Espacios. Vol. 36 (Nº 17) Año 2015. Pág. 7

Evolução do Ecoturismo no Lago Caracaranã em Normandia, RR, Brasil

Ecotourism Development in Lake Caracaranã in Normandia, RR, Brazil

Alexandrina Maria de Andrade LIMA 1, Elói Martins SENHORAS 2, Vanuscleia Silva Santos RIKILS 3, Luís Fernando da Silva LAROQUE 4

Recibido: 11/05/15 • Aprobado: 23/06/2015


Contenido

1. Introdução

2. Caracterização Socioambiental da Área de Estudo do Lago Caracaranã

3. Exploração do Ecoturismo no Período de Fazenda

4. Exploração do Ecoturismo no Lago Caracaranã no Período de Território Indígena

5. Últimas Considerações

6. Referências


RESUMO:

O presente artigo apresente uma discussão sobre a evolução do ecoturismo em uma paisagem natural no estado de Roraima, o Lago Caracaranã, tomando como referência a mudança dos direitos de propriedade com a demarcação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) no ano de 2009. Em razão de inexistirem estudos sobre esta importante paisagem natural, o pioneirismo desta pesquisa tem como objetivo analisar o ciclo de vida da prestação dos serviços de ecoturismo no Lago Caracaranã a fim de caracterizar as principais fases de sua evolução desde a década de 1970 até 2015. Por meio de uma pesquisa exploratória e descritiva quanto aos fins e quali-quantitiva quantos ao meios utilizados de trabalho de campo e revisão bibliográfica e documental, o artigo fornece subsídios teóricos e empíricos sobre a exploração do ecoturismo no Lago Caracaranã e os desafios de implementação do etnodesenvolvimento turístico em terras indígenas.
Palavras chave: ecoturismo; Lago Caracaracanã; Roraima; Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

ABSTRACT:

This article presents a discussion about the ecotourism development in a natural landscape of the Caracaranã Lake in the state of Roraima, Brazil, taking for reference the change of property rights in 2009 through the demarcation in a continuous area of the Raposa Serra do Sol Indigenous Land (TIRSS). Due to the inexistence of prior studies on this important natural landscape, this pioneering research aims to analyze the life cycle of ecotourism services in the Lake Caracaranã in order to characterize the main stages of its evolution since the late 1970 to 2015. Through an exploratory and descriptive research constructed through quali-quantitive methodologies of fieldwork and bibliographic and documentary review, this article provides theoretical and empirical subsidies about the exploitation of ecotourism in the Caracaranã Lake and challenges for the ethnodevelopment of tourism in indigenous lands.
Keywords: ecotourism; Caracaracanã Lake; Raposa Serra do Sol lndigenous Land; Roraima.

1. Introdução

No mais extremo setentrião, no extremo norte do meu Brasil, implantou-se Normandia, terra hospitaleira e de encantos mil. Com teus campos verdejantes, pujante e linda "Canaã", retratas com todo esplendor o inigualável Caracaranã.

                                 Hino à Normandia, por Vivaldo Barbosa Araújo

A literatura sobre turismo sustentável, do ecoturismo e do etnoturismo em terras indígenas tem passado nos últimos anos por uma significativa dinamização em razão de um sincronismo existente entre a expansão de uma comunidade epistémica na área de turismo e os processo de demarcação de terras indígenas após a proclamação da Constituição Federal de 1988.

Embora o etnodesenvolvimento com base no turismo represente o estado da arte em discussões teóricas e em pesquisas de campo, observa-se uma carência de estudos sobre áreas turísticas de propriedade privada que se transformaram território indígena e quais as implicações para os processos de desenvolvimento do turismo com base em novos atores e discursos.

Tomando como referência a Fazenda Caracaranã e a sua incorporação na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o presente trabalho justifica seu desenvolvimento, por justamente preencher uma lacuna existente na literatura, ao apresentar a evolução histórica do ecoturismo em diferentes momentos, por meio de um procedimento metodológico alicerçado em revisão bibliográfica e documental, bem como em trabalho de campo materializado por meio das técnicas de entrevista, mapeamento georreferenciado e registro fotográfico.

O objeto de estudo do presente artigo foi o fenômeno da evolução do ecoturismo no Lago Caracaranã, bem como a sua caracterização em contextos distintos de formação socioespacial com mudança dos direitos propriedade no processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol pelo Poder Executivo Federal e consequente ativismo judicial pelo Supremo Tribunal Federal na década de 2000.

Como problema da pesquisa, procura-se responder à seguinte pergunta: A transformação do Lago Caracaranã em terra indígena em 2008 impacta negativamente na continuidade da exploração de um padrão de ecoturismo pré-existente, ou, se antes, tende a ampliá-lo com a incorporação da dimensão de etnoturismo?

A fim de responder a este problema, a pesquisa se utiliza de duas de duas hipóteses basilares que são relacionadas entre si de maneira complementar, por meio de uma lógica dedutiva, que parte dos marcos teórico-conceituais do ciclo de vida dos serviços turísticos, como hipótese 1 (H1 - variável independente) até chegar aos marcos concretos de percepção sobre o declínio estrutural do ecoturismo no Lago Caracaranã, como hipótese 2 (variável dependente). 

