Espacios. Vol. 37 (Nº 10) Año 2016. Pág. 17

Direito, política e gestão das águas do Brasil: Uma abordagem interpretativa

Right, policy and water management of Brazil: An interpretative approach

Erivaldo Moreira BARBOSA 1; Maria de Fátima Nóbrega BARBOSA 2

Recibido: 06/12/15 • Aprobado: 15/01/2016


Contenido

1. Introdução

2. Metodologia

3. Águas: direito, política e gestão

4. Considerações finais

Referências


RESUMO:

O objetivo deste artigo científico é interpretar as Águas do Brasil, por meio da tríade relacional direito-política-gestão. A ONU aprovou, em Assembleia-Geral, a Água, como Direito Humano e os países signatários devem inserir no bojo dos sistemas jurídicos internos, a Água como Direito Fundamental. Os recursos hídricos do Brasil descritos na Constituição Federal de 1988 e principalmente na Lei de Águas nº 9.433/97, a qual contém a Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SNGRH que carecem de desnudamento. O método aplicado denomina-se hermenêutico-sistêmico que permite vasculhar as dimensões jurídicas, políticas e administrativas estatais, de forma interpretativo-interdisciplinar. Apreende-se que a Agência Nacional de Águas – ANA, deve implementar a PNRH e o SNGRH adotando os princípios participativos, descentralizados e inclusivos, valendo-se de um modelo sistêmico integrativo hídrico bastante alargado e democrático.
Palavras-Chave: recursos hídricos; sistêmico; participação.

ABSTRACT:

The aim of this article is to interpret the Brazil's Water, through a relational triad right-policy-management. The United Nations approved, in General-Assembly, the Water, as Human Right and the signatories countries should introduce on the core of internal legal system, the Water as Fundamental Right. The water resources of Brazil described on the Federal Constitution of 1988 and mainly the Water Law n. 9,433/97, which contains the National Policy of Water Resources – PNRH and the National Water Resource Management – SNGRH that lack of further analysis. The method applied is called hermeneutic-systemic and it is possible to investigate the state legal, policy and administrative dimensions, through the interpretative-interdisciplinary. It is realized that the National Agency of Water – ANA, should implement the PNRH and the SNGRH adopting the participatory principles, decentralized and inclusive, using a water integrative systemic model rather broad and democratic.
Keywords: water resources; systemic; participation.

1. Introdução

O objetivo primordial deste artigo científico é debater o Direito, a Política e a Gestão Hídrica do Brasil a partir da reformulação estatal e do novo arranjo jurídico-institucional em meados dos anos 90, do século XX. Para tal intento a investigação epistemológica se valerá de um referencial teórico das águas e de um método de pesquisa denominado hermenêutico-sistêmico, o qual permitirá possibilidade no aprofundamento interpretativo das questões levantadas.

Tal temática central se torna-se relevante à medida em que os conflitos hídricos se avolumam em quantidade e qualidade; ademais, os problemas decorrentes da posse, uso e propriedade sobre o direito de águas, ampliam suas escalas sendo não mais questões locais e sim, problemas regionais e globais, em escalada transfronteiriças que carecem de investigações.

A tríade Direito-Política-Gestão em seu trajeto conflitivo e harmônico ao ser desnudada contribuirá com o desvelar de informações acerca do funcionamento do arranjo-institucional hídrico brasileiro; todavia este movimento se tornar fidedigno com a ajuda do Direito de Águas, o qual possibilitará, acostando-se ao método proposto tal fruição.

A título de introdução, o Brasil é o 13º país em quantidade de água doce mundial; contudo, a distribuição espacial-regional não apresenta uma proporcionalidade entre as cinco regiões do país, ou seja, 81% estão concentrados na Região Hidrográfica Amazônica. Por sua vez, a Região Nordeste se mostra com déficit hídrico, tanto do ponto de vista quantitativo quanto do qualitativo. (ANA, 2015). Daí por que, se torna relevante esgarçar o debate em torno das Águas do Brasil.

