1.Introdução
A utilização da Teoria da Complexidade nos estudos das redes flexíveis é propícia, dado o caráter relacional, integrado e sistêmico presente nestes arranjos coletivos. A simplicidade e complexidade vêm evoluindo de um paradigma mecanicista e simplificador para outro de caráter sistêmico, integrador e complexo. Ao buscar compreender as organizações, muitas vezes se esquece de interrogar o processo de construção que obedece a princípios supra-lógicos implícitos de ordem filosófica, epistemológica e pulsionais (MORIN, 1991).
Morin (1991) cunhou a expressão “paradigma da simplicidade” para referir a um conjunto de princípios que constituem o fundamento do pensamento moderno inaugurado por Descartes e que acompanha a humanidade até os dias atuais, cuja visão simplificadora induz que o todo é um território complexo para ser compreendido por inteiro, necessitando ser dividido em partes cada vez menores, com fronteiras bem definidas onde cada parte deve ser estudada individualmente com profundidade.
Foi nesta esteira que Adam Smith (1910) apresentou seu modelo de produção eficiente com base na divisão e especialização do trabalho. Meio século mais tarde Charles Babbage (1835) propunha que as remunerações fossem proporcionais ao nível de complexidade das funções laborais. Taylor no início do século XX fundamentou seu pensamento em uma visão analítica, empiricista e mecanicista da administração que Ford levou ao extremo com a especialização e a racionalização da força de trabalho (MARTINELLI, 1995).
Os estudos clássicos da Administração enfocavam as partes sem a preocupação com a visão do todo (MARTINELLI, 1995). A visão do todo passou a ser compreendida primeiro a partir da filosofia tendo como seu precursor o estruturalismo, seguido pela biologia com o desenvolvimento metodologia sistêmica, mais tarde transposta para a Administração. Hoje em verdade os sistemas estão em toda parte, o conceito invadiu todos os campos da ciência. A tecnologia foi levada a pensar não em termos de máquinas isoladas, mas em termos de “sistemas”. O desenvolvimento das tecnologias heterogêneas e complexas fez com que as competências saíssem das mãos de engenheiros treinados passando para as mãos de inteligências de sistemas (BERTALANFFY, 2009).
Novos arranjos organizacionais formaram-se na ceara desta nova perspectiva. Em meio à complexidade do contexto competitivo atual e o surgimento de novos arranjos organizacionais a formação de redes flexíveis surge como uma oportunidade de crescimento (PARENTE, 2000).
A perspectiva de redes abriu novos rumos para as pesquisas que visam entender a complexidade desses novos formatos que tangenciam as diferenças de conduta estratégica e desempenho que existem entre as empresas (QUANDT, 2012).
Nestes termos o presente estudo se propõe a analisar um paradígma das organizações complexas em duas redes flexíveis sendo uma rede de redes de restaurantes a qual neste artigo será denominada como Rede A e uma rede de redes de supermercados, doravante denominada como Rede B. A Rede A possui 21 redes associadas na Serra Gaúcha e a Rede B, 12 redes de supermercados associadas que perfazem 506 lojas no Estado do Rio Grande do Sul. Ambas as redes estão formatadas sob o prisma das redes flexíveis, onde o conceito adotado para este trabalho segue os preceitos de Leon (1998), visto que as pequenas e médias empresas se unem para a formação de redes com o objetivo inicial de reduzir riscos e incertezas, organizando atividades a partir da cooperação entre organizações.
O artigo inicia com uma revisão no manancial teórico, seguido pela metodologia e descrição do estudo dos casos das Redes A e B. Por fim, analisa-se os resultados da pesquisa e tem-se as considerações finais e referências utilizadas.
2. Referencial teórico
Uma empresa, uma organização ou um arranjo organizacional são organismos sócio culturais conjuntos integrados de pessoas, funções e sistemas (TACHIZAWA, 1997). As organizações, buscando a reestruturação competitiva, vêm evoluindo de uma concepção mecanicista e simplificadora para outra - sistêmica, integradora e complexa (TRACTENBERG, 1999). Neste contexto, o referencial teórico inicialmente aborda a teoria dos sistemas e seus desdobramentos e as influências culturais enfatizando as raízes do pensamento administrativo em relação às redes flexíveis e a complexidade demonstrada por este arranjo organizacional.