Fundamentado por estas duas hipóteses, o artigo apresenta a tese de que a transformação do Lago Caracaranã, embora, não tenha mudado o uso sustentável desta paisagem natural, trouxe uma ressignificação na construção da territorialidade, na qual a tradicional agenda de exploração do ecoturismo abre espaço para uma agenda de ativismo político indígena, haja vista que existem novas prioridade com a delimitação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) que surgem com a própria perda de identidade simbólica da área para as novas gerações indígenas.

O objetivo geral da pesquisa é analisar evolução da exploração do ecoturismo na paisagem do Lago Caracaranã, localizado no município de Normandia – RR à luz do ciclo de vida dos serviços turísticos e dos marcos de periodização histórica com a Fazenda Caracaranã e da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), por meio de um texto que se estrutura em três partes, incluídas a presente introdução e as considerações finais.

Na primeira seção, "Caracterização socioambiental da área de estudo do lago Caracaranã, o objetivo do artigo é identificar a riqueza da sua paisagem natural, contextualizando o seu macroambiente físico e geográfico nos territórios do município de Normandia, à nordeste do estado de Roraima e próximo à fronteira com a República Cooperativa da Guyana, área consolidada em 2008 como Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS).

Na segunda seção, "Exploração do ecoturismo do Lago Caracaranã no período de fazenda", o estudo analisa a evolução histórica do turismo no Lago Caracaranã, tomando como referência, os marcos teórico-conceituais do ciclo de vida dos serviços turísticos, com o objetivo de demonstrar que o fim da prestação de serviços turísticos aconteceu de maneira abrupta em razão dos efeitos negativos de federalismo fundiário criados por forças verticais da política federal.

Na terceira seção, "Exploração do ecoturismo no Lago Caracaranã no período de território indígena", o artigo procura mostrar as mudanças socioambientais na exploração da área a fim de demonstrar a ressignificação simbólica do Caracaranã, como espaço prioritário de politização indígena em detrimento a uma agenda marginal de reabertura para um novo ciclo de exploração do ecoturismo.

Por fim, últimas considerações são tecidas à guisa de conclusão a fim de sintetizar as principais discussões abordadas na pesquisa, bem como, apontar que o fechamento temporário do Lago Caracaranã e a sua reabertura sem adequado planejamento e capacitação de pessoal, tem repercutido em uma baixíssima visibilidade de atração dos potenciais fluxos turísticos demandantes, o que pode comprometer qualquer agenda futura de etnodesenvolvimento da região com base no turismo.

Com base nestas discussões, o artigo conclui que no estudo de caso do Lago Caracaranã, as comunidades indígenas optaram por uma via de não exploração em escala das potencialidades do ecoturismo ou do etnoturismo, uma vez que a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) passa por uma construção social de ressignificação dos seus territórios, no qual o lago passa ser identificado como espaço simbólico e material de construção da politização indígena.

2. Caracterização Socioambiental da Área de Estudo do Lago Caracaranã

O bioma do território de Normandia é caracterizado por uma vegetação nativa de campos gerais, cujo perfil rasteiro é qualificado como cerrado ou lavrado devido à savana estépica (arbórea densa) e savana (parque e gramíneo lenhosa), tendo ao norte um perfil de terreno montanhoso, próprio do escudo Guianês, em contraposição ao perfil plano e recortado por um complexo de 90 formações lacustres ao centro e sul.

Fruto de um bioma rasteiro e de um relevo ondulado com cristas e pontões, o território caracterizado por 60% de áreas montanhosas, 30% de áreas planas e 10% de elevações agrupadas, o clima predominante é do tipo tropical chuvoso com períodos secos, sendo a precipitação pluviométrica de 1.500 mm e a temperatura média de 26 Co (SILVA Jr, 1994; FGV, 2000).

A hidrografia presente em Normandia é o reflexo de um complexo lacustre combinado a poucos rios que acabam delimitando suas fronteiras municipais, haja vista o destaque presente à Oeste do rio Surumu e à Leste, os rios Viruaquim e Maú, sendo este último, responsável pelos primeiros deslocamentos humanos à região, razão pela qual tornou-se foco de homenagem à época da elevação da vila de Normandia à categoria de Distrito de Conceição de Maú.

Conforme observação realizada por imagens de satélite disponibilizados pelo software Google Earth, das 90 formações lacustres presentes no município de Normandia, o Lago Caracaranã não é a maior e tampouco apresenta característica distinta em relação às demais, razão pela qual seu reconhecimento como paisagem turística pode ser compreendido como o resultado de uma exploração socioeconômica e de sua posição geográfica de fácil acesso em relação aos fluxos de adensamento populacional oriundos da capital roraimense, Boa Vista.

Pertencente ao município de Normandia [5], e, mais especificamente à etno-região da Raposa no Território Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), a localização do lago Caracaranã em uma ampla área de savana na região nordeste do estado de Roraima, tem como coordenadas geográficas 03º50'41" N e 59º46'52,1 W, situando-se na depressão da Formação Boa Vista (SILVA, 2008).

Segundo a tradição indígena transmitida oralmente de geração em geração, o nome do Lago Caracaranã é oriundo da palavra Karakarana, o qual na língua Macuxi remete a uma lenda sobre um pássaro, supostamente o caracará, que habitava nesta área e que fora caracterizado pela onomatopeia sonora de seu gorjeio que se repetia no padrão Kara / Kara / Karana (CARVALHO, 2013).