2. Metodologia

A investigação epistemológica se ancora no método hermenêutico-sistêmico, que   possibilita apreender a essência dos textos em seus vieses interpretativos e como entender nuances contidas no âmbito de instituições e entidades, além de mudanças culturais, as quais versam sobre questões hídricas. Sem embargo, também amplia seu raio de atuação sobre os aspectos sociais, políticos e gerenciais das águas de sorte que é plausível, por meio da hermenêutica, compreender e contextualizar mudanças jurídicas-culturais em diversos ecossistemas pátrios com o intuito de melhor aclarar a Política Nacional de Recursos Hídricos Brasileira - PNRH e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SNGRH. (BARBOSA, 2006).

3. Águas: direito, política e gestão

O Artigo Científico perfaz um trajeto não-linear com o escopo de vasculhar locais recônditos da Política e da Gestão de Águas do Brasil traçando, pois, um panorama hídrico-estatal. Para tal desiderato o direito de águas, valendo-se do método hermenêutico-sistêmico, ajudará na interpretação de artigos científicos; livros versados sobre águas; relatório hídrico tal como a Constituição Federal de 1988 (C.F. de 88) e a Lei Federal de Águas (nº 9.433/97) com o escopo de captar informações da PNRH e do SNGRH.

3.1. Direito de Águas

De acordo com um jushídrico, o direito de águas é definido como um complexo de princípios e normas jurídicas que disciplinam o domínio, o uso, o aproveitamento, a conservação e a preservação das águas, da mesma forma como a tutela contra suas deletérias consequências. (POMPEU, 2006)

Daí se interpreta que o Direito de Águas ao exigir a organização – das águas (doces, salobras e salgadas) ou, ainda, águas (quantitativas e qualitativas) ou então, águas (superficiais ou subterrâneas); bem como águas (federais, estaduais e distritais) – por meio de princípios e normas, visa contribuir para mitigar os inúmeros conflitos hídricos ocorrentes nos diversos ecossistemas das regiões pátrias. Ademais, as águas do Brasil são bens públicos (Lei nº 9.433/97) e de uso comum do povo (C.F./88, Art. 225), sobre as quais o Estado tem o poder/dever de cuidar para evitar sua degradação, deterioração ou poluição. Frise-se que no país em comento não mais existem águas particulares visto que a Constituição Federal (1988, Art. 20, inciso III), afirma que são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de águas em terrenos de seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limite com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginas e praias fluviais. No Brasil, todas as águas são públicas, quer dizer, ou são águas federais, ou são águas estaduais ou, então, águas distritais. Aos particulares, bem como as empresas, permite-se tão somente o direito de uso mas nunca a titularidade ou o domínio desses bens.

As águas nacionais carecem da proteção do Direito, face a esses bens jurídico-ambientais serem, na contemporaneidade, valorados economicamente; outrossim, os recursos hídricos são imprescindíveis para a sobrevivência dos seres vivos inclusive os seres humanos, bem como necessários à agricultura, à indústria, à piscicultura, ao abastecimento das pessoas, ao turismo etc. Conforme atesta um distinto jushídrico (Silva, 1998) a água é um bem cogente à vida: faz parte dos processos ecológicos importantes, como o da fotossíntese, o da quimiossíntese e o da respiração; além disto, atua como habitat e nicho ecológico de vários tipos de animais e vegetais.

O principal documento brasileiro denominado Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, ao mesmo tempo em que possibilitou a interpretação das águas nacionais como bem público de uso comum do povo, exigiu que a União instituísse um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e definisse os critérios de outorga de direitos de seu uso. (C.F./88, Art. 21, inciso XIX). Em cumprimento ao preceito exigido, o Poder Legislativo Federal criou, em conformidade com as atribuições descritas na Carta Mater, a Lei Ordinária Federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, a qual aborda a PNRH e o SNGRH. (C.F./88, Art. 59).