2.1 Teoria dos sistemas seus desdobramentos e as influências culturais
Os estudos clássicos da Administração enfocavam as partes sem a preocupação com a visão do todo (MARTINELLI, 1995). Para Mintzberg (2003) números limitados de configurações ou modelos e seus elementos constitutivos, podem explicar a tendência que leva uma organização a ser eficaz ou não. A visão do todo passou a ser compreendida, a partir da filosofia tendo como seu precursor o estruturalismo, seguido pela biologia com o desenvolvimento metodologia sistêmica, mais tarde transposta para a Administração.
Para Mesarovic e Takahara (1975) sistema é uma transformação de entradas (estímulos) em saídas (respostas). Em verdade os sistemas estão em toda parte, o conceito invadiu todos os campos da ciência. A tecnologia foi levada a pensar não em termos de máquinas isoladas, mas em termos de “sistemas” (BERTALANFFY, 2009).
A teoria dos sistemas lança as bases de um pensamento de organização, decorrendo que da visão sistêmica “o todo é mais do que a soma das partes”. A lógica sistêmica, opõem-se à lógica analítica cartesiana (RITTO, 2005). Entretanto somente recentemente se tornou visível a necessidade da exequibilidade da abordagem dos sistemas, resultante dos esquemas mecanicistas se mostrarem insuficientes para resolver problemas teóricos das ciências biosociais e práticos propostos pelas modernas tecnologias (BERTALANFFY, 2009).
Quando o sistema interage com o meio exterior, estamos diante do que chamamos de sistema aberto. Uma das grandes contribuições da Teoria dos Sistemas para a Teoria da Administração foi fazer os administradores pensarem nas suas organizações como sistemas abertos (RITTO, 2005).
Autores como Woodward (1958), Burns e Stalker (1961), Trist (1965), Lawrence e Lorsch (1973), passaram a dar ênfase aos estudos organizacionais que recaiam sobre entendimento dos fatores ambientais que interferiam em uma organização, bem como na maneira pela qual uma organização reagia a essas contingências.
Assim adveio a Teoria da Contingência que reconhece a natureza sistêmica das organizações, que suas variáveis organizacionais estão inter-relacionadas e com as condições do ambiente. A estrutura interna da empresa é concebida como um conjunto combinado de três interfaces: a interface grupo para grupo, a interface indivíduo para a organização e a interface empresa para ambiente (MARTINELLI, 1995).
De acordo com Aguilar (1967, p. 18), a atividade de monitoramento do ambiente externo engloba “(...) a exposição à informação e a percepção da informação”. Neste contexto, surge o ciclo de inteligência que vem a ser o principal modelo mental utilizado pela comunidade de inteligência competitiva. É por meio dele que se dá o processo de transformação de um dado em inteligência, para que seja utilizado pela organização (GANESH; MIREE; PRESCOTT, 2003).
Entretanto, Thevenet (1989), discorre que o mais dinâmico e talvez mais complexo a ser estudado nas organizações são aspectos relacionados às suas culturas. A maior parte dos autores, remetem-nos a crenças e valores os quais possuem vigência nas organizações e os comportamentos deles derivados (OLIVEIRA, 2008).
Nessa perspectiva, os valores, as crenças e os comportamentos são norteadores dos desempenhos empresariais. De certa forma os valores são padrões pelos quais nos avaliamos e refletem diretamente nas decisões, ações e atitudes que tomamos. Valores culturais são determinantes, sendo que são incorporados à personalidade humana através do desenvolvimento educacional, intelectual, moral e religioso, ou seja, são suscetíveis de reavaliação (PADOVEZE; BENEDICTO, 2005).
2.2 Complexidade
A palavra Complexidade possui sua origem no termo grego complexus, que significa “o que tece junto” e, que na visão de processo corresponde a um “tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações e acaso que constituem nosso mundo” (MORIN, 1991, p.17).
Três pilares compõe o pensamento clássico: a ordem, a separabilidade e a razão. A noção de ordem, onde parte de que tudo deve ser controlado. A separabilidade que se relaciona ao principio cartesiano de que é preciso decompor em partes para melhor estudar o fenômeno. E, a razão, que consiste na busca por leis gerais, pela verdade incontestável (MORIN, 2000).
