Espacios. Vol. 36 (Nº 23) Año 2015. Pág. 3
Greyce Bernardes de Mello REZENDE 2; Sérgio Murilo Santos de ARAÚJO 3
Recibido: 04/08/15 • Aprobado: 13/09/2015
2. As margens dos rios e seus aspectos ambientais
3. As margens dos rios e seus aspectos urbanos
4. As cidades e os rios rumo à integração
5. Gestão participativa: um desafio
RESUMO: As margens dos rios urbanos são singulares devido a sua grande importância ambiental e por suas características específicas advindas de um contexto antrópico. O objetivo deste estudo é analisar a relação da cidade com o rio urbano, através de uma perspectiva urbano-ambiental das diversas funções destas áreas. Com este propósito, foram apresentados os aspectos ambientais e urbanos que as margens destes rios desempenham, bem como a importância de uma perspectiva integradora e participativa do planejamento e intervenções nestes locais. Dessas discussões conclui-se que é preponderante uma abordagem integral e democrática para a relação rio-cidade. |
ABSTRACT: The margins of urban rivers are singular due to its great environmental importance and by its specific characteristics arising from an anthropic context. The objective of this study is to analyze the city's relationship with the urban river, through an urban-environmental perspective of the various functions of these areas. With this purpose, were presented the environmental and urban aspects that the margins of these rivers perform, as well as the importance of an integrator and participatory perspective of the planning and interventions in these locations. These discussions it was concluded that is preponderant, an integral and democratic approach to river-city relationship. |
Historicamente, o surgimento de cidades ocorre próximo aos rios e córregos. Isso porque essa proximidade é fundamental para o abastecimento, irrigação, consumo, fonte de alimento e, até mesmo, para o aproveitamento do potencial hídrico para o transporte de recursos. Além disso, com o passar dos anos, os rios passaram a integrar a paisagem urbana, atribuindo uma identidade específica a muitas cidades. No Brasil, até os dias de hoje, essas características estão muito presentes, principalmente nas cidades que margeiam grandes rios como o Amazonas, Tocantins, Araguaia e diversos outros.
Neste contexto, destacam-se as importantes funções ambientais que as margens dos rios, através de sua vegetação ripária, desempenham. Em termos hidrológicos, ecológicos e geomorfológicos, estes locais ocupam as áreas mais dinâmicas da paisagem. Outro fator é que o estabelecimento e desenvolvimento das cidades, muitas vezes, se devem a sua proximidade à agua. Isso, certamente guarda relação com as várias funções urbanas que a água desempenha, como a necessidade vital de abastecimento, razões utilitárias, bioclimáticas e topoceptivas (orientação e identidade).
Para tanto, deve-se caminhar para uma discussão de como estabelecer uma relação harmônica entre a questão ambiental e urbana que, em regra, são analisadas isoladamente. Nesse contexto, a elaboração de um modelo praticável de gestão ambiental urbana implica na abordagem correlacionada dos aspectos ambientais, relacionados aos elementos do meio biótico e abiótico, e também dos aspectos urbanos, com suas peculiaridades sociais.
Ao se tratar de soluções e de abordagens nas margens dos rios, verifica-se a necessidade de um enfoque articulado das funções ambientais e urbanísticas destes espaços, tendo em vista a proteção dos recursos ambientais e a qualidade de vida. Ter uma visão integral é vital quando se intervém num contexto tão antrópico; pois, um rio revitalizado, com as margens preservadas e solo permeável são essenciais para o equilíbrio ambiental e a qualidade de vida dos cidadãos. Para tanto, é necessário considerar estas áreas como um espaço híbrido e com múltiplas funções ambientais, urbanísticas e paisagísticas. (MELLO, 2008)
O presente artigo tem como objetivo analisar a relação da cidade com o rio urbano, através de uma perspectiva urbano-ambiental dessas áreas. Para tanto, verifica-se as funções ambientais e urbanas desempenhadas por estas áreas e demonstra-se a necessidade de integração destes dois aspectos e a importância da gestão participativa em intervenções destas áreas. Também se relata propostas de intervenções, já vigentes, que integraram as funções ambientais e urbanas das margens de rios.