A organização político-administrativa do Brasil recepciona o princípio da federação e compreende as seguintes pessoas jurídicas de direito público interno, a saber: a União (1 pessoa jurídica), os Estados-Membros (26 pessoas jurídicas), os Municípios (5.561 pessoas jurídicas) e o Distrito Federal (1 pessoa jurídica) todas autônomas, as quais devem respeitar os mandamentos hierárquicos constitucionais (C.F./88, Art. 18, caput). O número muito grande de pessoas jurídicas públicas poderá gerar um aumento no grau de complexidade da PNRH e do SNGRH caso o Direito de Águas não atue de forma eficiente e eficaz no ordenamento jurídico interno do país.

Para que o princípio da federação seja efetivamente cumprido torna-se indispensável explicar o funcionamento das competências constitucionais uma vez que estas estabelecem os limites de atribuições e prerrogativas das pessoas jurídicas públicas nas esferas hídricas. Por competência compreende-se a capacidade, no sentido de poder, em face do qual a autoridade ou pessoa possui, legalmente ou constitucionalmente, faculdade para conhecer e decidir sobre determinados atos jurídicos. (SILVA, 2006).

No tocante às águas do Brasil, a União é competente para legislar sobre recursos hídricos, quer dizer, é competente para criar o direito de águas. Os Estados-Membros, por sua vez, são competentes para legislar mas apenas sobre a administração (gestão) das águas porém, do ponto de vista técnico-jurídico, não criam o direito de águas. Quanto ao Distrito Federal, segue a mesma regra dos Estados-Membros: podem legislar sobre a gestão das águas distritais, tão somente. Enquanto os Municípios, não possuem, em princípio, competência constitucional para legislar sobre o direito de águas, nem legislar sobre a gestão hídrica; por outro lado, o Art. 30, ao afirmar que compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local, além de poder suplementar a legislação federal e estadual no que couber, abre uma fenda para que os mesmos legislem sobre as águas mas se frise que, jamais devem desconsiderar os limites previstos na própria Constituição Federal. Enfim, os Municípios Brasileiros têm legislado sobre poluição hídrica pois a poluição afeta toda a população municipal; logo, trata-se de assunto de interesse local, matéria esta não vedada pela C.F./88.

O Direito de Águas amplia, ainda, seu raio de atuação quando, constitucionalmente, é chamado para dirimir conflitos na área de recursos hídricos. Desta forma, o Direito Processual de Águas, por intermédio de princípios e normas específicas, bem como por meio de procedimentos próprios, age no âmbito do Poder Judiciário Federal e Estaduais com o objetivo de recompor os litígios das inúmeras demandas que lhes são protocoladas. Por outro lado, no Organograma Judiciário Federal do Brasil (C.F./88, Capítulo III) já deveria figurar uma Vara Judiciária especializada em matéria de águas e/ou ambiental, com atribuições e prerrogativas constitucionais e legais com jurisdição em todo o território nacional. Tais poderes especializados contribuiriam na mitigação dos conflitos de águas além de tornar célere, menos custosos e democráticos, os processos judiciais que versam sobre matérias hídrico-ambientais.

O Direito de Águas em sua totalidade ao atuar em prol do desenvolvimento sustentável e da melhoria da qualidade de vida dos seres vivos e especificamente dos seres humanos, contribuirá com o avanço do Estado Democrático de Direito. 

Assim, a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas – ONU, em 28 de julho de 2010, aprovou a Resolução A/64/292 reconhecendo o Direito Humano à ÁGUA. Tal direito necessitou, para ser aprovado, de várias rodadas de negociações no âmbito da ONU. Historicamente, todo o evoluir dos direitos humanos, direta ou indiretamente, vem contribuindo com o desabrochar do direito humano à água mais especificamente com as resoluções 54/175 de 17 de dezembro de 1999, que tratam sobre o direito ao desenvolvimento; 55/196 de 20 de Dezembro de 2000, que proclama 2003 como o Ano Internacional de Água Doce; 58/217, de 23 de dezembro de 2003, que proclama a Década Internacional para Ação "Água para a Vida", 2005-2015; 61/192, de 20 de Dezembro de 2006, que proclama 2008 como Ano Internacional do Saneamento; Agenda 21 de Junho de 1992; a Agenda Habitat de 1996; o Plano de Ação de Mar del Plata de 1977, aprovada pela Conferência da Água das Nações Unidas, e a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de Junho de 1992. (ONU, Assembleia-Geral RES A/64/292, 2010).