A linha de pensamento proposta por Morin (2000) é compreendida através dos conceitos de ordem e desordem. O conceito de ordem reúne conceitos de interação, que excede aos preceitos da estabilidade, rigidez, repetição e regularidade. A modernidade disciplinou não apenas os homens, mas todas as coisas que pudessem estar fora do lugar. Douglas (1991) refere que o reconhecimento de qualquer coisa fora do lugar constitui-se em ameaça, e assim as consideramos desagradáveis e as varremos vigorosamente, pois são perigos em potencial. O perigo da desordem, das impurezas e poluições, das ambiguidades está na instabilidade classificatória, das coisas “fora de lugar”. E objetos impuros e perigosos estão presentes em todas as sociedades, que à sua maneira buscam a “purificação”, ou, a delimitação de fronteiras que ajudem a “localizar” corretamente as coisas, substâncias, objetos e seres.
Para Munné (1995) a Teoria da Complexidade mostra que a realidade não é linear e deve ser vista de forma qualitativa e menos quantitativa. Para Hock (1999) as organizações teriam que ser baseadas em conceitos biológicos para que a evolução ocorresse por si só como em um organismo vivo. Ao refletir sobre o tema, o conceito foi nomeado de teoria "caórdica" - uma fusão de caos e ordem(HOCK, 1999). Fitzgerald (2002) define sistema caórdico como sendo um arranjo complexo e dinâmico, cujo comportamento é simultaneamente imprevisível e padronizado. Já o caos representa o movimento e a evolução destes sistemas sendo surpreendente o que as simulações matemáticas revelam sobre o fenômeno caótico que possui um padrão que é reproduzido indefinidamente em todas as mudanças de fase que acontecem na evolução de um sistema (RITTO, 2005).
A Teoria da Complexidade fundamenta-se em um “conjunto de metáforas que se referem à ordem holística emergente” e que sua principal razão reside no seu caráter anti-reducionista (TRIFT, 1995,p.35). Segundo Ingold (1990), é uma ciência que prioriza os processos sobre os eventos, das relações sobre a estrutura, e destaca algumas expressões que caracterizam a teoria como a não linearidade, auto-organização, ordem emergente, sistemas adaptativos e posição de observador.
As relações do sistema auto-organizado complexo estão na associação das ideias de unidade e multiplicidade e seu conceito remete para “o encadeamento de relações entre os componentes ou indivíduos que produz uma unidade complexa ou sistema, dotada de qualidades desconhecidas quanto aos componentes ou indivíduos (MORIN, 2005, p.136)”.
Morin (1991, p.124) apresenta a complexidade nas organizações exemplificando através de uma indústria de tapeçaria, relatando que “um todo é mais do que a soma das partes que o constituem”. Para Bertalanffy (2009) é importante não estudar as partes e os processos isoladamente, mas também os problemas encontrados nas organizações e na ordem que os une, essa que resulta da interação dinâmica das partes. Nesse caso, o todo é maior que a soma das partes porque inclui a relação entre elas. Leite (2004, p.49) reforça que a complexidade expõe “a ideia de interação que une os elementos; a ideia de organização, que nasce das interações e transformações” e, essas ideias que são as noções mediadoras que se estabelecem.
2.3 As redes flexíveis
Segundo Olave e Neto (2001), redes flexíveis são um modo de associação por afinidade de natureza informal e que permite a cada uma das empresas participantes ser responsável pelo seu próprio desenvolvimento.
Destacam Hoffmann, Molina-Morales e Martínez-Fernández (2007) que as redes de empresas apresentam certas características que lhes são particulares em relação às empresas e a teoria da burocracia de Max Weber (1971), que retrata a estrutura formal das organizações, a divisão do trabalho a hierarquia e poder, contrapondo a realidade das redes flexíveis que se caracterizam por relatividade nos papéis dos atores organizacionais; interação; interdependência; especialização; complementaridade; e a própria competitividade, na qual a influência das relações de poder e da governança nas redes torna-se de fundamental entendimento para o desenvolvimento sustentável e crescimento das mesmas.
De acordo com Verschoore e Balestrin (2008) o propósito central das redes flexíveis é reunir atributos que permitam uma adequação ao ambiente competitivo em uma única estrutura, sustentada por ações uniformizadas, descentralizadas, que possibilite ganhos de escala sem perder a flexibilidade por parte das associadas.
