Espacios. Vol. 35 (Nº 12) Año 2014. Pág. 5
Anelise Faleiro WELTER 1; Ricardo Augusto CASSEL 2; Juliano DENICOL 3; Daniel Writzl ZINI 4; Ricardo Gonçalves de Faria CORRÊA 5
Recibido: 04/08/14 • Aprobado: 12/10/14
4. Ferramenta de identificação das disfunções de indicadores
Apêndice A - Fórmulas dos indicadores que possuíam numerador e denominador.
RESUMO: |
ABSTRACT: |
Os indicadores de desempenho tem um papel fundamental na sobrevivência das empresas (Nudurupati et al., 2011). O ambiente empresarial, assim como a comunidade social propriamente dita, tem se expandido além das fronteiras regionais e territoriais para a era da globalização. Nesta era, o padrão de qualidade e excelência de produtos e serviços que o mercado passa a exigir potencializam os desafios gerenciais das organizações. São os indicadores que fornecem um panorama, um diagnóstico da situação para que a partir deste a empresa tome suas ações no sentido de manter-se financeiramente saudável.
A gestão de desempenho muitas vezes tem falhado por não apresentar uma visão global, sem o necessário alinhamento entre a estratégia, cultura, e o sistema de controle (Shepherd e Gunter, 2006; Gasparetto, 2003; Chan, 2003; Gunasekaran et al., 2001; Sink e Tuttle, 1990). De acordo com Spitzer (2007), a disfunção dos indicadores acontece quando os indicadores contribuem para resultados contrários aos interesses da organização. Assim, a falta de comunicação dos objetivos estratégicos faz com que a simples implementação de um indicador disfuncional possa acarretar em prejuízos aos resultados da organização.
Apesar das evidentes disfunções e da necessidade de testes dos sistemas de avaliação, a sua construção experimental no ambiente empresarial não é viável, pois isto poderia causar grandes perdas financeiras (Courty, 2000; Ridgway, 1956). É necessário o desenvolvimento de mecanismos para a construção de indicadores que não sejam prejudicais, mas que efetivamente auxiliem na obtenção dos objetivos determinados pela empresa e avaliados pelos indicadores. Há poucos estudos dedicados a solucionar o problema de indicadores de desempenho no comportamento da organização (Kelman e Friedman, 2009; Cai, 2009; Schuch, 2001; Kaplan e Norton, 1992).
O objetivo deste trabalho é propor uma ferramenta para identificação de indícios de disfunção para sistemas de indicadores de desempenho. Para a construção da ferramenta, este estudo segue primeiramente com uma breve revisão, identificando os tipos de disfunção de indicadores, e contendo as abordagens que a problemática de disfunção de indicadores recebeu até agora. Na sequência, a ferramenta é proposta por meio da aplicação dos conceitos das metodologias de Design Research e Pensamento Sistêmico. Por fim, a ferramenta de identificação de disfunção de indicadores é contextualizada em um estudo de caso que testa a sua estrutura através do sistema de indicadores de uma termoelétrica.
Avaliação de desempenho é o processo de quantificar a ação que conduz ao um desempenho desejado. Um indicador de desempenho pode ser definido como a medida usada para quantificar a eficiência e a eficácia de uma ação, sendo que eficácia se refere ao quanto os requerimentos dos clientes são atendidos, e eficiência se refere a como os recursos da organização são utilizados economicamente para atingir este nível de eficácia desejado pelo cliente (Neely, 1995). São dois os propósitos de um sistema de avaliação de desempenho: ser parte integrante do ciclo gerencial da organização e induzir o comportamento (Correa, 2010).