Mais conhecidas como matas ciliares, as zonas ripárias ocupam as áreas mais dinâmicas da paisagem; tanto em termos hidrológicos, como ecológicos e geomorfológicos estas áreas estão intimamente ligadas ao curso d'água, sendo definidas como espaços tridimensionais que contêm vegetação, solo e rio. Sua extensão é horizontalmente até o alcance da planície de inundação, todavia, os processos físicos que moldam continuamente os leitos dos cursos d'água, que vão desde intervalos de recorrência curtos das cheias anuais até fenômenos mais intensos das enchentes, impõem, também, a necessidade de se considerar um padrão temporal de variação da zona ripária. (LIMA, 2008; KOBIYAMA, 2003).
A vegetação ripária exerce influência significativa sobre a geomorfologia fluvial por afetar a resistência ao fluxo, resistência mecânica do solo em barranco, armazenamento de sedimento e estabilidade das margens dos rios. Outros aspectos relacionam-se à importância para o ecossistema aquático, como o fornecimento de material orgânico, o equilíbrio térmico da água e formação de corredores ecológicos.
Garcez e Alvarez (2012) alertam que a ação das florestas sobre o escoamento gera muitas controvérsias. Afirmam que, ao que tudo indica, as mesmas regularizam as vazões dos cursos de água, mas não aumentam o valor médio das vazões (em climas secos elas podem, ao contrário, diminuí-lo, em razão do aumento da evaporação). Salientam também que apesar das matas amortecerem as pequenas enchentes, pouco contribuem no caso de enchentes catastróficas. Contudo são, por outro lado, extremamente eficazes no combate à erosão dos solos.
A presença de vegetação nas margens afeta significativamente a qualidade do ar (regulação térmica e higrométrica da atmosfera), do solo (retenção e fixação de nutrientes como fosfato, nitrato, cálcio, magnésio, potássio, alumínio, sódio) e da água da bacia hidrográfica (filtragem e depuração das águas correntes, contenção natural de sedimentos transportados pelo curso d'água, redução da velocidade e dos efeitos das vagas sobre as bordas) (MELLO, 2005). Para essa autora, as margens dos rios preservadas possuem importantes funções ambientais, sintetizadas em 6 temáticas (Figura 1).
Figura 1 – Síntese das funções ambientais das margens dos rios
Fonte: elaborado a partir de Mello (2005).
A primeira função (receptar e conter os sedimentos de toda a bacia) relaciona-se aos processos geológicos existentes. De uma maneira geral têm-se três cenários geográficos: as áreas relativas às serras e platôs (áreas altas), as encostas ou escarpas e as bacias sedimentares. Respectivamente prevalecem inicialmente o processo de intemperismo, erosão e sedimentação e, por último, deposição.
Nesse sentido, Mello (2005) afirma que a zona ripária, como derradeira área receptora dos sedimentos da microbacia hidrográfica, deve ter suas feições naturais e cobertura vegetal preservadas, a fim de que a sedimentação no leito seja atenuada. Esta função depende de fatores como as características regionais (a sedimentação é mais preponderantes em rios de planície) e ainda características geomorfológicas da microbacia, como largura do vale, altura e declividade das encostas. Obviamente, se o curso d'água está presente num vale íngreme esta área é de suma importância na recepção de sedimentos; em contrapartida, se está situado em um vale amplo e plano, o papel das margens acaba sendo menos preponderante.
A segunda função (garantir a flutuação natural dos níveis d'água) relaciona-se às planícies de inundação. Todo curso d'água possui seu leito vazante, menor e maior. É importante evitar a ocupação do leito maior e consequentemente resguardá-lo visando o período de precipitações intensas quando a água extravasa o canal. Ao manter a vegetação ripária, permite-se a absorção natural dessa dinâmica, que ocorre em período e intensidades variáveis. Segundo Brooks e Brierley (1997), a vegetação na zona ripária altera a eficiência geomorfológica dos eventos de inundação.
