Espacios. Vol. 35 (Nº 12) Año 2014. Pág. 13

Política Industrial e Desenvolvimento: o caso da indústria brasileira de Tecnologia de Informação

Industrial Policy and Development: the case of Brazilian industry of Information Technology

Antônio Carlos DIEGUES 1, José Eduardo ROSELINO 2, Renato GARCIA 3

Recibido: 06/08/14 • Aprobado: 12/10/14


Contenido

Introdução

1. Experiências internacionais de política industrial e desenvolvimento das atividades de TI: breves notas sobre os casos de Índia e Irlanda

2. O nascimento da indústria brasileira de TI: da prospecção inicial à reserva de mercado

3. A política industrial no contexto pós reserva de mercado: da consolidação à internacionalização

Considerações Finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

O objetivo deste artigo é analisar a importância das políticas públicas brasileiras para a construção e o desenvolvimento de uma indústria de Tecnologia de Informação local no período compreendido entre as décadas de 1970 e 2010. Neste sentido, parte-se do pressuposto de que os processos de emergência e consolidação de atividades de alta tecnologia tanto em economias centrais como periféricas, raramente são estimulados apenas pela ação das forças de mercado. A partir desse argumento principal, é proposta uma classificação das políticas públicas brasileiras para informática em quatro fases, em que se destaca sua importância para o desenvolvimento local destas atividades. Em seguida, conclui-se que, a partir de uma análise comparativa da relação entre políticas públicas e desenvolvimento das atividades de TI em países periféricos tidos como casos paradigmáticos de sucesso no setor (como Índia e Irlanda) e o Brasil, as políticas de incentivo brasileiras contribuíram para a construção de um conjunto de atividades de TI estritamente vinculadas à estrutura produtiva local e, portanto, essencialmente distintas daquelas observadas nos países citados anteriormente
Palavras-Chave: Política Industrial; Tecnologia de Informação; Indústria Brasileira de TI.

ABSTRACT:

This paper aims to analyze brazilian public policies contribution for the development of a local Information Technology (IT) industry in the period between 1970 and 2010. It is assumed that the emergence and consolidation of high-tech activities in both central and peripheral economies are rarely stimulated only by market forces. In this context, we proposed a classification of Brazilian public policies for IT in four phases and emphasized the centrality of these to the local development of these activities. It is concluded that, from a comparative analysis of the relationship between public policies and development of IT activities in peripheral countries regarded as paradigmatic cases of success in the industry (such as India and Ireland) and Brazil, brazilian industrial policies contributed to the construction of local IT activities strictly linked to the domestic production structure and, therefore, essentially different from those observed in the countries mentioned above Key-Word: Industrial Policy; Information Technology; Brazilian IT Industry.

Introdução

O objetivo deste artigo é analisar a importância das políticas públicas brasileiras para a construção e o desenvolvimento de uma indústria de informática local no período compreendido entre as décadas de 1970 e 2010. Para tal, procura-se segmentar estas políticas em quatro fases: (i) prospecção e capacitação inicial – 1972 a 1978, (ii) constituição – 1979 a 1992, (iii) consolidação e autonomização – 1993 a 2002 e (iv) centralização e internacionalização – 2003 até 2010.

Neste sentido, a tese defendida por este artigo é a de que os processos de emergência e a consolidação das atividades de Tecnologia de Informação (TI) tanto em economias centrais como periféricas, raramente são estimulados apenas pela ação dos mecanismos de incentivo e das sinalizações derivadas da atuação das forças de mercado. Ou seja, em intensidades distintas devido às especificidades das transformações tecnológicas em questão e dos contextos institucional e tecnológico no qual estas transformações se desenvolvem, a atuação das políticas públicas se revela como um importante elemento condicionante destes processos. A partir deste arcabouço, o artigo pretende apresentar suas principais contribuições: (a) uma análise comparativa da relação entre políticas públicas e desenvolvimento das atividades de TI em países periféricos tidos como casos paradigmáticos de sucesso no setor (como Índia e Irlanda) e o Brasil, e (b) mostrar como a políticas de incentivo brasileiras contribuíram para a construção de um conjunto de atividades de TI estritamente vinculadas à estrutura produtiva local e, portanto, essencialmente distintas daquelas observadas nos países citados anteriormente.    