A literatura não apresenta nenhum trabalho que consolide os diferentes problemas relacionados à disfunção de indicadores. Apenas seis estudos foram encontrados propondo abordagens específicas para a temática de disfunção de indicadores. Três trabalhos abordam a questão da relação entre os indicadores de desempenho em detrimento do sistema devido a ótimos locais (Fitterman, 2006; Flapper, 1996; Coutry e Marchke, 2008). O trabalho de Fitterman (2006) utilizou a matriz casa da qualidade para analisar as relações entre os indicadores. Já Courty e Marschke (2008) propuseram a construção de uma árvore genealógica, e Flapper (1996) utilizou o coeficiente de Pearson e da Curva de Regressão para esta análise. Outros dois estudos abordaram indiretamente a questão das disfunções de indicadores, e propuseram princípios para elaboração de indicadores de desempenho. Neely (1997) propôs um framework para auditoria de indicadores, e Andrade (2006) sugeriu princípios para construção de indicadores sistêmicos. No único estudo que diretamente abordou a disfunção comportamental dos indicadores, Kelman (2006) verificou a existência de manipulação de dados ou direcionamento de esforços em decorrência da implementação de indicadores. Seu estudo testou hipóteses com os indicadores em um estudo de caso, verificando se havia manipulação de dados ou direcionamento de esforços. Através da literatura, foi possível identificar que há três tipos de disfunção de indicadores: comportamental, temporal e por otimização local em detrimento do ótimo global.
A disfunção comportamental ocorre quando o esforço para melhoria de um indicador não repercute na melhoria efetiva do desempenho da organização (Jensen, 2003). Na medida em que os indicadores são utilizados para avaliar o desempenho e como ferramentas de controle, as pessoas naturalmente se esforçam para atingir níveis elevados de desempenho. Entretanto, com o aumento da importância atribuída a um indicador, a falta de alinhamento desse indicador com os objetivos da organização tende a crescer. A razão é que indicadores individuais avaliam um único aspecto da atividade, e por isso outros aspectos para atingir a meta são negligenciados (Neely et. al., 1995). Mesmo atribuindo pesos aos indicadores esta disfunção continua ocorrendo (Ridgway, 1956).
Outro caso de disfunção comportamental é onde existem incentivos e cobranças atrelados aos indicadores, que motivam as pessoas a buscar a superação da meta indiscriminadamente (Spitzer, 2007; Merchant, 1990). Quando as pessoas que atuam no nível operacional adquirem maior entendimento de como os indicadores funcionam e de como seus resultados podem ser manipulados, então há respostas inesperadas e disfuncionais (Courty, 2000). Chegou a ser sugerida a não utilização de taxas, uma vez que, para a melhoria destas, usualmente se deseja a mudança do numerador, mas o alvo de manipulação pode prejudicialmente passar a ser o denominador (Jensen, 2003).
Por outro lado, algumas sugestões tem sido apresentadas para a correção do problema comportamental de indicadores em alguns casos específicos. Hirst (1981) afirmou que esta disfunção tende a ser menor em situações de baixa incerteza das atividades, onde a interdependência das funções seja pouco influenciada pela área, pela organização e por fatores externos. Jensen (2003) sugeriu que uma política de bonificação linear poderia corrigir o escalonamento de bônus, frequente fonte de oscilações e perdas. No mesmo estudo, considerou-se que é melhor não estabelecer metas desafiadoras que motivem o funcionário a superá-las, uma vez que o prejuízo em não ter metas seria menor que os prejuízos da disfunção pelo estabelecimento de metas.
A disfunção temporal focaliza excessivamente o curto prazo, o qual é geralmente financeiro (Neely et al., 1995). Economicamente, a prioridade de indicadores financeiros de curto prazo foi em parte culpada pela perda da competitividade americana para os mercados europeus e japoneses (Hayes e Abernathy, 1980). Utilizar apenas indicadores financeiros tende a distorcer o desempenho de uma organização e direcionar para a adoção de práticas que prejudicam seu desempenho no longo prazo (Kaplan, 1984).
Essa disfunção ocorre devido ao trade-off existente entre os objetivos de curto e longo prazo. Embora o atendimento de objetivos de longo prazo envolva o comprometimento de recursos que, por exemplo, diminuiriam a lucratividade atual, esses investimentos se reverteriam em ganhos futuros (Banks e Wheelwright, 1979). Os problemas decorrentes do menosprezo dos resultados de longo prazo em favor dos de curto prazo podem ser divididos em três categorias: não realização de investimentos; corte de despesas de áreas não operacionais; corte de despesas operacionais (Banks e Wheelwright, 1979). Além destas três categorias, existem outros casos deste trade-off, como elevar o preço de venda dos produtos para melhor lucratividade, mas reduzindo a participação no mercado.