Embora o Lago Caracaranã possua um formato ovalado, com 5,8 Km de perímetro e uma profundidade que varia entre 2 e 5 metros entre os períodos secos e chuvosos (SILVA Jr, 1994), a sua exploração sempre aconteceu em uma área restrita em que há a presença de areia fina e de um complexo de cajueiros plantados no início do século XIX, justamente com a finalidade garantir a preservação ambiental e as condições da paisagem, sem incorrer na derrubada de mata nativa e consequente deterioração ambiental.

A área do Lago, por estar localizada no município amazônico de Normandia, apresenta clima caracterizado como tropical úmido, com temperaturas que variam entre 25 oC e 35 oC em razão da sazonalidade anual que se estrutura ciclicamente por meio de um período de chuvas entre abril e setembro e outro período de estiagem entre os meses de outubro e março (LIRA, 1996; SILVA, 2010).

A caracterização da área do lago Caracaranã é identificada pela beleza da paisagem natural, com praias de areia fina e com uma brisa conhecida, popularmente, como Cruviana que propiciaram a exploração de um padrão de ecoturismo alicerçado no camping e na exploração do lago para banhismo e para a prática de esportes como iatismo, esqui aquático, windsurf e voos em ultraleves, beneficiados por uma pista de pouso nas proximidades do lago.

Como resultado da primeira análise microbiológica da água do Lago Caracaranã, realizada no ano de 2004, em conformidade com a resolução CONAMA 274/2000, as amostras laboratoriais demonstram que a sua classificação é de categoria excelente, o que reforça o potencial turístico para a região, destacando-se que na época da coleta, ainda existia um intenso uso turístico da paisagem (OLIVEIRA, 2004).

Corroborando com esta análise, a pesquisa de Silva et al. (2010) atesta que a qualidade das águas do lago Caracaranã é conformada pela sua caracterização enquanto sistema oxigenado, levemente ácido, com baixa concentração de nutrientes, sendo classificada pela análise de fitoplanctons como oligotrófico devido à reduzidas densidades populacionais.

A riqueza da paisagem natural do Lago Caracaranã é oriunda da combinação visual de suas águas claras em relação ao seu paradisíaco entorno próximo (Fotos 1E e 1F), o qual é composto por uma vegetação campestre de gramíneas e arbustos, tendo como pano de fundo ao norte um relevo cujo cenário se estrutura por meio de uma cadeia de serras e colinas (Fotos 1A, 1B e 1D).

Segundo Melo (2015), embora a paisagem natural tenha sofrido pouca transformação antrópica na área do lago, as intervenções humanas foram caracterizadas por estruturas artificiais dos equipamentos infra-estruturais de recepção das pessoas, construídas na década de 1980, bem como por estruturas naturais exógenas, consolidadas por uma construção paisagística de cajueiros, oriundos do Ceará no início do século XX (Fotos 1C e 1E).

A despeito da mudança dos direitos de propriedade, após a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) e a desintrusão de fazendeiros da região, inclusive da família Corrêa de Melo, antiga proprietária da fazenda Caracaranã, o Lago Caracaranã permaneceu com um padrão de uso ao longo de todo o ano, independente dos períodos de seca, ou, de chuva, da região, os quais poderiam caracterizar estações de alta e baixa temporada.

  No período de Verão (foto 1B), caracterizado por altas temperaturas, o Lago Caracaranã perde parte de seu volume em razão da evaporação, o que repercute na formação de uma área pantanoso em boa parte de sua extensão, razão pela qual é explorada para banho apenas na parte sudoeste, onde não apenas existe uma formação de praia com areais finas, mas, também, propositalmente foram instalados os equipamentos turísticos infra estruturais.

No período de Inverno (foto 1D), caracterizado por chuvas e temperaturas mais amenas, por mais que as águas do Lago Caracaranã expandam de tamanho, recobrindo lateralmente parte da vegetação ciliar ao seu redor, inclusive o banco de areia utilizado pelos banhistas na região sudoeste, ele sempre teve uso como espaço de lazer e recreação, tanto, na época da administração da fazenda Caracaranã, quanto, na atual administração da etno-região da Raposa, em parceria com o Conselho Indígena de Roraima (CIR).

Uma vez identificada a caracterização socioambiental da área de estudo, toma-se como referência, a seguir, a análise histórica sobre a exploração do ecoturismo no Lago Caracaranã com base em uma dupla periodização que se estrutura com distintas características ao longo do tempo, em primeiro lugar, por meio de uma fazenda privada, e, em segundo lugar, com a transformação em terra indígena, devido às mudanças no direito de propriedade e nos padrões de gestão após a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS).

3. Exploração do Ecoturismo no Período de Fazenda

O uso da paisagem natural do lago Caracaranã como um meio produtivo de exploração turística deve ser compreendido a partir de um ciclo de serviços constituído por diferentes fases ao longo do tempo, segmentadas pelo período de lançamento da exploração turística (década de 1980), pelo período de desenvolvimento ampliado dos serviços turísticos (década de 1990), e, pelo período de declínio e fechamento dos serviços turísticos (década de 2000).

Em todas as três fases de exploração do Lago Caracaranã existiu um padrão de turismo ecológico que se caracterizava pela valorização do meio ambiente e de sua paisagem natural para desenvolvimento de atividades recreacionais e de lazer dos participantes, respeitado o princípio de sustentabilidade, ao conciliar desenvolvimento e conservação ambiental (WALKER e MOSCARDO, 2014; PARKS e ALLEN, 2009).