Trata-se, dessa forma, de um modo de associação por afinidade de natureza informal e que deixa cada uma das empresas responsável pelo seu próprio desenvolvimento (OLAVE; NETO, 2001). Desse modo, ao participar de uma rede, a empresa busca alcançar objetivos que dificilmente seriam alcançados de forma individualizada.
Para o pequeno e médio empresário integrar-se a esse tipo de arranjo organizacional representa a possibilidade de acesso à informação e a novas tecnologias além do ganho em escala que acaba por proporcionar melhores margens. O apelo deste tipo de negócio está pautado na resultante da força das parcerias e na preservação das identidades individuais do empresário envolvido neste sistema (PARENTE, 2000).
Figura1- Ambiente de redes flexíveis
Fonte: Elaborado pelos autores.
2.4 Complexidade e as Redes Flexíveis
Se por um lado para o pequeno e médio empresário, integrar-se a um tipo de arranjo organizacional como o das redes flexíveis pode representar possibilidade de crescimento, acesso a novas tecnologias e ganhos em escala, por outro lado, também pode representar um emaranhado de complexidade na convivência diária sob o ponto de vista administrativo e de gestão (PARENTE, 2000).
Ser pertencente a uma rede flexível implica em interagir com sistemas complexos, que são formados por muitas unidades simples, porém interligadas de forma que uma influencia o comportamento das outras (RITTO, 2005).
Segundo Lévi-Strauss (1979), o sistema de direitos e de deveres recíprocos é possível graças à própria estrutura do espírito humano, que funciona apreendendo similitudes e diferenças, organizando o universo e resolvendo as contradições que descobre nele (LÉVI-STRAUSS, 1979). Watts e Strogatz (1998) trazem à tona o conceito de small-world networks para explicar pequenas redes neurais que por analogia podemos associar às redes flexíveis organizacionais.
De outra banda, em consonância com o ponto central da Teoria da Seleção Natural de Darwin (1859) que afirma que somente os organismos mais bem adaptados ao meio têm chances de sobrevivência, por analogia pode-se dizer que em um sistema de redes flexíveis somente as empresas mais bem integradas permanecerão sob esta égide.
Além disso, segundo Ritto (2005) no cotidiano de uma organização as dinâmicas caóticas são atraídas como se fossem imãs, ao qual dá-se o nome de atratores. Estes atratores de estabilidade dinâmica perfazem tipos específicos de atividades dentro de uma organização e atuam a partir de princípios como atividades orientadas para inovação e tecnologia, expansão de mercados, introdução de novos produtos (RITTO, 2005) alinhado com o objetivo das redes.
Em complemento, de uma maneira geral considera-se três características que se evidenciam na estrutura complexa de redes: 1) natureza transitória e/ou reversibilidade; 2) ausência de autoridade central; e 3) barganha e consenso. A natureza transitória refere-se à opção de saída que as empresas participantes da rede possuem, que se dá no momento em que objetivos individuais das mesmas não são mais atingidos por meio da rede e/ou não há mais alinhamento, por parte da empresa, com os objetivos coletivos. Com relação à ausência de autoridade, a mesma é caracterizada pela permanência da autonomia geral da empresa e a não submissão desta a uma autoridade central da rede. Por fim, na terceira característica, o processo decisório da rede é baseado na negociação e busca de consenso entre as empresas participantes da rede, fatores estes que perfazem um ambiente complexo (ALBERS, 2005).
Serva, Dias e Alpersted (2010) evidenciam que estudar a complexidade permite abrandar pontos obscuros das teorias organizacionais e, que no que se refere às redes flexíveis torna-se um fator relevante, pois, elas são de caráter interdisciplinar e se ancoram às várias linhas de pensamento. A teoria da complexidade pode auxiliar na analise dos relacionamentos internos e permitir a percepção das relações entre à essência das redes e as características sistêmicas, retroativas, recorrentes, auto-organizadas e dialógicas dos sistemas complexos (OLIVEIRA; SOARES; REZENDE, 2008).
A complexidade aponta para as relações sociais assinaladas pelas interações entre as pessoas e empresas que atuam em rede para assim estarem em um ambiente mais adaptado (STACEY, 2000).
