quanto aos fatores do ambiente social, destacou-se a valorização dos participantes dos projetos incubados, tanto pelas ações da Universidade em relação ao apoio recebido através do conhecimento de professores e voluntários, quanto pelas empresas da comunidade que se tornaram parceiras dos projetos através de doações e incentivos. No entanto, grande parte dos entrevistados manifestou preocupação em relação à falta de incentivos, principalmente de instituições governamentais.

Outro aspecto importante dentro dessa categoria de análise foi a constatação de que os participantes dos projetos não possuem a mesma percepção sobre o monitoramento e avaliação dos empreendimentos.

Quanto aos fatores do ambiente institucional, os principais aspectos que afetam os empreendimentos estudados são a falta de apoio dos órgãos governamentais, a concorrência com empresas cadastradas e regulamentadas, a falta de espaço físico para a exposição dos produtos e a falta de verba para investir nas empresas, entre outros. Também foi apontada a dificuldade em regularizar as atividades comerciais junto aos órgãos competentes por se tratarem de empreendimentos sociais, dificultando a implementação e formalização dos projetos.

O terceiro passo adotado foi analisar como os atributos comportamentais podem contribuir com a criação de valor social. Estes empreendimentos estão passando por um processo de desenvolvimento em prol da emancipação e sustentabilidade, visando garantir as oportunidades de mercado e a maximização do valor social de longo prazo, conforme destacam Lepoutre et al., (2013). Constatou-se que, principalmente os atributos capacidade de inovação, proatividade e capital humano, têm contribuido para a criação de valor social, uma vez que estes têm influenciado positivamente o desenvolvimento dos empreendimentos incubados.

Os resultados encontrados apontaram também que os fatores gestão de risco, fatores do ambiente social e fatores do ambiente institucional configuram-se entre os mais deficitários em relação à criação de valor social. Isto porque, a escassez de recursos e de incentivos financeiros foram sinalizados como uma barreira para o progresso e a formalização dos empreendimentos. No entanto, convém ressaltar, que a criação de valor também tem diferentes facetas que podem ser contraditórias em diferentes níveis (Korsgaard, Anderson, 2011).

Como fatores limitantes da pesquisa, evidencia-se que os atributos analisados, apesar de se apresentarem como significativos, não esgotam as possibilidades de inclusão de outros construtos associados a criação de valor social em empreendimentos coletivos. Estudos futuros podem aprofundar o tema empreendedorismo social no processo de criação de valor social, incluindo outros aspectos, bem como a perspectiva de gestores das incubadoras sociais as quais abrigam esses empreendimentos.

Finalmente, este estudo empírico demonstra que o empreendedorismo social, enquanto criador de valor social, atravessa um dilema histórico de autonomia e de identidade social, econômica, política e cultural, difícil de ultrapassar: não depender dos financiamentos do Estado e ter a capacidade de concorrer através de preços  de um mercado cada vez mais globalizado.

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1. Doutoranda/ Universidade Federal de Santa Maria – PPGA- Brasil –lisifaller@gmail.com
2. Professora Doutora/ Universidade Federal de Santa Maria – DCA/PPGA – Brasil - Bolsista da CAPES - Processo BEX nº 1264/14-1. – vaniaestivalete@ufsm.br

3. Professor Doutor/ Universidade de Lisboa – ISEG/SOCIUS – Portugal – jmcf@iseg.utl.pt

4. Doutoranda/ Universidade Federal de Santa Maria – PPGA- Brasil –vivianfc13@gmail.com

5. Doutoranda/ Universidade Federal de Santa Maria – PPGA- Brasil –tais0206@gmail.com


 


Vol. 37 (Nº 11) Año 2016

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