A ONU reconhece a necessidade de que todos os seres humanos disponham de água potável e limpa, a qual passa a figurar como componente dos direitos humanos, em geral. Ademais, a ONU reafirma que os Estados sejam responsáveis na promoção e proteção do Direito Humano à Água, que são universais, interdependentes e inter-relacionados e devem ser respeitados nas mesmas condições que os outros direitos humanos. (ONU, Assembleia-Geral RES A/64/292, 2010).

No Brasil, o Direito Humano à Água já deveria ser alçado ao patamar de Direito Fundamental à Água. Parte da literatura jurídico-hídrica diferencia tais direitos uma vez que o Direito Humano à Água se refere ao Direito Internacional enquanto que o Direito Fundamental à Água, se reporta do Direito Interno. Indaga-se, qual o sentido prático dessa diferença: A Água, ao migrar ao status de Direito Fundamental, tornar-se-ia matéria constitucional e passaria a figurar como um direito de grande relevância no país  ladeando-se, inclusive com outros direitos fundamentais, tais como o direito à vida, o direito à saúde e o direito à educação, dentre outros similares.

Atualmente, no cenário pátrio vêm tramitando no Congresso Nacional duas Emendas Constitucionais: a PEC 39/07 e a PEC 213/12, as quais versam acerca de água para o consumo humano como o direito social para todo o povo brasileiro. O propósito primordial é inserir a ÁGUA no âmbito da C.F./88, no Art. 6º, Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo II, Dos Direitos Sociais. (BRASIL: PEC 39/07; PEC 213/12). Apesar dos esforços de alguns parlamentares, a tramitação das Emendas Constitucionais para que seja incluída a ÁGUA (reconhecida pela ONU como Direito Humano) na C.F./88 como Direito Fundamental, ainda é um desiderato, um porvir na espera de um dia ser efetivada. Tal argumentação tem sentido pois ao incluir a água como direito fundamental no bojo do ordenamento jurídico constitucional, obriga o Estado Brasileiro a garantir água potável para todas as pessoas, inclusive aos necessitados economicamente.

O Direito de Águas ao reconhecer a Resolução A/64/292 da Assembleia-Geral da ONU e exigir ação proativa do Congresso Nacional na positivação do Direito Humano à Água, tornando-o Direito Fundamental-Constitucional, contribui significativamente com a melhoria da Qualidade de Vida e com o Estado Democrático de Direito.

3.2. Gestão e Política de Águas

Ao se deparar com a gestão e a política de recursos hídricos em escala macro, Tundisi et al (2008) advertem que no contexto social, político e ambiental do século XXI são fatores preponderantes para a crise de água, a saber: forte urbanização, alargando a procura por água (apud Tucci, 2008); falta d'água em várias regiões da terra, face às variações na disponibilidade e ampliação da demanda; ausência de articulação e inexistência de ações eficientes na governança hídrica e enfraquecimento da sustentabilidade ambiental; escassez de água devido a mudanças globais alterando a vulnerabilidade dos seres humanos e afetando a segurança alimentar, com chuvas torrenciais e estiagens prolongadas. (TUNDISI ET AL, 2008).

A política hídrica comporta, minimamente, três aspectos determinantes: 1. A organização político-administrativa de uma região – poder centralizado ou descentralizado; 2. A função determinada para o Estado nas diferenciadas etapas do processo, ou seja, determinação de prioridades, implantação, gestão, monitoramento e avaliação de políticas públicas além de possibilidades de inserção de práticas democráticas, as quais levem em conta os princípios da equidade, justiça social e sustentabilidade ambiental e eficiência socioeconômica. (CAMPOS e FRACALANZA, 2010).

No caso da PNRH do Brasil, sua organização político-administrativa ancorada no arranjo institucional implementado pela Lei nº 9.433/97 e em conformidade com o Art. 1º, inciso VI deve, obrigatoriamente, ser descentralizada e contar com a participação não apenas do Poder Público mas também dos usuários e da comunidade (leia-se sociedade civil organizada). Tal exigência legal não deve ser descuidada pelos órgãos de controle das esferas, executivas e judiciárias, para que essa organização seja efetivamente alcançada.