A disfunção por otimização local prejudicando o ótimo global pode ser dividida em direta ou indireta. A disfunção direta ocorre pela falta de alinhamento dos indicadores locais com os indicadores globais, onde a melhoria do indicador local piora diretamente o indicador global. O que faltaria neste caso, seria um alinhamento estratégico entre os indicadores e os objetivos da organização (Keasey et. al., 2000). Por outro lado, a disfunção indireta de indicadores por otimização local ocorre quando um indicador, mesmo alinhado com os indicadores globais impacta negativamente outro indicador local, o qual prejudica o ótimo global. Isso se deve aos objetivos contraditórios, pois um critério pode impactar negativamente outro critério (Humphreys et. al., 2002).
Vários motivos foram apontados para a origem da questão de ótimos locais. Smith (2000) considerou que o surgimento e intensificação da adoção de diferentes programas (teoria das restrições, produção enxuta, qualidade total, etc) implementados em diferentes áreas da empresa intensificaram a utilização de indicadores locais. Com os programas, cada departamento passou a medir seu desempenho, o que resultou na perda do foco da avaliação de desempenho da empresa como um todo. Para Lacerda e Rodrigues (2006), o problema está na concepção dos sistemas de indicadores que, em função dos paradigmas organizacionais e modelos mentais, normalmente conduzem à utilização de indicadores locais que prejudicam o desempenho global. Lambert e Pohleno (2001) afirmam que os indicadores que não capturam totalmente o gerenciamento dos trade-offs podem facilmente ter consequências disfuncionais em sua otimização.
Para fins de controle, tanto os indicadores locais como os globais são necessários para garantir bons resultados à organização. Porém, o que geralmente ocorre é a competição por recursos entre os diferentes departamentos, ocasionando melhorias em um departamento e prejuízo em outro, atrelado ao uso de indicadores financeiros enfocados na melhoria local. A soma dos ótimos locais é diferente do ótimo global, e o trabalho deve estar centralizado mais no ganho total do sistema que nos seus custos (Lacerda, 2009; Goldratt e Cox, 2002). Assim, conforme descrito por Smith (2000), a habilidade de uma empresa implementar sua estratégia depende da harmonização dos recursos internos para a ação conjunta.
Este estudo utilizou uma forma adaptada da metodologia de design research (Mason, 2006; Simon, 1981). Pelas suas características, o design research é indicado no estudo de fenômenos em sistemas humanos, e tem a tendência de ser mais prescritivo e menos descritivo. Este método gera como resultado artefatos com a forma de construtos, modelos, métodos e experimentos (Vaishnavi e Kuechler, 2005). Tipicamente, o artefato é desenvolvido e depois testado através da aplicação em múltiplos casos. Este trabalho limitou-se ao teste do artefato em apenas um caso com maior profundidade.
Primeiramente, foi apresentada uma ferramenta para identificação de disfunção dos indicadores, construída com base na literatura. Logo após, essa proposta foi aplicada em um sistema de indicadores. Em um terceiro momento, a ferramenta proposta passou por um processo de refinamento, onde foram propostas melhorias e apresentadas conclusões de sua aplicação.
A ferramenta foi aplicada no sistema de indicadores de um consórcio de duas empresas de energia que recebiam remuneração por disponibilidade. O total de colaboradores da empresa era de 33 no setor de operações e 18 no administrativo. Para este trabalho, a empresa disponibilizou seu sistema de indicadores. Este material contemplou a descrição de todos os indicadores com suas fórmulas de cálculo e metas, e também o padrão que era utilizado para análise e divulgação dos dados, além da explicação técnica de um gerente. Um histórico de dados correspondente a 34 meses foi fornecido. O sistema de indicadores da organização era composto por 19 indicadores distribuídos nas quatro perspectivas do BSC.
A ferramenta proposta identifica indícios de disfunção em sistemas de indicadores através de oito passos que se relacionam com os três tipos de disfunção apontados pela literatura. A Figura 1 apresenta essas relações e cada um dos oito passos é descrito a seguir.
Figura 1. Ferramenta de identificação de disfunções de indicadores. Fonte: Elaborado pelos autores (2012).
1. Quantidade de indicadores financeiros e não financeiros: todos os indicadores devem ser classificados em financeiros e não-financeiros. Caso haja um percentual de indicadores financeiros superior a 50% (predominância) denota um indício de disfunção temporal.