Neste contexto Cava (2006) apresenta a complexidade como trocas interindividuais e a consciência reflexiva como meios de contornar os empecilhos do nosso conhecimento, proporcionando além da comunicação e da continuidade do saber, o embate e a discussão dos pontos de vista contraditórios, fazendo com que confrontar-se com um paradoxo essencial: “o operador do conhecimento deve tornar-se ao mesmo tempo objeto do conhecimento” (MORIN, 2005, p.36).
3. Metodologia
De acordo com o objetivo proposto foi utilizado um modelo de pesquisa exploratória e descritiva, de natureza qualitativa. A estratégia de pesquisa foi o estudo de caso e como técnica de coleta de dados, fez-se uso de entrevista semiestruturada e observações nas organizações objetos do estudo.
Com relação aos estudos de caso, os mesmos surgem do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos, permitindo uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real (YIN, 2001). Como vantagem cita-se a possibilidade de estudar as pessoas em seu ambiente natural diferente, por exemplo, de um experimento, que é conduzido em um ambiente artificial e controlado (ROESCH, 2005).
Optou-se por realizar uma entrevista semiestruturada com os presidentes das redes. A entrevista é uma das fontes mais importantes de informação para o estudo de caso, sendo que a entrevista permite questionar aos respondentes sobre os fatos de um assunto, e também as opiniões deles sobre os eventos (YIN, 2010).
As entrevistas com os presidentes foram realizadas entre os meses de janeiro e fevereiro e efetivadas através de questionários semiestruturados aplicados em entrevistas cujo tempo estimado foi de trinta minutos para cada entrevistado. Posteriormente foram transcritas para a elaboração dos resultados.
Com isso, o objetivo da pesquisa é identificar se há complexidade e de que maneira ela se apresenta nas redes flexíveis, sendo nas relações entre elas e na própria forma de impacto que gera na gestão e nas estratégias de administração das redes. Os objetos deste estudo se configuram em uma rede de redes de restaurantes de alguns municípios da Serra Gaúcha e outra rede de redes de supermercados no Estado do Rio Grande do Sul. Também se realizou uma revisão na literatura existente acerca do tema, procurando evidenciar conceitos e buscando parâmetros para a comparação com os dados obtidos nas entrevistas realizadas.
4. Rede A
A associação pesquisada, aqui denominada Rede A é uma rede de cooperação que iniciou suas atividades pela iniciativa de alguns empresários do setor gastronômico da Serra Gaúcha, que se reuniam informalmente para troca de informações e ideias. Ela regularizou suas funções em 2004 com o incentivo do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, através do Programa Redes de Cooperação. Programa constituído como uma alternativa para fomentar a economia do estado através da constituição de redes organizacionais. Oficializada como Associação dos Restaurantes da Serra Gaúcha possui como um de seus objetivos proporcionar aos restaurantes associados a obtenção de um diferencial competitivo, buscando o desenvolvimento das empresas de pequeno e médio porte do setor gastronômico e com isso possibilitando a competitividade perante as transformações socioeconômicas.
No aspecto organizacional, cada restaurante associado é tutorado por uma equipe de trabalho, que planeja e desenvolve atividades tais como: negociação de compras, marketing e expansão e inovação. Há também a diretoria que é eleita de dois em dois anos, pelo voto direto através de assembleia ordinária.
Cada equipe desenvolve uma função específica. A equipe de negociação planeja e desenvolve estratégias voltadas para aquisição de novos fornecedores e parcerias, com qualidade e benefícios financeiros, a equipe de marketing e expansão fomentam a divulgação e fortalecimento da rede junto à sociedade e captação de novos associados e a equipe de inovação interage com as demais equipes na busca de novas oportunidades. Almejando, com isso maior contato com o setor, vantagens competitivas e troca de experiências com os demais empresários do setor gastronômico da Serra Gaúcha.
5. Rede B
A Rede B foi fundada em novembro de 2010, visando funcionar como um "guarda-chuva" para as centrais de negócios e as redes associativistas de supermercados que atuam no Estado do Rio Grande do Sul. O objetivo principal foi possibilitar o enfrentamento das redes associadas em relação às grandes redes proprietárias supermercadistas e também propiciar um maior poder de barganha nas negociações junto aos fornecedores, agindo prioritariamente como uma grande central de compras.