Na primeira fase, na década de 1970, a exploração embrionária do Lago Caracaranã nos períodos de férias surgiu naturalmente em razão das visitações feitas por amigos do proprietário, Sr. Joaquim Corrêa de Melo, bem como dos colegas de escola de seus filhos, oriundos de Boa Vista, o que repercutiu na difusão oral do mito de um paraíso natural nas terras de Normandia.

O espontâneo surgimento de uma demanda exógena à região para explorar a paisagem do Lago Caracaranã impactou gradativamente no aumento do fluxo de visitantes a convite e sem custos pela família Corrêa de Melo, o que repercutiu na ideia de profissionalmente explorá-lo como centro turístico já no final dos anos 1970 a partir da visão do filho mais velho, quando o Sr. Joaquim Corrêa de Melo era Administrador da Normandia entre 1976 e 1978 [6].

Conforme Rosas e Nogueira (2002), Luiz Otávio Corrêa de Melo, filho do fazendeiro Joaquim Corrêa de Melo, foi o idealizador da implementação junto com o pai da exploração turística do Lago Caracaranã na fazenda da família, tornando-o símbolo do município e uma das paisagens naturais de destaque em Roraima, a partir de uma ideia planejada no final dos anos 1970 que seria implementada no começo dos aos 1980.

Na segunda fase, na década de 1980, a estruturação dos serviços turísticos no Lago Caracaranã, começou por meio de uma parceria de arrendamento ao longo dos anos de 1982 e 1984 entre a família Corrêa de Melo, proprietária da Fazenda Caracaranã, aonde se localiza o lago, e, a operadora de turismo, Roraima Turismo Ltda (ROTUR), responsável pela criação dos equipamentos turísticas e pelo funcionamento dos serviços turísticos no lago nos fins de semana e feriados (MELO, 2015).

Em um período com baixas opções de lazer em Roraima, por mais que o transporte de visitantes de Boa Vista para o Lago Caracaranã demorasse entre 8 e 10 horas devido à dependência de um trajeto rodoviário não pavimentado, o qual incluía o transporte dos veículos em duas áreas com balsas, a exploração do aproveitamento turístico do lago caracterizou-se com amplo sucesso.

Para que a exploração turística fosse eficiente na recepção de visitantes nos fins de semana e feriados, a empresa ROTUR construiu uma infra-estrutura de apoio e serviços com base em equipamentos turísticos que incluíam 10 chalés de madeira, do tipo alpino, 10 apartamentos de alvenaria, 1 restaurante, 1 bar, 1 galpão de festas e eventos e 1 área de camping com banheiros coletivos (Fotos 1A e 1B).

Conforme entrevista com o antigo proprietário da fazenda Caracaranã, Sr. Joaquim Corrêa de Melo, com uma média de 20 a 30 turistas recepcionados nos fins de semana, a exploração dos serviços turísticos tinha uma gestão completamente centralizada pela operadora de turismo, ROTUR, contando com 8 a 10 funcionários e serviços de transporte em vãs desde Boa Vista (MELO, 2015).

A partir de 1983, uma vez quebrado o contrato de arrendamento, a administração da exploração do turismo coube à família Corrêa de Melo, inicialmente sob responsabilidade do filho mais velho, Luiz Otávio Corrêa de Melo, e, após o seu falecimento no ano de 1992, sob a responsabilidade de uma administração rotativa dos demais irmãos.

Na terceira fase, na década de 1990, o boom dos serviços turísticos no Lago Caracaranã, ocorreu em um momento sincrônico à consolidação das redes de infraestrutura da rodovia BR 401 e de energia elétrica na região, o que propiciou a diminuição do tempo de transporte entre Boa Vista e o Lago para menos de 2 horas, bem como diminuição do custo da energia e melhores condições de conforto e de atendimento ao turista.

Nesta década, a caracterização da área do lago Caracaranã deixa de ser identificada apenas pela beleza da paisagem natural, com praias de areia fina e uma constante brisa conhecida como cruviana, mas passa a ser conhecida, também pela exploração de uma multiplicidade de atividades de ecoturismo, prática da pesca e de esportes como iatismo, esqui aquático, windsurf e voos em ultraleves, beneficiados por um campo aberto que servia como pista de pouso nas proximidades do lago.

Neste período, a potencialidade do ecoturismo na fazenda Caracaranã, não se resumia às atividades de lazer e esportes diretamente ligados às águas do Lago Caracaranã, mas antes, se baseava em uma concepção ampliada de serviços turísticos de uma fazenda com uma vasta área campestre, propícia para atender a um público eclético de famílias e jovens, que buscavam, tanto a paisagem natural, por meio do campismo e passeios de cavalo um contato individualizado com a natureza, quanto, a paisagem cultural, construída por meio de festas e festivais movidos à forró ou pelas corridas de speedway que atraiam centenas de jovens.

Nos anos 1990, a despeito da simplicidade do pórtico da fazenda Caracaranã mostrar as rugosidades do papel do gado no desenvolvimento regional, dentro de suas porteiras surgiu um inovativo padrão pluriativo de serviços turísticos que foi gradativamente sendo potencializado pela promoção do desenvolvimento cultural na vida roraimense, por meio do lançamento de grupos musicais locais em festas de forró nos feriados e fins de semana, ou, em dois grandes eventos anuais.