Dentre as diversas razões inspiradas na corrente teórica neoschumpteriana para se justificar a adoção de políticas públicas para as atividades de alta intensidade tecnológica, destacam-se o grau elevado de incerteza tecnológica e financeira associado aos processos de mudanças tecnológicas e o fato destas atividades serem importantes instrumentos viabilizadores do aumento da produtividade em outros setores e, deste modo, de atuarem no sentido de impulsionar o aumento da competitividade da economia local no cenário internacional (Baptista, 2000).  É exatamente neste cenário que se justifica a importância de políticas industriais aplicadas às atividades de TI. Isso porque essas atividades apresentam papel central no paradigma tecno-econômico consolidado a partir da consolidação da revolução da microeletrônica no último quartel do século XX.

No que diz respeito a sua importância nos agregados macroeconômicos, esse papel central consubstancia-se em seu elevado dinamismo, nas expressivas dimensões financeiras de seus mercados, em sua elevada capacidade de gerar postos de trabalho qualificados e bem remunerados, e em seu dinamismo nos fluxos comerciais internacionais.  Adicionalmente, e talvez mais importante, o papel central da TI no atual paradigma tecno-econômico é mais bem compreendido quando se analisa sua presença nas mais diversas atividades e setores econômicos. Assim, pode-se destacar sua presença na forma de componente embarcado, na totalidade dos produtos do complexo eletrônico, ou como atividade auxiliar ao processo produtivo de outros bens e serviços dentre as quais se destacam os sistemas de softwares responsáveis pelo gerenciamento de atividades empresariais.

Em síntese, enfatiza-se que o caráter transversal e pervasivo da TI além de contribuir para sua importância econômica direta, faz com que suas transformações tecnológicas se configurem cada vez mais como elementos fundamentais para a compreensão da dinâmica concorrencial e inovativa dos diversos setores nos quais ela se faz presente. Assim, mostra-se também que dado seu grande potencial inovativo e sua presença nas mais diversas atividades econômicas, os benefícios associados ao fortalecimento da indústria local de TI transbordam as fronteiras do setor e se configuram como importantes insumos para quaisquer esforços mais amplos de incremento da competitividade econômica brasileira.

Neste contexto torna-se mais clara a importância estratégica das políticas públicas para a emergência e consolidação das atividades de informática, especialmente as de software, inclusive em nações centrais do sistema capitalista, como os EUA (Mowery, 1999). Assim, neste país a ação das políticas públicas relacionadas principalmente à disponibilização de recursos para a realização de atividades de P&D e à política de compras públicas que garantiu por muitos anos a demanda da indústria de informática nascente, foram vitais para sua emergência e consolidação. Em outras palavras, no mesmo sentido que afirmam Langlois & Mowery (1995), nem mesmo a condição de maior economia do mundo, o domínio de capacitações tecnológicas complexas e o papel de destaque de suas empresas na indústria eletrônica foram suficientes para que o nascimento da indústria de informática e de software fosse uma consequencianatural e espontânea da evolução de uma trajetória tecnológica dominada pelas empresas estadunidenses.

Deste modo, levando-se em consideração este arcabouço de análise, a seção 1 busca analisar a importância das políticas industriais para o desenvolvimento das atividades de TI em países periféricos (Índia e Irlanda) tidos como casos paradigmáticos de sucesso no setor. Tal análise é feita com o objetivo de se mostrar que a despeito das atividades brasileiras de TI não apresentarem o mesmo dinamismo exportador deste setor na Índia e na Irlanda, a política industrial local foi fundamental para a construção de um setor com um grau de vinculação à estrutura produtiva doméstica que permite que empresas brasileiras de TI concentrem suas atividades em segmentos com maior complexidade tecnológica e maior capacidade de agregação de valor. A seção 2 procura destacar a importância da política industrial para o nascimento das atividades brasileiras de TI. Na seção 3, tal importância é demonstrada nas fases de consolidação, autonomização e internacionalização destas atividades. Por último, são apresentadas as considerações finais.

1. Experiências internacionais de política industrial e desenvolvimento das atividades de TI: breves notas sobre os casos de Índia e Irlanda

Aproveitando as oportunidades associadas à tendência de internacionalização das atividades de TI a partir dos anos 1970, países considerados pela literatura tradicional como paradigmáticos como Índia e Irlanda, que anteriormente não apresentavam destaque internacional nas indústrias características do paradigma tecno-econômico atual, inseriram-se como importantes nódulos nas redes globais de produção das atividades de TI.