2. Frequência de análise: comparam-se as frequências de utilização dos indicadores, tais como o período entre um relatório e outro. Igualmente, verifica-se a atitude dentro da empresa com relação aos indicadores. Assim, um indício de disfunção temporal pode ser encontrado por dois meios: a) caso os indicadores financeiros tenham maior frequência de análise do que os indicadores não financeiros, mesmo sendo possível aumentar a frequência de análise dos indicadores não financeiros; b) caso algum tipo de destaque seja dado a indicadores financeiros nas divulgações e/ou reuniões.
3. Verificação de metas: neste passo devem ser identificados os indícios de disfunção temporal e comportamental. No quesito temporal, deve-se verificar se as metas para indicadores financeiros são mais arrojadas. Então, transformam-se todos os indicadores em percentuais do tipo maior-é-melhor, e compara-se a média das metas. Se a média das metas for menor que em 50% dos indicadores financeiros, e ao mesmo tempo maior que em 50% dos indicadores não financeiros, isto é um indício de disfunção temporal. No quesito comportamental, verifica-se a tendência em atingir ou não a meta. Neste tipo de comportamento o funcionário visaria influenciar o indicador a fim de evitar que as metas ficassem mais arrojadas. Deste modo, um modo para verificar a ocorrência de disfunção comportamental é aprestado na Figura 2.
Figura 2. Fluxograma para o quesito comportamental da etapa três. Fonte: Elaborado pelos autores (2012).
4. Análise de denominadores: caso o indicador seja melhorado via denominador ao invés do numerador, isto pode ser uma disfunção comportamental. O indício deve ser aferido caso o indicador atenda a quatro condições simultâneas: a) o indicador possui denominador; b) o valor do denominador pode ser alterado; c) a alteração no denominador tem sido significativa no resultado do indicador; e d) há outro fator ou indicador na empresa sendo afetado pelas alterações do denominador.
5. Identificação de indicadores individuais: quando possível, deveria haver para cada indicador qualitativo um indicador quantitativo avaliando o mesmo aspecto, e vice-versa. Assim, propõe-se, após classificar todos os indicadores em qualitativo e quantitativo, buscar os indicadores que estejam pareados nos aspectos pertinentes. Caso um indicador de um aspecto pertinente não esteja pareado, há indício de disfunção comportamental.
6. Relações entre indicadores: neste passo, deve ser construído um mapa sistêmico de todos os indicadores a fim de verificar a existência de ótimos locais. Para construir este mapa, cruzam-se todos indicadores em uma matriz. Cada espaço da matriz deve ser preenchido com uma das cinco opções: a) os indicadores tem relação direta de longo prazo; b) os indicadores tem relação direta de curto prazo; c) os indicadores não tem relação direta; d) os indicadores tem relação inversa no curto prazo; e) os indicadores tem relação inversa no longo prazo. A matriz permite a construção do mapa sistêmico (Andrade et al., 2006), onde se deve procurar por relações contraditórias. O indício de disfunção por ótimo local é encontrado quando a melhora de um indicador piora outro indicador, gerando conflitos no sistema.
7. Quantidade de relações de curto e longo prazo: aproveita-se a matriz da etapa anterior para a contabilização das relações entre indicadores financeiros e não financeiros. Caso os indicadores não financeiros impactem negativamente os indicadores financeiros no curto prazo, e também positivamente no longo prazo, isto é indício de disfunção temporal.
8. Resumo dos resultados: por fim, sumarizam-se os resultados das etapas anteriores com sugestões de mudanças para o sistema de indicadores em cada indício de disfunção encontrado. O Quadro 1 pode ser utilizado para apoiar o controle de indícios de disfunções.
Quadro 1. Modelo para resumo dos resultados na ferramenta. Fonte: Elaborado pelos autores (2012).
As seções seguintes apresentam e avaliam os indicadores conforme os oito passos de aplicação da ferramenta para o caso da termoelétrica.
5.1 Quantidade de indicadores financeiros e não financeiros
Não se encontrou disfunção na quantidade de indicadores. Apenas oito dos 19 indicadores eram financeiros (42%). Como este índice ficou abaixo de 50%, o indício de disfunção temporal não foi caracterizada.