É neste momento que a vida cultural roraimense, na ausência de atrações e atividades na capital, Boa Vista, se deslocava para o Lago Caracaranã a fim de participar, tanto, nos fins de semana, de noites de bailes de forró ou de tardes de guerras musicais, oriundas potentes autofalantes dos carros, quanto, no mês de Janeiro, do Festival de Verão, ou, nos meses de Setembro ou Outubro, do Festival Caracaranã (SILVA NETO, 2015).

Em razão da paisagem cultural construída pontualmente sobre a paisagem natural do Lago Caracaranã, a fazenda Caracaranã deixou de ser um polo produtor da pecuária, e, portanto, dinamizador do setor 1º, já que a geração da renda tornou-se concentradamente dependente da atração de visitantes, passando a ser um polo de serviços, dinamizador do setor 3º no município da Normandia.

Como polo difusor do desenvolvimento cultural em Roraima [7], com concursos de miss, como o Garota Caracaranã (Figura 2 D) e lançamento de bandas musicais, como a tradicional "Pipoquinha de Normandia" (Figura 2 C), a fazenda Caracaranã se tornou em um dos maiores empregadores do município de Normandia, tendo de 20 a 30 funcionários, muitos deles indígenas, a fim de atender entre 200 e 300 visitantes nos períodos de pico.

O boom de expansão da exploração dos serviços de turismo neste período é o reflexo da consolidação da infra-estrutura turística construída na década de 1980, no período de administração da ROTUR, a qual fora ampliada pela família Corrêa de Melo, com a construção de 6 novos chalés e quadras esportivas.

Em razão do perfil dos fluxos de turistas que visitavam o Lago Caracaranã, concentradamente oriundos de Boa Vista e Manaus, mas também da Venezuela, e, mais marginalmente da Guyana, a exploração do ecoturismo no Lago Caracaranã caracterizou-se a partir da década de 1990 por um padrão transfronteiriço de paradiplomacia turística que se estruturou com base nas rotas de uma porção da área conhecida na historiografia como Amazônia Caribenha, ou Ilha das Guianas (OLIVEIRA, 2014).         

Na quarta fase, na década de 2000, o declínio dos serviços turísticos na fazenda Caracaranã estruturou-se em dois momentos por razões distintas e cumulativas, já que, no início da década surgiu uma política da Família Corrêa de diminuição do número de visitantes por meio da redução da escala e da periodicidade dos eventos e festas.

Por um lado, a elevada escala numérica de grupos de jovens visitantes para explorar atividades de ecoturismo no Lago durante 24 horas nos fins de semana, feriados e períodos de férias começou a impactar em crescente bagunça e poluição socio-ambiental, o que por conseguinte afastava as famílias do próprio lago, repercutiu, assim na decisão família Corrêa de Melo de diminuir o número de eventos e festivais [8].

Por outro lado, o fim da judicialização política da Demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano de 2009 repercutiu no fechamento do Lago Caracaranã para visitação pública, logo após o processo de desintrusão dos antigos proprietários da fazenda Caracaranã, até a conformação de uma nova agenda de uso integrado e sustentável desta área em 2013 pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) e os povos indígenas que habitam a etno-região da Raposa.

O fim abrupto do ciclo de serviços turísticos do Lago Caracaranã é revelador do federalismo fundiário existente em Roraima, no qual as intervenções federais com o objetivo de promover causas indígenas e ambientais na Amazônia por meio da criação de reservas, acaba fragmentando até mesmo as dinâmicas territoriais ligadas à defesa e promoção do desenvolvimento sustentável da região, o que sistematicamente tem polarizado a própria sociedade [9].

4. Exploração do Ecoturismo no Lago Caracaranã no Período de Território Indígena

Embora no imaginário do homem não indígena o Lago Caracaranã seja sempre pensado em sua dimensão material de exploração do ecoturismo, por sua vez, no imaginário indígena não existe uma necessária correspondência, sendo identificado mais como uma área propícia a uma cosmovisão de sociotureza, de harmonia na relação indígena/meio-ambiente.

O lago Caracaranã se apresenta com a mesma dimensão simbólica em relação a outros lagos e lagoas existentes em Normandia, sendo parte de um complexo lacustre caracterizado como rugosidade, por meio de linhas de água e praias do extinto Lago Parima, presente nas lendas indígenas da região, o qual também é chamado de Lago Rupununi ou Manoa e teria se localizado nos campos dos territórios de Roraima e Guyana, com uma suposta extensão de 80.000 km2 (STEVENSON,1994).

O fato do lago Caracaranã não ser compreendido como uma excepcionalidade no imaginário das comunidades tradicionais da região, mas antes, mais uma localidade sagrada de manifestação de suas crenças e lendas, demonstra que o seu aproveitamento material não se torna uma prioridade e necessariamente se faz de maneira distinta ao padrão exploratória à época da fazenda Caracaranã, valorizando a dimensão harmônica da relação indígena e natureza.

Conforme Oliveira (2013), pesquisador indígena residente na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS), a exploração do ecoturismo no Lago Caracaranã como uma alternativa econômica não é compreendida como uma prioridade material pelos povos tradicionais ali presentes, haja vista a relevância de outros temas para o dia-a-dia das comunidades indígenas.