As primeiras políticas públicas para fomento a indústria de TI na Índia remontam ainda à década de 1970 e estão associadas aos incentivos fiscais para a importação de hardware voltado ao desenvolvimento de software para exportação. No entanto, a despeito do caráter relativamente precoce destas políticas (quando comparadas a outros países periféricos) e do constante aprimoramento e expansão das políticas públicas associadas ao desenvolvimento desta indústria (materializada na expansão dos incentivos fiscais e cambiais na primeira metade dos anos 1980, na melhora da infra-estrutura de telecomunicação e na criação de parques tecnológicos no final desta mesma década), é apenas a partir do surgimento da tendência de "offshoring voltado à redução de custos" que as atividades indianas de TI assumem uma dimensão significativa.

Além das já citadas políticas de incentivos fiscais e cambiais, a abundância de mão de obra relativamente qualificada, com domínio da língua inglesa e a baixos custos (tanto no que se refere aos salários quanto a diversos outros custos indiretos) pode ser considerada como um dos principais fatores que contribuíram de maneira decisiva para a consolidação da Índia como nação de destaque nesta tendência a partir de meados da década de 1990.

Como resultado desta acoplagem às redes globais de produção, a indústria indiana de TI se transformou num dos principais destinos globais das atividades de offshoring outsourcing, com algumas empresas de destaque internacional como Infosys, Wipro e TCS.

No entanto, apesar dos impactos positivos na renda, no emprego e no fluxo de divisas internacionais, a integração da indústria indiana de TI nas redes globais de produção ocorre por meio do offshoring para este país de funções hierarquicamente inferiores como programação, codificação e desenvolvimento de pequenos aplicativos pouco sofisticados tecnologicamente. Assim, apesar da evolução dos modelos de negócio que migraram do body shopping vigente nos anos 1980 em direção a modelos mais sofisticados (nos quais grandes empresas conhecidas como full IT service provider oferecem toda a gama de serviços de TI para um determinado cliente), a indústria indiana de TI ainda apresenta um baixo grau de autonomia tecnológica.

Além disso, devido ao fato das exportações representarem a maior parte de suas receitas e do fato destas serem fortemente dependentes da atuação de filiais locais de empresas multinacionais, a baixa autonomia também se reflete na dependência de um centro dinâmico exógeno. A conjugação destes fatores, por sua vez, faz com que Roselino (2006) classifique esta indústria como um representante típico daquilo que denomina de modelo terciário exportador. Neste mesmo contexto, buscando destacar as limitações do modelo indiano e, em decorrência da percepção amplamente difundida de que este seria um caso paradigmático de estratégia de desenvolvimento das indústrias de alta tecnologia que deveria ser replicado por outros países periféricos, Arora & Gambardella (2004) alertam que o movimento de offshoring de atividades de codificação e manutenção de software não implica direta e necessariamente no desenvolvimento subsequente de atividades tecnologicamente mais complexas como design.

Ao se analisar o segundo caso paradigmático de desenvolvimento da indústria de TI em países periféricos – a Irlanda – observa-se que diversas das limitações associadas ao modelo de desenvolvimento indiano também se aplicam.

Assim como na Índia, o desenvolvimento da indústria de TI na Irlanda pode ser considerado como um desdobramento do movimento mais geral de offshoring característico do setor a partir dos anos 90 e, em paralelo, da adoção de políticas industriais por parte Irish Development Agency (IDA) direcionadas principalmente ao oferecimento de incentivos fiscais para a atração para o país de filiais de multinacionais estadunidenses.

Aproveitando-se dos diversos benefícios fiscais (principalmente do fato da Irlanda apresentar um regime de tributação bastante favorável quando comparado aos principais países do continente europeu), da proximidade com os principais mercados consumidores europeus e da disponibilidade de mão de obra qualificada, as empresas estadunidenses transformaram a Irlanda em sua principal base de exportação de software para o continente europeu. Ao operar a partir da lógica de segmentação das atividades em escala global, tais empresas realizam no país a tradução para diversas línguas europeias e pequenas adaptações de interface nos softwares desenvolvidos pelos demais nódulos subordinados às empresas controladoras da rede. Em seguida, tal produto é exportado para os mercados locais do continente.