Já na terceira função (reter as águas na microbacia), as áreas das margens possuem importantes funções absorvedoras, responsáveis pela retenção da água na bacia, consequentemente aumentando sua capacidade de armazenamento. Mello (2005) destaca que os processos de infiltração e retenção da água repercutem na recarga de aquíferos e também sobre a possibilidade da ocorrência de inundações. A conservação da vegetação nessas "áreas saturadas", portanto, é de fundamental importância para garantir o desempenho do papel de regulação hídrica.
O desenvolvimento da quarta função (promover a estabilidade das bordas do corpo d'água) condiciona, sobretudo, a manutenção da vegetação, cujas raízes estruturam e estabilizam as margens dos corpos d'água evitando os processos de erosão e assoreamento.
A cobertura vegetal é a proteção natural de um terreno contra os processos erosivos, uma vez que a presença de raízes reforça a resistência do solo. Entre os principais efeitos da cobertura vegetal na proteção do solo, destacam-se os seguintes: proteção do solo contra o impacto das gotas de chuva; dispersão e interceptação das gotas d'água antes que esta atinja o solo; ação das raízes das plantas, formando poros e canais que aumentam a infiltração da água; ação da matéria orgânica que incorporada ao solo melhora sua estrutura, aumenta sua capacidade de retenção de água e diminui a energia do escoamento superficial devido ao atrito na superfície. (BERTONI e NETO, 1990 apud TOMINAGA et al., 2009).
A quinta função (permitir as migrações laterais dos cursos d'água) relaciona-se aos processos cíclicos de variação de velocidade, direção da correnteza, transporte e deposição de partículas, que consequentemente alteram gradualmente o padrão dos cursos d'água. Dessa forma, a manutenção de faixas marginais livres de ocupação humana é de grande importância para viabilizar o desenvolvimento dessas alterações naturais do leito.
A última função (proteger a biodiversidade e as cadeias gênicas) é caracterizada como uma função ecológica, pois as zonas ripárias se constituem um meio extremamente rico e diversificado. Os nutrientes produzidos nessas áreas úmidas são o fundamento dos ciclos ecológicos, funcionando como elos primários em cadeias alimentares responsáveis pela manutenção, reprodução e movimento da fauna (MELLO, 2005).
Conclui-se que as zonas ripárias possuem diversos aspectos importantes que contribuem para a integridade da microbacia hidrográfica, representada por sua ação direta numa série de processos importantes para a estabilidade da microbacia, para a manutenção da qualidade e da quantidade de água, assim como para a manutenção do próprio ecossistema aquático.
Ao relacionar as zonas ripárias às práticas de canalização de rios, Keller (2000) é enfático em afirmar que tal procedimento altera significativamente a qualidade ambiental e o fluxo do canal sobre extensas degradações estéticas. Para o autor, os seguintes fatores são observados:
Quando a intervenção em canais fluviais é muitas vezes necessária, Keller (op. cit.) salienta a preocupação em manter as árvores existentes, plantar mais árvores e outras vegetações. O canal deve ser feito o mais natural possível, permitindo que as variações e condições de fluxo sejam mantidas, bem como o controle da erosão da margem lateral, através de procedimentos como o enrocamento.
Contudo, verifica-se que as margens dos rios urbanos são bastante impactadas pela interferência antrópica, que se vincula diretamente com a relação Sociedade versus Natureza. Dessa relação problemática, pode-se dizer que o homem muitas vezes é vitimado (em eventos de inundações), mas definitivamente é o agente agressor. Como já exclamava Bertolt Brecht: "do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o oprimem".
Conforme Almeida (2010), um rio possui diversos significados e representações, que o tornam muito mais que um simples curso de água. São muitas as formas de avaliar os significados desses rios, que dialeticamente, modificam e são modificados na sua relação com as cidades.