Uma política imbricada com a gestão hídrica deve, então, ser fincada nos termos propostos por Petrella (2002) in O Manifesto da Água: argumentos para um Contrato Mundial o qual busca, nesses limites, uma abordagem de que a água deve ser protegida, compartilhada e utilizada como um bem de uso comum; portanto, deve ser acessível a todos os seres humanos.

De acordo com Setti (2001) uma gestão de águas eficiente deve ser fundamentada em uma política que mostre com clareza suas principais diretrizes, um modelo de gerenciamento que contenha uma organização jurídica e institucional, além de um sistema de gerenciamento que acolha os instrumentos com o propósito de implementar efetivamente o planejamento do uso, controle e proteção hídricas.

Uma gestão de águas deverá inclusive, trilhar em procedimentos de um desenvolvimento em sentido de uma sustentabilidade de longo prazo, que persiga os seguintes passos: planejamento eficiente; ações preventivas; abordagem integrada; espaços locais de ação; desenvolvimento de parcerias e mudanças culturais. (DOWBOR, 2005).

Assim, uma gestão hídrica planejada nos termos privatistas do Conselho Mundial de Águas (Fóruns Mundiais de Água – Marrakesh, 1997; Haia, 2000; Kyoto, 2003; Cidade do México, 2006; Istambul, 2009) e do Banco Mundial, ou seja, sem o aval das pessoas carentes de águas, torna-se arriscada, e os governos dos países devem estar vigilantes ao firmarem contratos de gestão de águas com essas instituições internacionais; por sua vez, uma gestão que garanta concomitantemente justiça social, viabilidade econômica e sustentabilidade ambiental em torno dos recursos hídricos, é um processo complexo que exige observância aos requisitos da intersetorialidade, da ética e do respeito à vida. A junção principiológica (conservação, justiça e democracia) da água, exposta por Barlow (2009) deve, obrigatoriamente, ser observada no momento da implementação de um processo de gestão hídrica do Brasil.  

Um conceito fortemente ligado à expressão gestão de águas, denomina-se gerenciamento hídrico, o qual pode ser descrito como um conjunto de ações governamentais destinadas a regular o uso, o controle e a proteção das águas e a avaliar a conformidade da situação corrente com os princípios doutrinários estabelecidos pela política das águas. Essas ações governamentais são expressas por leis, decretos, normas e regulamentos vigentes. (SETTI, 2001).

Desta forma, interpreta-se que a Lei nº 9.433/97 se divide em sua estrutura, em PNRH e SNGRH, este, por sua vez, pode ser expresso de acordo com a figura 1, mostrada a seguir.    

Figura 1: Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

http://www.mma.gov.br/estruturas/161/_imagens/singreh_161.gif

 Fonte: Ministério do Meio Ambiente (MMA), 2015.

Conforme o Arranjo Institucional da Figura 1, as principais atribuições do SNGRH podem ser resumidas da seguinte forma: a) Conselhos, compete subsidiar a formulação da política de recursos hídricos; b) Ministério do Meio Ambiente/Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano (MMA/SRHU); cabe formular a Política Nacional de Recursos Hídricos e subsidiar a formulação do orçamento da União; c) ANA, compete implementar o SNGRH, outorgar e fiscalizar o uso de recursos hídricos de domínio da União; d) Órgão Estadual, outorgar e fiscalizar o uso de recursos hídricos de domínio do Estado; e) Comitê de Bacia Hidrográfica, cabe decidir sobre o plano de recursos hídricos (quando, quanto e para quê cobrar pelo uso de recursos hídricos; e f) Agência de Água, a qual funciona como escritório técnico do comitê de bacia. (MMA, 2015).

Este Arranjo Institucional é bastante contributivo com o esclarecimento das competências, prerrogativas e atribuições dos órgãos, entes e instituições públicas no tocante ao GNRH e a PNRH.