Roselino (2006) afirma que nesse cenário, uma análise mais detalhada das atividades de TI desenvolvidas na Irlanda demonstra que apesar deste país ser considerado como um dos principais exportadores mundiais de software produto, a parcela destes softwares que é realmente desenvolvida na Irlanda é muito reduzida. Um indicativo deste fenômeno é o fato de que o número de empregados da indústria irlandesa de software é substancialmente mais baixo quando comparado a outros países cujas indústrias de software apresentam receitas da mesma magnitude. Deste modo, a rigor, com algum risco de exagero, pode-se afirmar que as filiais de multinacionais localizadas na Irlanda recebem o software praticamente pronto e executam tarefas de customização e o revendem em mercados terceiros. Ou seja, operam a partir de uma lógica semelhante àquela característica da empresa "maquiladora". Neste mesmo sentido, Roper & Grimes (2003, p. 15) lembram que na indústria irlandesa de software:

"capacidades e vantagens locais desempenham um papel relativamente pouco importante tanto na criação de valor quanto no desenvolvimento das plantas produtivas, pois essas dependem da transferência de tecnologia externa para o desenvolvimento de novos produtos" (tradução própria).

A partir do exame do modelo desenvolvimento da indústria de TI em países paradigmáticos como Índia e Irlanda, o que se observa é que a adoção de políticas industriais que tenham como principal objetivo a acoplagem às redes globais de produção não necessariamente constituiu uma indústria local apta a desenvolver soluções com alto grau de sofisticação tecnológica. De maneira geral tais indústrias orientaram sua atuação majoritariamente para o mercado externo e se inseriram em elos menos nobres da divisão internacional do trabalho na indústria de software. Isso fez com que elas não conseguissem estabelecer um vínculo orgânico com as estruturas produtivas locais e assim, não se capacitassem para desenvolver um conjunto mais amplo de soluções tecnologicamente sofisticadas necessárias para atender as demandas potencialmente mais complexas destas estruturas produtivas locais.

2. O nascimento da indústria brasileira de TI: da prospecção inicial à reserva de mercado

A partir da compreensão da importância do fomento público às atividades intensivas em tecnologia por parte dos policy makers brasileiros, a primeira fase das políticas públicas para a criação das bases e a constituição da indústria de informática no Brasil inaugura-se em 1972. Denominada neste artigo de "prospecção e capacitação inicial", esta fase se estende de 1972 a 1978 e é marcada pela criação, sob orientação do regime militar, da Capre (Coordenação de Atividades de Processamento de Dados) a qual, segundo Tápia (1995), possuía uma ampla base de sustentação política, uma vez que representava ao mesmo tempo uma sinergia de interesses das elites militares, e civis burocráticas e científicas.

De maneira geral, o que se observa é que assim como ocorreu nos EUA, as políticas públicas se anteciparam à percepção do mercado acerca da centralidade da informática no paradigma tecno-econômico que se consolidaria a partir do último quartel do século XX. Nesta fase inicial grande parte das contribuições da Capre residiu na realização de estudos prospectivos e diagnósticos sobre a indústria brasileira de informática, e principalmente na mobilização de um conjunto de forças políticas que viriam a sustentar as futuras ações de incentivo ao desenvolvimento desta indústria. Assim, pode-se afirmar que um dos primeiros resultados das ações desse órgão foi a incorporação do tema "indústria de informática" na pauta política estratégica nacional.

Outro importante resultado da atuação da Capre, agora no sentido de fomentar a capacitação tecnológica nacional, foi a articulação que propiciou o nascimento já em 1974 da Cobra (Computadores e Sistemas Brasileiros) a qual centralizou sua atuação nos segmentos de minicomputadores e foi responsável pelo primeiro computador totalmente projetado, desenvolvido e industrializado no Brasil.

Refletindo a preocupação crescente por parte dos militares acerca dos rumos das atividades de informática no Brasil, em 1979 a Capre é substituída pela SEI (Secretaria Especial de Informática). Este fato, por sua vez, inaugura a segunda fase das políticas públicas para a criação das bases da indústria de informática no Brasil (denominada neste artigo de "constituição", e que se estende de 1979 a 1992).

A SEI era responsável pela formulação da Política Nacional de Informática (PNI) e pelo manejo de instrumentos de diversa natureza necessários para sua implementação e gestão. Em outras palavras, a decisão sobre quase todo o espectro de questões que estavam vinculadas à indústria brasileira de informática (inclusive o setor de software), como autorização de importações, de licenciamentos, de acordos de transferências de tecnologia e de joint ventures, concessão de incentivos e subsídios, permissão para comercialização de produtos e para o estabelecimento de filiais de empresas multinacionais no Brasil, entre outros, era de incumbência da SEI.

Grosso modo, pode-se afirmar que é nessa fase que se observa a constituição da indústria brasileira de informática, com a diversificação dos produtos ofertados, a constituição de uma rede de fornecedores locais, o aumento do número de empresas presentes no setor e o aumento da penetração dos bens e serviços de informática nos demais setores produtivos.