Essa interação entre rio e cidade depende principalmente das funções que as margens do rio desempenham no contexto urbano. (COY, 2013). A consciência de que os rios urbanos vão além das funções utilitárias ou econômicas vêm ganhando força e, nessa perspectiva, Mello (2012) destaca que as margens desses rios possuem funções relativas aos aspectos simbólicos, estéticos, topoceptivos, bioclimáticos, afetivos e sociológicos.
As margens dos rios urbanos, quando valorizadas, se tornam espaços de convívio social, e isso se deve ao apelo que a presença da água exerce sobre as pessoas. Segundo Graça (2013), essas margens tornam-se, então, espaços públicos das afetividades e dos encontros no cotidiano, das relações sociais, sendo, portanto, um importante elo entre a cidade e seus habitantes. Segundo a autora, esses espaços são mecanismos fundamentais para a socialização da vida urbana.
De acordo com Coy (2013) os espaços à beira dos rios, desde que preservados e com acesso assegurado, são convidativos para o lazer. Muitas políticas públicas locais reconhecem seu potencial e tentam valorizá-lo mediante a realização de eventos temporários ou edificações permanentes como marinas, restaurantes e bares, entre outros.
Muitas cidades europeias utilizam destes recursos para atrair a população, a exemplo cita-se Frankfurt, na Alemanha, com o Museum suferfest às margens do rio Main. Outro bom exemplo é a cidade de Londres, na Inglaterra, cujo rio Tamisa teve um importante projeto de recuperação de suas águas, resgatando a função sociológica de suas margens, transformando-o em um local de convívio e lazer da população (Figuras 2 e 3).
Figura 2- Margens do Rio Tâmisa, Londres |
Figura 3- London Eye nas margens do Rio Tâmisa Fonte: Foto da autora, 2011. |
Coy (2013) ressalta também que há semelhanças entre as cidades latino-americanas e o caso europeu no que se refere às estratégias aplicadas nos projetos de revitalização. Afirma o autor que, os projetos "beira-rio" são um fenômeno globalizado, e muitos planejadores latino-americanos se orientam nas suas concepções urbanísticas em experiências europeias ou norte-americanas. Nesse sentido, as iniciativas brasileiras mais recentes de qualificação dos espaços urbanos às margens dos rios também têm privilegiado a criação de espaços de uso público, para o convívio social. Bons exemplos disso são a Estação das docas rio Guamá, em Belém-PA, e o projeto Cais Mauá em Porto Alegre-RS, com previsão de conclusão em 2018.
Outro aspecto das margens dos rios no contexto urbano é em relação à dimensão topoceptiva, que indica como a percepção morfológica dos lugares permite a orientabilidade e a identificabilidade das pessoas, sem auxílio de outros elementos como placas de sinalização ou a leitura de mapas. É importante a avaliação da percepção do observador na construção da noção de lugar, o que permite a segurança emocional. (KOHLSDORF, 1996). Neste contexto, a orientabilidade significa a apreensão do espaço, indicando onde se está e como deslocar-se para outros lugares, já a identificabilidade relaciona-se com a referência do lugar e suas características próprias que o distingue em relação a outros. Verifica-se, portanto, que os rios urbanos realmente transformam-se também em marcos, auxiliando na orientação de indivíduos na cidade.
Conforme Coy (2013), o rio, as pontes e as suas margens, revitalizadas, formam uma paisagem urbana específica e podem dar uma identidade inconfundível a uma cidade. No caso de Paris, por exemplo, o autor enfatiza que sua proximidade ao rio Sena pode ser considerada uma grande particularidade, pois suas margens pertencem aos lugares mais emblemáticos da cidade, formando uma paisagem urbana peculiar que é essencial para a sua identidade.