Quanto ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), compete: promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores usuários; arbitrar, em última instância administrativa, os conflitos existentes entre Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; estabelecer diretrizes complementares para implementação da PNRH, aplicação de seus instrumentos e atuação do SNGRH; acompanhar a execução a aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos e determinar as providências necessárias de suas metas; estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso, dentre outros. (Lei nº 9.433/97, Capítulo II).

Quanto aos Comitês de Bacias Hidrográficas, deve-se ter clareza se os mesmos são estaduais, federal ou distrital e a eles  competem, no âmbito de sua área de atuação: promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; além de aprovar o plano de recursos hídricos da bacia e estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados, dentre outros. Ademais, das decisões dos Comitês de Bacia Hidrográfica caberá recurso ao Conselho Nacional ou aos Conselhos Estaduais ou Distritais de Recursos Hídricos, de acordo com sua esfera de competência. (Lei nº 9.433/97, Capítulo III).

Quanto às Agências de Água, exercerão o mister de secretaria executiva do respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica. Assim competem às Agências de Águas no âmbito de sua área de atuação: manter balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos em sua área de atuação; manter o cadastro de usuários de recursos hídricos; efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso de recursos hídricos; acompanhar a administração financeira dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos em sua área de atuação; gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos em sua área de atuação; elaborar o Plano de Recursos Hídricos para apreciação do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica, dentre outros. (Lei nº 9.433/97, Capítulo IV).

A PNRH e o SNGRH, ambas componentes estruturais da Lei de Águas Federal nº 9.433/97, carecem de maturação ao longo do tempo visto que os planos de recursos hídricos nacionais são de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de programas e projetos e devem funcionar em intervalos temporais de aproximadamente 20 anos; por outro lado, as fiscalizações e monitoramentos devem ser operacionalizados em recortes de curto prazo mais precisamente em periodicidade contínua e previsões de metas e resultados a serem cumpridos.   

O mais recente e importante Relatório elaborado pela Agência Nacional de Águas (2013) denominado Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil, informa que o arcabouço institucional implementou um arranjo diferente e inseriu na PNRH os seguintes instrumentos: os planos de recursos hídricos; o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; a cobrança pelo uso de recursos hídricos e o sistema de informações de recursos hídricos.

Tal Relatório adverte que os planos de recursos hídricos é o início de uma longa caminhada na organização das ações de gestão de águas no País. A sua formatação deve adotar métodos de decisão descentralizada e participativa, trazendo para si outros agentes, afora os governamentais. Tais planos se intitulam como documentos programáticos que define a agenda de recursos hídricos de uma localidade, identificando ações de gestão, planos, programas, projetos, obras, investimentos prioritários pautados na ótica integrada dos usos múltiplos das águas, com efetiva inclusão dos diversos atores sociais, quais sejam, órgãos estatais, comunidade (leia-se sociedade civil organizada) e usuários, bem como as diferentes instituições que integram o SNGRH. (Agência Nacional de Águas, 2013).

O Plano Nacional de Recursos Hídricos do Brasil foi criado em 2006. A primeira revisão do Plano ocorreu em 2010-2011 e a partir dos resultados desta revisão foram listadas 22 prioridades para os anos 2012-2015, previstas nos programas e subprogramas aprovados pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, com o escopo de orientar a implementação da PNRH. (Agência Nacional de Águas, 2013).

As 22 prioridades foram agrupadas em quatro componentes de ação para implementação do Plano Nacional de Recursos Hídricos, conforme Quadro 1:

Quadro 1: Componentes e Prioridades para Implementação do Plano Nacional de Recursos Hídricos

COMPONENTES

PRIORIDADES

Implementação da Política

Aglutina as atividades diuturnas do SNGRH, previstas na PNRH.

Desenvolvimento Institucional

Nesta componente se encontram as prioridades referentes ao desenvolvimento e consolidação de diretrizes e orientações pertinentes à Política bem como de temas relacionados ao fortalecimento do SNGRH.

Articulação Institucional

Essas prioridades ultrapassam a prerrogativa de competência dos atores do SNGRH, clamando a articulação de esforços com outros órgãos do governo federal (articulação horizontal) além de outras escalas de planejamento (articulação vertical).