5.2 Frequência de análise
Um indício de disfunção temporal foi encontrado na frequência de análise dos indicadores. Como mostra o Quadro 2, a maioria dos indicadores era analisado mensalmente, com exceção de quatro indicadores não financeiros. Em um destes, o indicador Satisfação do Cliente, o intervalo trimestral foi considerado adequado, por isso não revelou indício de disfunção temporal. Entretanto, nos indicadores Nota de Segurança do Trabalho e Nota de Avaliação Ambiental, este indício de disfunção foi verificado, pois não havia nenhuma restrição para uma análise mensal destas questões. Caso semelhante foi encontrado no indicador Clima Organizacional, que, embora não pudesse ser mensal, poderia ter uma frequência maior, e.g. semestralmente. Além disso, foi constatado um indício de disfunção temporal quanto ao destaque aos indicadores financeiros. Esse fato foi verificado através da maior divulgação de alguns indicadores financeiros.
5.3 Verificação de metas
A análise temporal de diferenciação de metas mostrou-se inviável. Como os indicadores financeiros não possuíam máximo, então os mesmos não puderam ser colocados em uma escala de comparação com os demais. Sem base de comparação, passou-se ao quesito comportamental.
Não obstante, a análise comportamental de superação de metas também encontrou dificuldades. Os indicadores Taxa de Frequência de Afastamento, Taxa de Gravidade e Nota de Avaliação de Qualidade de Processo não puderam ser considerados porque era impossível eles superarem a meta em mais de 5%. Estes indicadores não eram aplicáveis a esta análise, uma vez que a análise se baseava nesta variação. Assim, a análise comportamental de superação de metas compreendeu 16 dos 19 indicadores. Para estes, o Quadro 2 apresenta a variação média em relação à meta. Apenas o indicador Nota Pesquisa de Satisfação do Cliente obteve um percentual inferior a 5%, o que poderia ser indício da disfunção na superação de metas. No entanto, como este indicador consistia em uma nota atribuída pelo cliente, o indício de disfunção comportamental para não gerar elevação nas metas precisou ser questionado. Vinte quatro critérios avaliados de forma subjetiva pelo cliente compunham o indicador, logo seria difícil que os funcionários cobrados pelo seu resultado controlassem todos estes fatores para não superar a meta. Por isso, mesmo com o percentual de variação menor que 5%, isto não foi considerado disfunção.
Quadro 2. Indicadores, frequência e análise de metas. Na frequência de análise, alguns indicadores poderiam receber atenção mais frequente. Fonte: Elaborado pelos autores (2012).
A análise de denominadores também não identificou disfunção comportamental. Para os indicadores cujos denominadores poderiam ser alterados, ou não havia alteração significativa, ou esta alteração não era prejudicial. Um caso de denominador sem alteração significativa no tempo foi o número de funcionários na empresa, onde a variação histórica não impactou significativamente os indicadores aos quais se relacionava. As fórmulas podem ser acompanhadas no Apêndice A.
Três indicadores apresentaram indício de disfunção comportamental individual. Estes foram os quantitativos Custos de Operações, Custos Administrativos e Índice de Treinamento que não tinham complementar qualitativo. Outros quatro indicadores já tinham correspondentes avaliando o outro aspecto: o indicador qualitativo Pesquisa de Clima Organizacional era complementado pelos indicadores quantitativos de Turn-over e Índice de Absenteísmo, e o indicador qualitativo Nota de Avaliação de Segurança do Trabalho complementava os quantitativos Taxa de Frequência com Afastamento e Taxa de Gravidade. Os demais indicadores não necessitavam par.
Identificou-se indício de disfunção por otimização local, e um distanciamento entre os indicadores financeiros e não financeiros. O Quadro 3 mostra a relação entre os indicadores, representado em diagrama na Figura 3, onde ficou visível a baixa relação da perspectiva financeira com as demais.
Quadro 3. Matriz de relação entre os indicadores; setas para cima indicam relação direta entre os indicadores;
setas para baixo indicam relação inversa; setas duplas representam relações de longo prazo. Fonte: Elaborado pelos autores (2012).