Figura 4- O rio Sena, suas pontes e margens – Paris |
Figura 5- Eixo visual do Rio Sena – Paris Fonte: Foto da autora, 2011 |
Outro exemplo positivo é a relação entre o rio Hudson e a cidade de Nova Iorque (Figura 6), nas palavras de Mann: "a selva de torres construídas pelo homem na ilha de Manhattan, é aparente para qualquer um que esteve alguma vez dentro, ao longo ou sobre esse nobre rio (...). A forte imagem de corredor reforça o efeito visual de todos os marcos" (MANN, 1973, p. 225 apud MELLO, 2008). Outros rios também conferem identidade às suas cidades, como no caso do rio Araguaia e das Garças em Barra do Garças - MT (Figura 7), onde o encontro dos rios influenciou até mesmo a bandeira do município.
Figura 6- As torres em Manhathan e o Rio Hudson |
Figura 7- Rio Araguaia – Barra do Garças Fonte: Foto da autora, 2014 |
Ressalta-se que esses espaços de convívio social proporcionam sentimento de afeição das pessoas em relação ao rio, pelas sensações agradáveis proporcionadas em razão da proximidade com as águas. Isso também é muito comum em cidades com populações ribeirinhas.
Entre tantas funções dos rios já mencionadas, é importante ressaltar também a bioclimática, relativas ao conforto ambiental. Hathway e Sharples (2012) a partir de pesquisa empírica em um pequeno rio do Reino Unido, verificaram que o mesmo melhorava o microclima do entorno, sendo que em dias quentes havia o arrefecimento substancial nas margens e áreas próximas ao rio.
Portanto, além das funções ambientais das margens, destacadas no primeiro capítulo, os rios no contexto urbano possuem essa série de aspectos que devem ser observados e integrados. No entanto, Mello (2012) demonstra que, em detrimento dessa ideia de integração, duas correntes de intervenção antagônicas são as mais comumente empregadas, baseadas nas seguintes visões:
Visão estritamente ambientalista - que considera somente os aspectos ambientais na gestão dos corpos de água, alheios às particularidades do meio urbano;
Visão estritamente urbanística - apresenta como imposição a ação do homem, à revelia das condicionantes da natureza.
Mesmo partindo do pressuposto da valorização dos rios, na visão estritamente urbanística, ainda é comum a chamada artificialização das margens dos rios urbanos, referente à medida de alteração física das feições naturais do lugar, mediante a modificação das características originais do leito e bordas, pouca vegetação, presença de pavimentação e impermeabilização. Isso pode ser observado em trechos no canal do rio Spree em Berlim (Figuras 8 e 9), ladeado por avenidas e com presença de materiais impermeáveis.
Figura 8- Rio Spree – Berlim. |
Figura 9- Rio Spree – Berlim. Fonte: Foto da autora, 2011. |
Mello (2012) também afirma que a característica de artificialização ligada à criação de espaços públicos de encontro social é a mais comum das intervenções, configurando os atributos básicos da visão estritamente urbanística. (Figura 10).
Muitas intervenções com essas mesmas características ocorreram em áreas portuárias desativadas, de forma que a instalações foram substituídas por novos bairros adensados e com estrutura funcional mista. Ocorre, simultaneamente, uma substituição dos atores, assim como uma substituição dos estilos de vida, resultando na produção de espaços típicos para a cidade moderna que atribuem uma nova qualidade à interação rio-cidade. (COY, 2013). Exemplos como: Porto Antico, em Genova, Inner Harbor, em Baltimore, Darling Harbour, em Sydney e Port Vell, em Barcelona. Estes dois últimos, como afirma Mello (2008), inspiraram projetos como o Puerto Madero em Buenos Aires (Figura 11).
Figura 10- Sudeste de Manhathan – Nova Iorque. |
Figura 11- – Puerto Madero – Buenos Aires. Fonte: Foto da autora, 2009 |
Percebe-se que na gestão dessas áreas é de fundamental importância que opções intermediárias ou integradas entre as visões destacadas por Mello (2008) sejam implementadas, garantindo a manutenção de características naturais e urbanas. Cardoso (2012), também afirma que uma perspectiva que busque o equilíbrio deve ser empregada nessa abordagem, mesmo que envolva enorme complexidade.