Gerenciamento da Implementação do Plano Nacional de Recursos Hídricos

Nesta componente a prioridade se reporta à implantação do Sistema de Gerenciamento Orientado para os Resultados do Plano Nacional de Recursos Hídricos – SIGEOR, como dimensão importantíssima à coordenação e implementação do Plano Nacional de Recursos Hídricos.

Fonte: Adaptado da Agência Nacional de Águas, 2013.

A primeira revisão do Plano Nacional de Recursos Hídricos aponta, como resultado, que as intervenções em relação à gestão dos recursos hídricos não se esgotam na esfera do governo federal nem tampouco, no SNGRH, tornando-se imprescindível que haja participação efetiva de outros atores sociais não estatais.

3.3. Águas do Brasil: Direito, Política e Gestão em suas Relações Integrativas

A PNRH e o SGNRH, que se perfazem na Lei Federal de Águas nº 9.433/97 devem ser compreendidos em sua totalidade; assim, o arranjo institucional hídrico do país não deve ser implementado de forma fragmentada e, sim, sistêmica.

Um pesquisador hídrico-ambiental argumenta com transparência que um modelo sistêmico de integração participativa se refere ao modelo mais eficiente de gerenciamento das águas, objetivo estratégico de qualquer reformulação institucional e legal bem conduzida. Tal modelo se consubstancia na criação de uma estrutura sistêmica na forma de matriz institucional de gerenciamento responsável pela execução de funções gerenciais específicas e pela adoção de três instrumentos: 1. Planejamento Estratégico por Bacias Hidrográficas; 2. Tomada de Decisão através de Liberações Multilaterais e Descentralizadas e 3. Estabelecimento de Instrumentos Legais e Financeiros. (SETTI, 2001).

Deste contexto se apreende que as Águas do Brasil, ao aceitar a relação integrativa entre o Direito, a Política e a Gestão, ampliam sua sinergia em prol de melhor qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável hídrico.

4. Considerações finais

Após o percurso interpretativo extraído de Artigos Científicos, Livros, Constituição da República Federativa do Brasil (C.F./88) e Relatório da Conjuntura dos Recursos Hídricos de 2013, compreendeu-se que as Águas do Brasil, por intermédio da tríade direito, política e gestão, contribui com o aclarar do Arranjo Institucional Hídrico para que, em tempos futuros breves, se alcance a total e efetiva implementação da PNRH e do SNGRH em nosso país.

A Água em nosso sistema jurídico, de forma cogente, deve ser aceita de acordo com a Assembleia-Geral da ONU, como Direito Humano. Tal regramento deve ser imperiosamente observado pelo Direito de Águas Pátrio e imediatamente exigir que tal direito seja inserido na C.F./88, e que o mesmo passe a figurar como Direito Fundamental Constitucional, alçando o mesmo status desfrutado pelo direito à vida, pois a água é vital à sobrevivência de todos os seres vivos, inclusive aos humanos.

Ao desnudar as componentes internas na relação direito-política-gestão captou-se que a PNRH e o SNGRH somente podem ser implementados se forem respeitados e aplicados de forma eficaz e eficiente, ou seja, de forma efetiva: o Direito de Águas, valendo-se, inclusive, do seu princípio interdisciplinar; a Política, a Gestão e o Gerenciamento Hídricos, os quais permitam a fluência dos fundamentos, da participação e da descentralização em todos os processos decisórios; c) um Modelo Sistêmico Integrado de Águas, que facilite a implementação do planejamento, da tomada de decisão colegiada (poder público, usuários e sociedade civil organizada) e a adoção de instrumentos legais e financeiros democráticos.

À guisa de considerações finais, o Arranjo Institucional do Brasil, verticalizado pela Lei Federal de Águas nº 9.433/97, a qual contém duas faces, a saber: a PNRH e o SNGRH, se concebidos em uma abordagem sistêmico-integrada levando em consideração os princípios da justiça social, eficiência econômica e sustentabilidade ambiental, tornar-se-á uma alternativa para se alcançar o Direito Humano-Fundamental à Água no Brasil. 