"Em 2010 participei da seleção para o presente Mestrado com o projeto de pesquisa intitulado: Ecoturismo no Lago Caracaranã uma alternativa econômica para a TIRSS, onde fui aprovado para cursar o Mestrado. Porém durante minhas participações nas assembleias do CIR, percebi que os Povos Indígenas tinham outras demandas e que eram constantes os questionamentos da ausência do Estado para com as comunidades e terras indígenas de Roraima e buscavam apoio nas áreas de educação, saúde, agricultura, produção, transporte e outras reivindicações" (OLIVEIRA, 2013, p. 16).

No ano de 2013, quatro anos após a desintrusão de fazendeiros em razão da judicialização da demarcação da TIRSS no Supremo Tribunal Federal (STF), houve a retomada da exploração ecoturística no Lago Caracaranã, não mais seguindo o padrão de escala da época da fazenda, mas agora sob um novo enfoque, razão pela qual não se pode dizer que há um padrão de declínio dos serviços turísticos, mas antes, surge um novo padrão de exploração em menor escala.

Conforme entrevista com agente indigenista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em Roraima, embora a exploração turística do Lago Caracaranã seja compreendida como uma potencialidade para alavancar o etnodesenvolvimento da região, o tema é controverso, pois não há convergência entre as diferentes comunidades indígenas que compõe a TIRSS, dada o caráter sagrado da área (SILVA, 2015).

Mesmo não existindo consenso sobre a exploração turística do Lago, por decisão comunitária, este tem sido realizada de maneira improvisada por algumas famílias de indígenas, utilizando os equipamentos turísticos pre-existentes, embora, sem necessariamente haver treinamento ou uma política de comando e controle sobre a gestão por parte de órgãos como a FUNAI ou o CIR.

Por mais que Lago Caracarañ tenha sido reaberto a visitação público, os impasses para uma política indígena de exploração do turismo como instrumento de etnodesenvolvimento repercutiram em um baixo volume de turistas e em um alto volume de críticas por parte dos operadores de serviços turísticos em Boa Vista e do próprio  Poder Público Estadual (PEIXOTO, 2015; ZANONA, 2015).

Diferentemente de outras áreas do Território Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) em que as relações socioespaciais das comunidades indígenas são caracterizadas pelo fortalecimento da dinâmica de sociotureza, no Lago Caracaranã, o afastamento do indígena deste território devido à presença da fazenda nos séculos XIX e XX, acabou repercutindo em uma lenta e gradativa fragmentação de sua territorialidade, com consequente perda de sua cosmovisão simbólica e material do lago.

Embora a valorização simbólica e material da natureza pelo indígena apresente multifacetadas repercussões no seu dia-a-dia nas áreas de materialização de sua territorialidade por meio da cristalização de determinadas ações, costumes e rituais que podem ser absorvidas pela análise de um calendário cultural ou socionatural no tempo e no espaço, por sua vez, no caso do Complexo lacustre da Normandia em que se inclui o Lago Caracaranã, as fazendas de gado que multirecortaram os territórios das comunidades tradicionais entre os séculos XVIII e XX impactaram não apenas em processos de fragmentação territorial, mas também, de perda da memória cultural do indígena sobre esta paisagem natural.

Nesta contextualização, a área da antiga fazenda Caracaranã é apreendida temporalmente pelo conceito de multiterritorialidade, no qual o território original das comunidades indígenas passa a ser ocupado desde o século XVIII por não índios por meio do uso da força e com correspondente fragmentação territorial indígena para outras áreas, tornando-se o gado e o serviço turístico do lago em instrumentos de desterritorialização indígena na área (BETHONICO e MACHADO, 2011).

Com a demarcação da TIRSS, por mais que persista uma relação de identidade do indígena com o Lago Caracaranã, não mais existem rugosidades de ações, costumes, rituais e cerimoniais característicos até a chegada dos primeiros fazendeiros na região, razão pela qual a nova relação de interdependência harmônica entre o indígena e esta paisagem incorre em um processo de ressignificação territorial, em especial, com a transformação do local em espaço de (re)produção do ativismo político das comunidades indígenas por meio de Reuniões, Conferências e Assembleias.

No ano de 2009, com a demarcação definitiva da TIRSS em área contínua, surgiu o projeto de construção do Centro Regional Lago Caracaranã, em parceria com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Ministério da Cultura (MinC) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR) a fim de tornar a área em um núcleo de promoção da cultura indígena e do etnoturismo, com base em uma estrutura funcional para a realização de eventos das comunidades indígenas (VASCONCELOS, 2009).

No ano de 2012, com a estruturação do Centro Regional Lago Caracaranã (foto 3A e 3B), a tradicional paisagem natural do Lago Caracaranã passou por um ressignificação, tornando-se em um espaço de articulação política das lideranças e das comunidades indígenas, com uma pluralidade de eventos, organizados pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), haja vista que a área possui um valor simbólico como local sagrado e uma posição geoestratégica que supostamente facilitaria o encontro de diferentes comunidades indígenas existentes em Roraima, na Venezuela (OLIVEIRA, 2015).

Embora o Lago Caracaranã seja uma paisagem que continua sendo utilizada para o lazer, inclusive para a visita de não indígenas desde dezembro de 2011 a um custo de R$10,00 por visitante (OLIVEIRA, 2012), a nova dinâmica do local gira em torno do Centro Regional Lago Caracaranã, o qual pode ser caracterizado como um local de convenções para diálogo e construção das agendas das comunidades indígenas (foto 3C).