No que diz respeito especificamente ao software, vale destacar que apesar deste não ocupar uma posição de centralidade nas duas primeiras fases da política pública brasileira para a informática, havia uma proteção ainda que indireta às atividades locais. Com a evolução da trajetória tecnológica e a percepção cada vez maior da importância do software frente à TI, em meados da década de 1980 a SEI estabelece que o registro e os direitos de comercialização de softwares estrangeiros voltados para equipamentos de pequeno e médio porte só seriam concedidos na inexistência de "similar nacional". Ou seja, um instrumento clássico do desenvolvimento industrial brasileiro e já vigente para os equipamentos de informática, também passa a ser utilizado como forma de incentivo às atividades locais de software.

A despeito das interpretações muitas vezes divergentes acerca dos resultados específicos das duas primeiras fases das políticas públicas brasileiras para a informática, entendidas grosso modo como período da "reserva de mercado", há um certo consenso de que foi a partir de seus incentivos que a indústria brasileira de informática se constituiu, não sem limitações e deficiências de diversas naturezas. Ou seja, observou-se no período o aumento do número de empreendimentos no setor, a elevação de seu faturamento, a ampliação do número de produtos ofertados, a constituição de uma rede de fornecedores e prestadores de serviços especializados locais e o avanço nas atividades de P&D em informática (e, de maneira mais ampla, nas TIC – Tecnologia de Informação e Comunicação – como um todo) especialmente em universidades e institutos de pesquisa.

Não obstante estes resultados para a constituição da indústria brasileira de informática, há um certo consenso sobre as limitações da política de reserva de mercado em algumas dimensões. Além das amplamente citadas (e previsíveis, dado o contexto inicial de atraso tecnológico a partir do qual se iniciam ainda nos anos 1970 os esforços para a constituição da indústria brasileira de informática) defasagens tecnológicas frente aos produtos importados e da pior relação preço / performance frente a estes, a política de reserva de mercado não conseguiu fomentar a criação de grandes grupos nacionais capazes de auferirem significativos retornos crescentes e de se inserirem como agentes de destaque no mercado internacional. Sintetizando a partir de uma perspectiva mais agregada as limitações da política de reserva de mercado, Tápia (1995, p.329) afirma que "o que parece importante sublinhar, em termos das debilidades enfrentadas pela PNI, é que os aspectos regulatórios da política (controle de importações e restrições ao capital estrangeiro) foram mais atuantes do que aqueles de natureza mais estruturante (como o apoio a atividades de pesquisa e desenvolvimento, políticas de compra do Estado, formação de recursos humanos e de suporte de infra-estrutura científica e tecnológica)".

No entanto, apesar de destacar que "essa fragilidade dos aspectos estruturantes certamente privou a PNI de uma maior capacidade para impulsionar mais longe o processo de capacitação tecnológica", o autor também enfatiza que "(...) esses aspectos não deixaram de estar presentes no escopo da política".

3. A política industrial no contexto pós reserva de mercado: da consolidação à internacionalização

Depois de um período de quase duas décadas de vigência, no início dos anos 1990 a política de reserva de mercado é completamente reestruturada e tem início a terceira fase das políticas públicas para a criação das bases e a constituição da indústria de informática no Brasil, denominada por este artigo de "consolidação e autonomização" (que se estende de 1993 a 2002). Os dois principais instrumentos constituintes da terceira fase das políticas públicas voltadas à informática são o estabelecimento do programa Softex 2000 e da Lei Informática.

Criado em 1993, o Softex 2000 reveste-se de ineditismo, uma vez que representa dentro das políticas públicas brasileiras para a informática o primeiro programa concebido exclusivamente para o fomento à atividade de software. Tendo sua concepção fundamentada no vislumbramento (na época) da possibilidade de se replicar no Brasil um modelo de desenvolvimento da indústria de software baseado nas exportações tal qual observado na Índia e na Irlanda, o programa Softex 2000 se configuraria durante muitos anos como o principal instrumento voltado ao desenvolvimento da IBSS (Indústria Brasileira de Software e Serviços).

Além do Softex, outro elemento constituinte da terceira fase das políticas públicas brasileiras para informática é a Lei de Informática. Aprovada inicialmente em 1991 (Lei 8.248/91) e regulamentada em 1993, esta Lei substituiu a ênfase vigente até então nas diversas formas de protecionismo como base para o desenvolvimento da indústria local pelo fomento de suas capacitações tecnológicas. Em outras palavras, de certa forma a Lei de Informática reduz todo um conjunto de medidas (explícitas ou não) vigentes no período da reserva de mercado ao incentivo fiscal às empresas de informática.