5. Referências

BARBOSA, Erivaldo Moreira. Gestão de recursos hídricos da Paraíba: uma análise jurídico-institucional. 2006. 209 f. Tese (Doutorado em Recursos Naturais) – Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais – PPGRN, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, Paraíba.

BARLOW, Maude. Água, pacto azul: a crise global da água e a batalha pelo controle da água potável no mundo. (Tradução) Cláudia Mello Belhassof. São Paulo: M. Books do Brasil, 2009.

BRASIL. Agência Nacional de Água (ANA). Disponível em: <http://www2.ana.gov.br>. Acesso em: 19 set. 2015.

_______. Agência Nacional de Água (ANA). Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil: 2013. Disponível em: <http://arquivos.ana.gov.br>. Acesso em: 28 set. 2015.

_______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

_______. Lei Federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm>. Acesso em: 19 de set. 2015.

________. Proposta de Emenda à Constituição nº. 39, de 2007. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 21 set. 2015.

________. Proposta de Emenda à Constituição nº. 213, de 2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 21 set. 2015.

CAMPOS, Valéria Nagy de Oliveira; FRACALANZA, Ana Paula. Governança das águas no Brasil: conflitos pela apropriação da água e a busca da integração como consenso. Ambiente e Sociedade, v. XIII, n. 2, p. 365-382, jul./dez., 2010.

DOWBOR, Ladislau; TAGNIN, Renato Arnaldo (Orgs.) Administrando a água como se fosse importante: gestão ambiental e sustentabilidade. São Paulo: Senac, 2005.

FÓRUM MUNDIAL DE ÁGUA. (Marrakesh, 1997). Conselho Mundial de Água. Disponível em: <http://www.worldwatercouncil.org>. Acesso em: 27 set. 2015.

FÓRUM MUNDIAL DE ÁGUA. (Haia, 2000). Conselho Mundial de Água. Disponível em: <http://www.worldwatercouncil.org>. Acesso em: 27 set. 2015.

FÓRUM MUNDIAL DE ÁGUA. (Kyoto, 2003). Conselho Mundial de Água. Disponível em: <http://www.worldwaterforum.jp/worldwaterforum3/index.html>. Acesso em: 27 set. 2015.

FÓRUM MUNDIAL DE ÁGUA. (Cidade do México, 2006). Conselho Mundial de Água. Disponível em: <http://www.worldwaterforum4.org.mx/home.asp>. Acesso em: 27 set. 2015.

FÓRUM MUNDIAL DE ÁGUA. (Istambul, 2009). Conselho Mundial de Água. Disponível em: <http://www.worldwaterforum5.org>. Acesso em: 27 set. 2015.

PETRELLA, Ricardo. O manifesto da água: argumentos para um contrato mundial. (Tradução) Vera Lúcio Mello Joscelyne. Petrópolis – RJ: Editora Vozes, 2002.

POMPEU, Cid Tomanik. Direito de águas no Brasil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

SETTI, Arnaldo Augusto. Introdução ao gerenciamento de recursos hídricos. 3 ed. Brasília: Agência de Energia Elétrica; Agência Nacional de Águas, 2001.

SILVA, De Plácido e. FILHO, Nagib Slaibi; CARVALHO, Gláucia (Atualizadores). Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.

UNITED NATIONS ORGANIZATION – ONU. Resolution Adopted by the General Assembly on 28 July 2010: (64/292) the human right to water and sanitation. Disponível em: <http://www.un.org. Acesso em: 21 set. 2015.

TUNDISI, José Galizia. Recursos hídricos no futuro: problemas e soluções. Estudos Avançados, v. 22, n. 63, p. 7-16, 2008.


1. Docente da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Doutor em Recursos Naturais pela UFCG. E-mail: erifat@terra.com.br

2. Docente da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Doutora em Recursos Naturais pela UFCG. E-mail: mfnbarbosa@hotmail.com


 

Vol. 37 (Nº 10) Año 2016

[Índice]

[En caso de encontrar algún error en este website favor enviar email a webmaster]