O polo atrator do Lago Caracaranã, que fora o principal centro de exploração do ecoturismo no estado, com um elevado número de visitantes em anos anteriores, sob a coordenação do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e a administração de famílias da etno-região da Raposa, tornou-se concentradamente em um polo de politização indígena dada a marginalidade da exploração do ecoturismo.

Como não existe uma comunidade indígena residente na área da antiga fazenda Caracaranã, a sua exploração é realizada de maneira rotativa por diferentes famílias de comunidades próximas que ficam como responsáveis in loco, as quais são indicadas por meio de uma auto-organização participativa da etno-região da Raposa e sob a coordenação do Conselho Indígena de Roraima (CIR), já que são eles que indicam quais são as famílias responsáveis in loco pelo Lago Caracaranã.

Uma vez que a reestruturação indígena dos empreendimentos na área é realizada de maneira gradual, desprofissionalizada e com baixo grau de conservação dos equipamentos turísticos, observa-se uma clara falta de planejamento estratégico quanto ao uso do Lago Caracaranã, o que resultou em um vazio socioespacial e na formação de novas agendas de construção de uma territorialidade, como é o caso do projeto da horta comunitária, implementado no formato de um Sistema de Plantação em Mandala (Foto 3D).

Percebe-se que existe um assincronismo entre o simbolismo do Lago Caracaranã, vivo nos relatos das gerações mais velhas e que vai se perdendo no tempo, diante das novas percepções das gerações mais novas, as quais têm funcionalmente construído novas representações, cuja materialidade pode ser apreendida pela instalação física do Centro Regional Lago do Caracaranã, como espaço convergente de diálogo e ativismo político indígena (foto 1C).

Como a identificação de determinadas ações, costumes, rituais e cerimoniais que fortalecem a relação de interdependência harmônica entre o indígena e a natureza é um instrumento funcional para compreender as dinâmicas de territorialidade das comunidades indígenas, cristalizadas em rugosidades no tempo e no espaço, no atual Lago Caracaranã, a perda das rotinas indígenas tradicionais abriu espaço para o surgimento de uma nova ressignificação material e simbólica após a demarcação da TIRSS, repercutindo em uma nova dinâmica de territorialidade, visualizada por um calendário sociocultural que exprime, tanto, a mobilidade espacial indígena em determinados períodos do ano, quanto, as ações de ativismo político e lazer.

5. Últimas Considerações

O Lago Caracaranã trata-se de uma paisagem existente dentro de um complexo territorial de lagos e lagos em Roraima, destacando-se não em razão de belezas naturais superiores em relação às demais formações hídricas da região, mas, justamente, por ter sido foco de um aproveitamento socio-econômico pelo homem, principalmente, a partir da década de 1970.

Como em qualquer outra paisagem, o Lago Caracaranã, apresenta um ciclo de vida na prestação dos serviços turísticos, cuja evolução foi marcada, tanto, por motivos organizacionais de planejamento e competência de gestão que impactaram no desenvolvimento ecoturismo, quanto, por contingências externas, que repercutiram em uma abrupta interrupção, com a demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

No ciclo de vida do Lago Caracaranã, o desenvolvimento do ecoturismo pode ser compreendido em sua evolução a partir de duas macrofases, caracterizadas pelo papel da livre iniciativa e da intervenção estatal e que demonstram os campos de poder existentes, mesmo entre os atores que difundem o discurso construtivista do desenvolvimento sustentável.

A primeira macrofase caracteriza-se pela estruturação e expansão nas décadas de 1970 e 1980, bem como pela consolidação dos serviços de ecoturismo nas décadas de 1990 e 2000, com base no papel de capilaridade empreendedora da família proprietária da fazenda Caracaranã, junto aos diferentes atores locais interessados, para a exploração do potencial natural.

A segunda macrofase, por sua vez, caracteriza-se pela deterioração das condições de exploração do ecoturismo, após a demarcação da TIRSS no ano de 2009 e um rápido período de fechamento do Lago Caracaranã para visitação pública até dezembro de 2011, quando os atores indígenas o reabrem em um novo contexto de ressignifição quanto às prioridades de uso da paisagem natural.

Por um lado, o sucesso da exploração do ecoturismo no Lago Caracaranã, entre as décadas de 1980 e 2000, pode ser compreendido pelo adequado aproveitamento da paisagem natural, respeitando o limite de carga turística conforme as análises lacustres sobre a qualidade da água nas temporadas de pico dos fluxos turísticos, em um contexto de integração territorial por meio das redes infraestruturais de energia elétrica e rodoviária, no qual a difusão de um marketing boca-a-boca e as parcerias dos proprietários com agentes turísticos e com empresários na promoção de eventos e festivais foram responsáveis por criar uma dinamização cultural para a área (MELO, 2015).

Por outro lado, em um contexto de fragmentação territorial com a demarcação da TIRSS, o fechamento do Lago Caracaranã entre os anos de 2008 e 2011, ao mesmo tempo, que restringiu o acesso de turistas à paisagem natural e cultural mais dinâmica de Roraima, também, impactou no desenvolvimento de um empreendedorismo político e econômico compensatório, o qual se materializou pela dinamização, tanto, de atividades culturais em outras localidades, como nos festivais do município de Pacaraima e em festas típicas dos municípios do interior, quanto, na criação mercadológica de outros paraísos naturais, como é o caso do Lago do Robertinho, próximo a Boa Vista.