Ao longo de mais de uma década de existência, a Lei de Informática se configurou como o principal instrumento de apoio às atividades brasileiras de informática. Como resultados diretos, pode-se afirmar que a Lei contribuiu para a competitividade dos agentes locais e para a manutenção de um conjunto mínimo de etapas do processo produtivo no Brasil. Já na dimensão indireta, contribuiu para a redução dos preços de amplo espectro de produtos do complexo eletrônico e, principalmente, para o fomento de atividades tecnológicas na área de TI (Tecnologia de Informação) no Brasil. Como resultado da exigência de investimento em P&D em contrapartida à redução da tributação, desde sua implementação a Lei se caracteriza como um importante instrumento para a criação de laboratórios, departamentos e institutos de pesquisa em TI bem como para a continuidade de suas atividades.

Não obstante esses diversos benefícios, vale destacar que Lei de Informática apresenta algumas limitações no que diz respeito à capacidade de ser o eixo norteador do desenvolvimento, sobretudo tecnológico, da indústria brasileira de informática. 

A principal dessas limitações está associada ao próprio desenho institucional da Lei. Isso porque ao beneficiar apenas os produtos nos quais há incidência de IPI, a Lei priva de seu apoio direto o software, o qual é a atividade cada vez mais responsável pelo dinamismo tecnológico e inovativo da TI. No entanto, cumpre destacar que tal concentração da Lei nas atividades de hardware, na prática, não inviabiliza que as atividades de software também sejam beneficiadas indiretamente. Isso porque parcelas cada vez maiores das atividades inovativas de empresas de equipamentos de informática, de telecomunicações e de outros segmentos do complexo eletrônico se concentram em P&D em software.

Por fim, outra insuficiência da Lei diz respeito à dificuldade de se garantir que os resultados dos esforços tecnológicos desempenhados pelas empresas multinacionais transbordem para os agentes locais. Apesar da exigência de que uma parte das atividades de P&D seja realizada externamente às empresas em universidades e institutos de pesquisa, muitos destes podem ser considerados quase que extensões dos departamentos de P&D destas empresas. Isso porque, através do estabelecimento de relações quase que exclusivas com determinados institutos, tais empresas conseguem ao mesmo tempo cumprir os requisitos da Lei e se apropriar privadamente dos benefícios originários de recursos destinados à realização de P&D em agentes externos.

É exatamente neste contexto que se pode compreender ao mesmo tempo a importância e a insuficiência da Lei de Informática como instrumento indutor das atividades tecnológicas locais. Neste mesmo sentido, Garcia & Roselino (2004, p.185) afirmam que não obstante a importância de instrumentos de política industrial como esta Lei para "para a promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico em países de economia periférica como o Brasil", sua análise detalhada aponta que "estas políticas precisam ser direcionadas no sentido de se estabelecer um vínculo mais forte entre as atividades de P&D e a internalização de etapas produtivas associadas ao esforço inovativo".

A quarta fase das políticas públicas para a informática denominada por este artigo de "centralização e internacionalização" insere-se em um contexto mais amplo balizado pela publicação das Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) em novembro de 2003 e pela Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) em maio de 2008.

O diagnóstico inicial da PITCE acerca do setor de software brasileiro (escolhido por esta política como um dos quatro setores prioritários para o desenvolvimento nacional) destaca que apesar da sofisticação das soluções desenvolvidas para o mercado doméstico e da grande experimentação no mercado de produtos, observa-se um baixo grau de internacionalização de suas empresas, a ausência de um modelo ou imagem que se possa associar ao software brasileiro no mercado internacional e o pequeno porte das empresas domésticas quando comparado às congêneres internacionais.

Neste cenário, foram apresentadas como metas norteadoras da PITCE para o setor de software a ampliação significativa da presença de empresas nacionais no mercado interno e a elevação, bastante ambiciosa, das exportações brasileiras de software em quatro anos de US$ 100 milhões para US$ 4 bilhões.

Dentre as diversas medidas para a consecução destes objetivos está a reformulação por parte do BNDES em 2004 do Prosoft – Programa para o Desenvolvimento da Indústria de Software e Serviços de Tecnologia da Informação. Outra medida no âmbito da PITCE refere-se ao fato dos setores prioritários – dentre eles o setor de software– terem passado a usufruir um tratamento diferenciado no acesso a recursos públicos destinados à inovação.