Neste item procura-se demonstrar as funções urbanísticas das margens dos rios e a busca por sua integração com a função ambiental. Tais aspectos contribuem efetivamente para a valorização dos rios urbanos.
Ressalta-se a importância do resgate dos sistemas fluviais como facilitador de unificação socioespacial (REYNOSO et al, 2010). Cresce, portanto, os movimentos de valorização dos rios urbanos, que passam a buscar a integração entre vários aspectos nessas áreas, de ordem ambiental, social e urbanística. Nesse sentido, surgiram então vários conceitos de intervenções, conforme Vargas (2011), como por exemplo:
Tais conceitos são alguns dos diversos termos aplicados às intervenções que têm em seu cerne a vertente de valorização dos rios urbanos.
Uma importante experiência, nesse sentido, ocorreu ainda no século XIX, idealizadas por Olmsted4, através do plano de Back Bay, em Boston, onde a função de controle sanitário das águas poluídas acabou gerando o parque Fens, que foi projetado originalmente para acumular temporariamente as águas pluviais, evitando, assim, a inundação das áreas adjacentes à baía. Trabalhando conceitos de integração, a vegetação da área foi recuperada, transformando os bairros de "Back Bay" em lugares ajardinados providos de parque, e uma eclusa controlou o fluxo das marés para dentro e para fora do parque, viabilizando a circulação regenerativa da água. (KAHTOUNI, 2004).
Em experiências recentes, é interessante citar a integração ambiental e urbana nas intervenções efetuadas no rio Cheonggyecheon em Seul (Figura 12), um projeto audacioso que trouxe vida ao rio, às suas margens e buscou o resgate do contato da população com o mesmo. O ponto alto do projeto foi ter removido as avenidas de fluxo rápido que encobriam o rio e ter despoluído suas águas.
Cita-se ainda o processo de recuperação do rio Don – Bring back the Don (Toronto, Canadá), que teve início na década de 90, com adesão do poder público estabelecendo metas de acordo com as características e peculiaridades de cada trecho de intervenção. O processo contemplou desde a recuperação de pequenos meandros e das características físicas do canal, melhoria da qualidade da água, controle do fluxo de água e inundações, reflorestamento das matas ciliares com espécies nativas, até ao incentivo de atividades recreativas. (GORSKI, 2013).
Outro exemplo destacado por esta autora é o Plano de Recuperação do Rio Los Angeles, na Califórnia, Estados Unidos da América, que teve início em 2002, com a finalidade de revitalização do rio, que estava poluído, canalizado e desarticulado do tecido urbano. Trata-se de um modelo complexo de recuperação que aborda desde questões relacionadas à prevenção de inundações, até questões sobre o desenvolvimento econômico social. (Los Angeles River Revitalization Master Plan, 2007). Observa-se nesse caso que a vegetação foi muito valorizada, e sem prejuízo da criação de espaços verdes integrados com espaços de socialização urbana. (Figura 13).
Figura 12 – Vista panorâmia de Seul e do rio Cheonggyecheon revitalizado. Fonte: Noh, 2007. | Figura 13 – Revitalização do rio Los Angeles, com. ênfase na vegetação ripária e no acesso ao rioFonte: Los Angeles River Master Plan, 2007. |
A revitalização do rio Anacostia, afluente do rio Potomac, localizado em Washington D.C., priorizou a despoluição de suas águas, o que exigiu intervenções também difusas em toda a bacia, tais como: educação ambiental, novas leis para o licenciamento de construções, nova abordagem para o tratamento e disposição final do lixo, recuperação de brejos, entre outras. Além disso, a ênfase na abordagem ecossistêmica, que vai além do ecossistema aquático, é destacada, incorporando também matas ciliares, terras úmidas e as aves. (MACHADO et al, 2010). O programa de educação ambiental e a recreação é algo que se destaca, visto que são feitas palestras educativas em escolas, treinamento aos professores e visitas e viagens de canoa pelo rio. Conolly da Anacostia Watershed Society, ressalta:
Nós queremos que o rio seja algo de que as pessoas desfrutem, em que elas queiram estar, não algo de que queiram fugir. O uso recreativo constrói a responsabilidade com o rio, e, se mais pessoas usufruírem e aprenderem sobre ele, ficarão mais interessadas em ajudar e advogar pela limpeza (CONOLLY, 2010, p.114).