As quatro décadas de desenvolvimento do ecoturismo no Lago Caracaranã foram decisivamente comprometidas pelo breve período de fechamento sob a administração indígena, não apenas em função da falta de profissionais e de estrutura física, mas, também, porque novas paisagens naturais e culturais concorrentes surgiram, tomando como referência os mesmos modelos de empreendedorismo implementados pela família Corrêa de Melo na década de 1980.

A rápida transformação da dinâmica de exploração do ecoturismo no Lago Caracaranã, ao ser marcada por um processo de inflexão na capacidade de mobilidade das pessoas devido ao fechamento territorial promovido demarcação da TIRSS, trouxe consigo um contexto de insegurança ao turista para explorar a área, já que não existem marcos regulatórios ou parcerias com operadores de turismo, o Ministério do Turismo, ou, mesmo com os governos do município de Normandia e do estado de Roraima (ZANONA, 2015; PEIXOTO, 2015).

Em consonância a outros estudos sobre o papel do turismo na promoção do etnodesenvolvimento (NOGUEIRA, 2013; BRANDÃO, 2012; BARBOSA e SILVA, 2012), a presente pesquisa demonstrou que existem dificuldades na gestão territorial do Lago Caracaranã, tornando-se o espaço em um local de ressignificação, no qual o discurso da exploração do turismo ecológico ou étnico acaba se materializando como uma agenda marginal frente à outras atividades geradoras de renda, de natureza agropecuária, oriundas das antigas fazendas desintrusadas na TIRSS.

O panorama de deterioração das condições de exploração do ecoturismo no Lago Caracaranã não tem nenhuma condição ambiental como empecilho, mas antes é engendrada, por um lado, pela falta de interesse, planejamento e capacitação das comunidades indígenas, e, por outro lado, pela falta de canais de comunicação e eventualmente polarização dos discursos entre os principais atores interessados que são as lideranças indígenas, a Funai, o CIR, bem como os operadores de turismo e os gestores públicos do município de Normandia e do estado de Roraima.

Conclui-se que por motivos internos na organização indígena e nos canais de comunicação com atores interessados no planejamento da exploração do Lago Caracaranã, e, por contingências externas de novas paisagens naturais e culturais mercadologicamente criadas, o Paraíso do Caracaranã vai se tornado cada vez mais retomando seu papel como espaço sagrado e de politização indígena, demonstrando que o discurso do etnodesenvolvimento da região com base no turismo ecológico ou étnico apresenta baixas condições de materialização.

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1Unidade Integrada Vale do Taquari de Ensino Superior (UNIVATES), Brasil, alexaturismo@gmail.com
2. Universidade Federal de Roraima (UFRR), Brasil, eloisenhoras@gmail.com
3. Unidade Integrada Vale do Taquari de Ensino Superior (UNIVATES), Brasil, cleia.rikils@gmail.com     

4. Unidade Integrada Vale do Taquari de Ensino Superior (UNIVATES), Brasil, lflaroque@univates.br  
5. Com a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, o município da Normandia tornou-se totalmente terra indígena, à exceção do plano urbano, a própria sede, a qual incorre em claros limites para sua expansão e perda da autonomia para seu desenvolvimento que historicamente sempre esteve ligado às atividades da agropecuária no perímetro rural.

6. Na década de 1950, o aumento da ocupação sócio espacial da região ligada à atividade agropecuária repercutiu na transformação da vila de Normandia à categoria de distrito do Município de Boa Vista no ano de 1955, sob a denominação de Distrito de Conceição de Maú, uma clara alusão ao nome da fazenda de exploração originária da pecuária na região, fundada pelo cearense José Amâncio de Lima, (NOVAIS, 1993; ROSAS e NOGUEIRA, 2002).

7. Como polo atrator do turismo na Tríplice Fronteira, Venezuela-Brasil-Guyana, muitas das inovações culturais à época, consolidadas na fazenda Caracaranã, acabaram sendo copiadas e passaram a fazer parte da vida do roraimense, como as guerras de som entre jovens e o surgimento de festivais municipais, principalmente nas cidades do interior de Roraima, ou, ainda, concursos de beleza como o Garora Matrinchã, na capital, Boa Vista.

8. Embora, o número de festivais tenha diminuído, o Lago Caracaranã completou 20 anos promovendo eventos que atraiam um elevado número de jovens, sendo o primeiro Festival inaugurado em 1988 e o último promovido no ano de 2008 (MELO, 2015).

9. "O Estado, para fazer justiça aos índios, acabou por cometer injustiças em relação aos aludidos e desiludidos não índios, posto que compulsoriamente retirados das terras nas quais se radicaram por ação do próprio Estado, não foram devidamente indenizados e foram humilhados com o rótulo de intrusos.  [...] Ao assim agir, o Estado violou normas éticas e atingiu negativamente a dignidade dos "desintrusados". Indubitavelmente, os acontecimentos que culminaram com a retirada dos não índios da terra indígena em alusão causaram fratura a sua imagem e honra, ou seja, configuraram lesão aos direitos da personalidade. [...] É importante registrar que o governo indenizou apenas as benfeitorias, desconsiderando o valor das terras, mesmo daquelas com títulos definitivos, e tempo de residência das famílias. Os títulos foram declarados nulos, sob o fundamento de que eram terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, ou seja, terras da União, de acordo com o laudo antropológico da área" (VERAS, 2014, p. 08; 104; 145).


 

Vol. 36 (Nº 17) Año 2015

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