O bloco de indicadores financeiros apresentou muitas conexões internas, mas apenas quatro conexões com os indicadores não financeiros. Nestas conexões, verificou-se uma relação predominantemente negativa. Apesar de o Índice de Treinamento impactar positivamente a Receita Total através da melhora da Qualidade do Processo no longo prazo, o Índice de Treinamento também aumentava imediatamente os Custos de Operação com horas extras. Logo, caso o ótimo do Índice de Treinamento fosse ultrapassado, isto extrapolaria os Custos de Operação, e, para os melhores Custos de Operação, o Índice de Treinamento seria totalmente suprimido. Esta relação contrária é típica da disfunção por ótimos locais. Este fato confirma a ênfase nos indicadores financeiros. Caso os indicadores financeiros fossem impactados negativamente por outros indicadores, a tendência seria favorecer os indicadores financeiros em detrimento dos demais. Assim, o indício de disfunção temporal ficou agravado com o da otimização local.
Figura 3. Mapa sistêmico de indicadores; os sinais "+" representam as relações diretas entre os indicadores; sinais "–"
são relações inversas; duplos cortes significam os efeitos de longo prazo; os indicadores não financeiros estão mais escuros.
Há uma clara separação de indicadores financeiros e não financeiros, indicando uma tendência de disfunção
do sistema por ótimos locais. Fonte: Elaborado pelos autores (2012).
Aproveitando as perspectivas do sistema BSC da empresa, foi encontrado um indício de disfunção temporal na quantidade de relações de longo prazo entre estas perspectivas. O Quadro 4 apresenta a quantidade de relações entre os indicadores por perspectiva, que somaram 34 relações. Nas relações das perspectivas Processos Internos vs. Inovação e Aprendizado, do total de 10, apenas 1 relação era de curto prazo. As demais relações deste par eram de longo prazo, ou seja, há relação entre os indicadores, mas elas aparecem apenas com o passar do tempo. Por outro lado, todas as relações com os indicadores da perspectiva Financeira são de curto prazo. Por isso tem-se indício de disfunção por otimização local, pois dois fatos aconteceram. Tanto os indicadores das perspectivas de Processos Internos e Inovação e Treinamento tinham relações entre si cujos resultados demoram a aparecer, como as relações da perspectiva Financeira com as outras eram imediatas. Os resultados de curto prazo apareceriam mais rápido e por isso a perspectiva Financeira tendia a ser priorizada.
Quadro 4. Quantidade de relações entre os indicadores por perspectiva
do Balanced Scorecard na empresa. Fonte: Elaborado pelos autores (2012).
Todos os três tipos possíveis de indícios de disfunção foram encontrados pelas etapas da ferramenta no sistema de indicadores da empresa, como mostra o Quadro 5. O indício de disfunção comportamental foi verificado na Identificação de Indicadores Individuais. Igualmente, encontraram-se diversos indícios de disfunção temporal no sistema de indicadores na etapa Quantidade de Relações de Curto e Longo Prazo e na etapa Frequência de Análise, onde até mesmo mais de um indício foi verificado. Complementarmente, a disfunção por otimização local também apareceu na etapa de Análise da Relação entre Indicadores.
No âmbito temporal, o indício de disfunção apareceu duas vezes com relação à Frequência de Análise. Primeiramente, três indicadores possuíam uma frequência de avaliação desnecessariamente inferior às demais, e, portanto deveriam ter a frequência aumentada para eliminar este indício de disfunção (Nota de Segurança do Trabalho, Nota de Avaliação Ambiental e Clima Organizacional). Em segundo lugar, a atitude com relação aos indicadores financeiros estava desbalanceada, por isso seria necessário mudar para uma forma de divulgação mais equilibrada entre os indicadores financeiros e não financeiros.
Ainda nas disfunções temporais, a Quantidade de Relações de Curto e Longo Prazo também poderia ser corrigida. O número de relações financeiras de curto prazo automaticamente gerava uma tendência para a priorização do curto prazo. Dessa forma, seria necessária uma política inversa, de explicitação das ações de longo prazo, sua importância e benefícios dentro da empresa, a fim de suprimir esta tendência.
No quesito comportamental, o indício de disfunção foi encontrado na Identificação de Indicadores Individuais. Três indicadores quantitativos apresentaram um caráter individual, e por isso necessitariam ser complementados por novos indicadores qualitativos nos mesmos aspectos. Estes foram os Custos de Operações, Custos Administrativos e Índice de Treinamento. Para preencher a lacuna, uma sugestão seria adotar relatórios dos tipos de gastos com os indicadores de custos, cujas metas seriam mais baseadas no conhecimento das necessidades do sistema, e relatórios para os treinamentos.