Concluindo a análise da PITCE, pode-se afirmar que apesar de diversas limitações, estas representaram um relativo avanço no que diz respeito às políticas públicas brasileiras voltadas para as atividades de software.

O primeiro componente a ser destacado refere-se ao fato das atividades de software serem o próprio objeto de atuação direta das políticas públicas. Isso porque, conforme destacado anteriormente, apesar das políticas públicas terem sido fundamentais para o desenvolvimento de capacitações locais em atividades de software e para a posterior emergência e consolidação da IBSS, os efeitos destas políticas na verdade foram transbordamentos não intencionais das políticas públicas então direcionadas para o fomento ao complexo eletrônico de maneira mais ampla e, mais especificamente à indústria de informática.

Outro ponto a ser destacado nesta política, neste caso negativamente, diz respeito à relativa incompatibilidade entre o diagnóstico das atividades brasileiras de software apresentado na PITCE e suas metas norteadoras. Tal diagnóstico destaca acertadamente que as empresas da IBSS apresentam uma grande experimentação no mercado de produtos e que desenvolvem soluções bastante sofisticadas para o mercado doméstico. Destaca ainda que a despeito destas capacitações, as empresas brasileiras apresentam um porte significativamente menor quando comparadas a suas concorrentes estrangeiras, apresentam um baixo grau de internacionalização e que não há no mercado internacional um modelo ou imagem associada ao software nacional. Levando-se em consideração este diagnóstico, é de se supor que as principais metas síntese da PITCE fossem construídas em consonância com as especificidades da IBSS. Entretanto, apesar da aparente compreensão destas especificidades, diversas vezes as diretrizes da PITCE parecem ter como objetivo, ainda que implícito, a emulação dos modelos de desenvolvimento das indústrias de software de países periféricos considerados como casos de sucesso paradigmáticos, tais como Índia e Irlanda.

Quando se analisam as medidas implementadas pela PITCE, sem dúvida, o ponto de maior destaque refere-se à dimensão do financiamento. A reformulação do Prosoft em 2004 resultou na emergência de instrumentos mais condizentes com as especificidades das atividades de software.

Como resultado desta reformulação há uma percepção relativamente generalizada que a PITCE conseguiu estabelecer uma estrutura de financiamento bastante adequada (no que diz respeito ao volume de recursos e nas condições de acesso a estes) às necessidades das empresas brasileiras de software, principalmente aquelas já relativamente estabelecidas no mercado nacional. Adicionalmente, também se destaca o aumento substancial dos recursos disponíveis para o financiamento dos esforços inovativos das empresas (viabilizados pela capitalização da Finep, pela implementação de novos instrumentos possibilitada pela Lei de Inovação, pelas medidas de incentivo fiscal propostas pela Lei do Bem, pela criação de uma nova linha de financiamento à inovação por parte do BNDES e até mesmo a contemplação de atividades de P&D nos planos de negócios financiáveis pelo Prosoft).

Finalizando-se a análise da quarta fase das políticas públicas para a informática denominada por este trabalho de "centralização e internacionalização", cumpre destacar o conjunto de medidas propostas no âmbito do sub-programa da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) para Software e Serviços de TI.

De maneira geral pode-se afirmar que grande parte destas medidas beneficiou-se das análises dos sucessos, das limitações e das insuficiências das políticas adotadas no âmbito da PITCE. Assim, no que diz respeito às principais medidas de desoneração tributária e de apoio financeiro, o arcabouço herdado da PITCE foi mantido e de certa forma ampliado e aperfeiçoado. Dentre estes aperfeiçoamentos cabe destacar a ampliação dos recursos do Prosoft (inicialmente para R$ 1 bilhão e depois para R$ 5 bilhões). Merece destaque também a proposta de desoneração da folha de pagamentos, com redução da contribuição patronal, o que pode contribuir positivamente para o aumento da competitividade das empresas nacionais.

Deste modo, finalizando a análise das implicações da quarta fase das políticas públicas para as atividades brasileiras de informática para as possibilidades de desenvolvimento da IBSS pode-se afirmar que estas representaram um avanço na medida em que se definiram as próprias atividades de software (e não genericamente as atividades de informática como nas fases anteriores) como objeto destas políticas. Como reflexo desta redefinição de escopo, observou-se, a despeito de diversas insuficiências e limitações, uma melhor compreensão das limitações e das possibilidades de desenvolvimento das atividades brasileiras de software. Associada a esta melhor compreensão, foram concebidos instrumentos mais adequados às especificidades destas atividades e foram logrados alguns avanços. Dentre estes, destaca-se principalmente a disponibilidade de uma estrutura de financiamento relativamente adequada, no que se refere a volumes de recursos e condições de acesso a esses, às necessidades das empresas brasileiras de software e a orientação, ainda que implícita em muitos casos, das ações das políticas públicas com vistas a promover o aumento do porte das empresas nacionais via movimentos de centralização de capitais por meio de fusões e aquisições.