No Brasil, Gorski (2013) afirma os seguintes exemplos: o projeto de revitalização da microbacia do rio Cabuçu de Baixo, no estado de São Paulo, e a implantação do Parque Mangal das Garças, que é o resultado da revitalização das áreas às margens do rio Guamá, em Belém – PA. Outra intervenção que merece destaque foi a revitalização da Avenida Beira Rio e da rua do Porto, que margeiam o rio na cidade de Piracicaba – SP; esse processo tinha o objetivo de espelhar as múltiplas interfaces da relação entre cidade e rio por meio de diretrizes integradas de prevalência do pedestre no espaço urbano, inserção social e preservação dos recursos naturais e construídos. (LEME et al, 2005).
Os aspectos mais comuns em todas essas propostas de intervenção foram seus intentos de implementação de espaços de convivência e valorização ambiental, reconciliando as cidades e os rios.
Importante salientar que a participação da população local é fundamental para a implantação desses projetos, bem como para maior eficácia do planejamento urbano-ambiental das áreas envolvidas, pois quando isso ocorre, há mais possibilidades de propagação de uma cultura participativa e de exercício da cidadania.
A gestão urbana e ambiental ainda parece estar distante de atingir uma condição satisfatória, tendo em vista os diversos entraves, conflitos e limites enfrentados. Os desafios se apresentam, desde dificuldades referentes ao âmbito institucional, até abordagens contraditórias referentes ao planejamento urbano-ambiental. Para exemplificar, cita-se a dificuldade do planejamento das margens dos rios urbanos, que segundo Mello (2008) é advinda da relação dicotômica entre a preservação e ocupação destas áreas.
O planejamento urbano e ambiental sempre deve ter enfoque na gestão participativa, observando diversas ações voltadas para a inclusão da população em processos decisórios. Dessa forma, a atuação do Estado, em parceria com a sociedade na gestão das políticas públicas contribui para legitimar as ações, sob uma perspectiva de que as deliberações e escolhas devem ser feitas pelas pessoas que a ela estão submetidas, mediante um diálogo cada vez mais participativo.
Essa interação, além de fomentar maior participação da sociedade no contexto político, demonstra a importância da descentralização desta, fortalecendo o controle em face dos problemas existentes nas diversas localidades de nosso País. Esse modelo de gestão vem ganhando força nas últimas décadas e posiciona os cidadãos num papel central nesses espaços participativos e, consequentemente, contribui para a implementação de alternativas de mobilização popular ao redor de questões específicas da realidade local.
Nota-se que deve haver muita cautela no tocante a gestão democrática dos processos que permeiam qualquer tipo de intervenção nos rios urbanos e suas margens, pois qualquer atividade a ser desenvolvida nesses locais pode afetar o meio ambiente. Isso ocorre até mesmo nas intervenções que visem a restauração de rios e suas margens, já que os sistemas fluviais sempre foram as vias de comunicação entre as áreas povoadas, recursos e fonte de conflito para seu uso e ocupação. Portanto, qualquer projeto que pretende restaurar ou reabilitar um trecho de um rio é preponderante a participação dos atores envolvidos no processo. (CIREF, 2011).