Quadro 5. Resumo dos resultados das etapas da ferramenta. Fonte: Elaborado pelos autores (2012).
Finalmente, na questão de ótimos locais, o mapa das Relações entre Indicadores possibilitou a localização de contrariedades. Dois indicadores apresentavam relações de melhoria contrária, implicando a disfunção por ótimo local. Neste caso, como mudar as relações entre os indicadores não seria possível, dever-se-ia explicitar os ganhos obtidos com o melhor Índice de Treinamento através do fortalecimento da percepção deste indicador atrelado ao indicador Receita Total. Isto implicaria uma priorização da Receita Total antes dos Custos de Operação, o que já é discutido na literatura (Goldratt e Cox, 2002).
A aplicação da ferramenta permitiu sua melhoria em duas das etapas. Pelo Design Research, após cada aplicação, a ferramenta deve passar por um processo de aprimoramento. Aqui, verificou-se que as etapas três (Verificação de Metas) e quatro (Análise de Denominadores) necessitariam de uma abordagem mais completa, o que foi obtido pela adição de critérios a estas etapas.
Na etapa três, a adição de critérios dividiu-se na análise temporal de diferenciação de metas e na análise comportamental de superação de metas. Na análise temporal faltava verificar se a diferenciação de metas seria aplicável a todos os indicadores. Caso não fosse aplicável a algum indicador, este deveria ficar de fora da análise temporal da etapa três. Ainda na etapa três, como mostrado na Figura 4, a análise comportamental de superação de metas foi alterada. Estava proposta uma verificação do percentual que a meta seria superada ao longo do tempo. Então, era considerado indício de disfunção quando esta superação fosse inferior a 5%, o que em dois casos não foi aplicável: (i) quando a meta já era definida no valor máximo ou mínimo possível para aquele indicador; e (ii) quando a meta não tinha a possibilidade de ultrapassar uma variação de 5%. Por isso, surgiram dois novos critérios: (i) o indicador pode ter a meta superada; e (ii) a meta pode ser superada em um percentual maior que 5%. Caso não se atenda a algum destes critérios, a análise deve ser considerada não aplicável para este indicador.
Figura 4. Análise de superação de metas modificada na etapa três. Fonte: Elaborado pelos autores (2012).
Por fim, também houve adição de critério na etapa quatro da ferramenta. Durante a aplicação desta etapa, percebeu-se que a alteração no denominador poderia não ser prejudicial. Assim, se a alteração fosse benéfica, então não haveria disfunção. Portanto, para que haja indício de disfunção, um quinto critério deve ser atendido em conjunto com os outros quatro critérios da etapa: "a alteração no denominador é prejudicial para a empresa".
Este trabalho discrimina os três tipos de disfunção que podem ser encontrados em sistemas de indicadores na literatura. Indo além, ele constrói e propõe a utilização de uma ferramenta de identificação de indícios das disfunções em sistemas de indicadores, aplicando também esta ferramenta em um sistema real.
Construída com base nos tipos de disfunção, a ferramenta mostrou-se eficaz na identificação dos três tipos de disfunção, e sua aplicação futura pode ser adaptada para outros sistemas de indicadores. Assim como a utilização da ferramenta no sistema Balance Scorecard de indicadores da empresa neste trabalho obteve ajustes, novas adaptações poderão ser encontradas no seu uso.
A disfunção de indicadores de desempenho, apesar de amplamente conhecida no ambiente empresarial possui poucas abordagens para identificação e correção do problema. Corrigir as relações contrárias entre indicadores é uma tarefa nada trivial. A menos que a empresa realize um papel ativo de mudança cultural, não haverá possibilidade de eliminação das disfunções de indicadores. Logo, as sugestões apresentadas poderão reduzir os indícios de disfunção de indicadores na aplicação da ferramenta apenas no contexto de um comprometimento conjunto. Para isto, é fundamental um entendimento maior do sistema de indicadores, não só evidenciando as conexões positivas entre os indicadores financeiros e não financeiros, mas também contrapondo-as com os impactos negativos apontados neste trabalho, o que é facilitado pela adoção da ferramenta.
Futuros trabalhos poderão contemplar o aspecto intencional da disfunção comportamental, avaliando se os resultados são intencionalmente e erroneamente alterados de forma a melhorar o resultado dos indicadores, mas prejudicando a empresa.
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