Considerações Finais

Este artigo analisou as políticas públicas brasileiras para as atividades de informática desde o período da reserva de mercado até a Política de Desenvolvimento Produtivo. Para tanto, argumentou-se que o desenvolvimento de indústrias e atividades intensivas em alta tecnologia raramente é estimulado apenas pela ação dos mecanismos de incentivo e das sinalizações derivadas da atuação das forças de livre mercado. Em seguida, estabeleceu-se uma análise comparativa da relação entre políticas públicas e desenvolvimento das atividades de TI em países periféricos tidos como casos paradigmáticos de sucesso no setor (como Índia e Irlanda) e Brasil.

Argumentou-se que, de maneira qualitativamente distinta do que ocorre com esses demais casos de sucesso, a IBSS exibe uma estrutura bastante diversificada e que exige um alto grau de experimentação e o domínio de capacitações tecnológicas complexas.

O domínio dessas capacitações, por sua vez, pode ser compreendido como resultado da convergência de duas forças principais. A primeira delas diz respeito à adoção durante quase quatro décadas de políticas públicas de estímulo ao desenvolvimento de uma indústria nacional de informática (além das externalidades positivas de um conjunto mais amplo de políticas nacionais de fomento às atividades científicas e tecnológicas). Já a segunda delas refere-se ao fato de que as empresas da IBSS beneficiaram-se, desde sua origem, do atendimento das demandas complexas originadas de uma estrutura produtiva local dinâmica e com um elevado grau de diversificação. Deste modo, observou-se a consolidação de uma indústria de TI apta a desenvolver soluções complexas para diversos segmentos, dentre os quais se destacam o financeiro, o de governo eletrônica, o de telecomunicações, o de gestão empresarial, entre outros.

A partir dessa estreita parceria com diversos setores da estrutura produtiva local e da atuação sistemática de políticas públicas de fomento, os principais agentes da IBSS se capacitaram para realizar inclusive as funções hierarquicamente superiores e mais intensivas em conhecimento do processo produtivo do software como concepção, a análise e o desenvolvimento de projetos com elevada complexidade. Ao agregar a estas capacitações o conhecimento das especificidades da economia brasileira pode-se afirmar que as empresas nacionais da IBSS construíram algumas vantagens competitivas que lhes habilitaram a ter uma posição de destaque nos segmentos de software serviço de alto valor.

Em síntese, destacou-se que os avanços gradativos nas quatro fases da política industrial voltada à área de TI culminaram com um arranjo institucional na primeira década dos anos 2000 razoavelmente compatível (principalmente na dimensão do financiamento e na orientação da atuação destes instrumentos para potencializar o aumento do porte das empresas locais) com os principais desafios impostos à consolidação de uma estratégia de desenvolvimento virtuosa das atividades brasileiras de software.

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Langlois, R. N, & Mowery, D.C. (1995); "The Federal Government Role in the Development of the American Software Industry: an assessment". In: The International Computer Software Industry: A Comparative Study of Industrial Evolution and Structure, Mowery,D.C.(ed.). New York:Oxford University Press.

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Roselino, J.E. (2006). A INDÚSTRIA DE SOFTWARE: O 'modelo brasileiro' em perspectiva comparada. Tese de Doutoramento. Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas: Campinas.

Tápia, J. B. (1995); A trajetória de Política de Informática Brasileira (1977-1991) - Atores, instituições e estratégias, Editora Papirus/UNICAMP, Campinas.


1. Departamento de Economia Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil. acdiegues@yahoo.com.br

2. Departamento de Geografia, Turismo e Humanidades Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil. jeroselino@gmail.com

3. Instituto de Economia Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil. renato.garcia@eco.unicamp.br

4. Optou-se por utilizar o termo Tecnologia de Informação (TI) no título deste trabalho devido ao fato deste analisar as políticas públicas relacionadas tanto ao setor de hardware (na época denominadas como ´políticas de informática´) quanto de software  (principalmente a partir dos anos 2000).


Vol. 35 (Nº 12) Año 2014

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