Nesse sentido, merece ser destacado o caráter participativo, elencado no artigo 2º do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001), que aponta como uma das diretrizes da política urbana, a gestão democrática, por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
Nessa seara, Rolnik (2001) pondera que o referido dispositivo legal destaca que para garantir a gestão democrática da cidade deverão ser utilizados, dentre outros, os seguintes instrumentos: conselhos municipais; debates, audiências e consultas públicas; conferências sobre assuntos de interesse urbano; e iniciativa popular de projetos de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. (Artigo 43, Lei 10.257/2001).
No contexto de planejamento urbano, ambiental e desenvolvimento local, verifica-se que a participação popular através de conselhos (por exemplo, Conselho da Cidade e o Conselho do Meio Ambiente) é uma das principais ferramentas de gestão democrática da cidade e assessoramento ao Poder Executivo na elaboração de políticas públicas, pois esse conselho é um órgão colegiado, representativo, de natureza deliberativa e administrativa, com mandato delimitado, que por meio de seus membros negocia e pactua as possibilidades e as necessidades do desenvolvimento urbano e ambiental, orientando-se pela necessária adequação da propriedade e da cidade à sua função social.
Dito isso, a Figura 14 exemplifica as variáveis já apresentadas. Verifica-se a importância da integração dos aspectos ambientais e urbanos das margens de rios e a preponderância da legitimação de possíveis intervenções, bem como do planejamento urbano-ambiental dessas áreas. Tal legitimação só ocorre através de instrumentos como debates, audiências, consultas públicas, e, principalmente, da presença de conselhos efetivos, para que a população local seja atuante no processo.
Figura 14 – A integração dos aspectos ambientais e urbanos das margens dos rios e a legitimação através da gestão participativa.
Fonte: elaborado pela autora.
No entanto, é corriqueiro que a população envolvida não seja devidamente ouvida, e o processo da legitimação da gestão democrática, através de audiências públicas e conselhos acabam não atingindo plena eficácia. A perspectiva de participação efetiva na vida política pela população de determinada localidade só é efetiva mediante o exercício da cidadania e através de atuação desses conselhos. Nesse aspecto, é imperioso registrar que só avançaremos na implantação de uma política urbana ambiental justa, se houver harmonia entre a legislação vigente e sua aplicação.
Os corpos hídricos que atravessam o meio urbano possuem suas características naturais que devem ser respeitadas, entre elas, suas dinâmicas geomorfológicas, hidrológicas e biológicas. Dessa forma, um planejamento urbano que envolva essas áreas deve se pautar no respeito aos fatores naturais que lhe são peculiares e secundariamente buscando a utilização sustentável de suas margens.
Entende-se que os sistemas fluviais e os processos urbanos devem ser integrados, buscando-se pontos de convergência através da conciliação entre os inúmeros interesses privados e de proteção ambiental, sem que para tanto haja a degradação do meio ambiente mediante impactos em trechos dos corpos hídricos.
Portanto, é de fundamental importância que políticas públicas sejam implementadas em curto prazo, a fim de estabelecer projetos regionais de planejamento e fomento à preservação dos leitos fluviais, coibindo de forma efetiva o uso e a ocupação indevida dos leitos fluviais. Obviamente, para que isso seja viável, além de vencer os desafios existentes, estratégias devem ser desenvolvidas de forma participativa. Isto pressupõe uma gestão urbana democrática e participativa, que é o caminho para a preservação e revitalização da interação entre os rios e as cidades.
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1. Este trabalho é parte integrante de um trabalho tese de doutorado que está sendo desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais da Universidade Federal Campina Grande - UFCG/PB, Brasil.
2.Professora Assistente II, Curso de Engenharia Civil - Campus de Barra do Garças – Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais - Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Email: greycebernardes@yahoo.com.br
3. Professor Adjunto, Orientador do Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais - Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Email: sergiomurilosaufcg@gmail.com
4. Frederic Law Olmsted, criador do termo arquiteto-paisagista, autor de diversos parques americanos baseados na escola inglesa, tal como o Central Park (KAHTOUNI, 2004).