A sistemática de operação escolhida pelos gestores foi o associativismo, procedimento pelo qual, várias redes de supermercados podem se associar à Rede B, mediante o desembolso de uma mensalidade que lhes garante a participação na organização. Neste formato, a Rede B conta hoje com 12 redes de supermercados associadas, perfazendo um total de 506 lojas no Estado do Rio Grande do Sul.
Almejando um melhor desempenho em relação às negociações com fornecedores nacionais, em relação às importações e a um maior volume de compras, foi concebida a Rede B formada a partir de redes horizontais de supermercados associativistas e proprietárias de pequeno e médio porte.
6. Análise dos dados
Restou claro segundo o depoimento do presidente da Rede A que o objetivo central do arranjo empresarial que se verificava, ainda que informalmente, era a troca de experiências. O Presidente da Rede A refere que o Programa Redes ofereceu suporte para a criação e desenvolvimento da gestão da associação; desenvolveu e estabeleceu alguns critérios e regras, bem como estatutos para o funcionamento da Rede. Assim, iniciaram-se as atividades com oito estabelecimentos gastronômicos, ampliando no decorrer dos anos para vinte e um associados entre diversos segmentos.
Retomando, Morin (1991, p.124) apresenta a complexidade nas organizações exemplificando através de uma indústria de tapeçaria, onde relata que “um todo é mais do que a soma das partes que o constituem”. A afirmativa citada pelo autor confirma a prática exercida pelas redes das redes em sua constituição, onde empreendimentos do mesmo setor, muitas vezes vistos como concorrentes se unem em prol de um benefício. Como cita o presidente da Rede A “são segmentos, propostas, filosofias e tamanhos diferentes que se unem para trocar ideias, solucionar problemas e verificar tendências inovadoras do setor gastronômico da região”.
Para o presidente da rede A participar de outra rede pode muitas vezes não trazer resultados imediatos e palpáveis, mas reforça e fortalece a instituição como entidade representativa do setor. Ele relata que “muitas vezes é difícil para os diretores e gerentes perceber a importância de estar unindo forças com seus “concorrentes” e que há certa resistência e até discordância em participar”. Este relato reafirma a linha de pensamento proposta por Morin (2000) onde a complexidade é compreendida através dos conceitos de ordem e desordem. O conceito de ordem reúne conceitos de interação, que excede aos preceitos da estabilidade, rigidez, repetição e regularidade.
Para o presidente da rede A coesão é um ponto forte que auxilia a permanência da atuação da rede ao longo do tempo. A auto organização, nos momentos de divergências permite que a rede se adapte de forma dinâmica e inteligente mantendo a coerência de suas experiências e gestão absorvendo o ponto forte e aprendendo com o ponto fraco do outro associado”. Assim como cita Cava (2006) que apresenta a complexidade como trocas interindividuais e a consciência reflexiva como meios de contornar os empecilhos do nosso conhecimento, proporcionando além da comunicação e da continuidade do saber, o embate e a discussão dos pontos de vista contraditórios, fazendo com que confrontar-se com um paradoxo essencial: “o operador do conhecimento deve tornar-se ao mesmo tempo objeto do conhecimento” (MORIN, 2005, p.36).
Já para a Rede B, de acordo com o depoimento do gestor da rede de supermercados, a união em formato de rede forma uma base que permite o fortalecimento das empresas associadas diante da concorrência globalizada, possibilitando que as pequenas e médias empresas mantenham-se competitivas.
Mas é complexa a formação das chamadas “redes das redes”. A ramificação de interesses, objetivos e ações é aferida de forma exponencial na medida em que precisa conciliar propósitos.
Apesar do interesse comum em obter melhores patamares de negociação junto à fornecedores as redes são concorrentes entre si, o que conduz ao fenômeno da “coopetição”, termo gerado pela união das palavras “cooperação” e “competição” (NALEBUFF; BRANDENBURGER, 1996), que expressa o comportamento de cooperação competitiva entre empresas, ou seja, elas cooperam para atingir os objetivos e competem na hora de dividir os ganhos. A “coopetição” é uma estratégia que pode explicar a rede de interdependência entre empresas por um sistema de valor competitivo (DAGNINO; PADULA, 2002). Neste contexto, estabelece-se um jogo de negócios entre empresas, clientes, fornecedores e stakeholders em que seus comportamentos e posições como jogadores influenciam nos resultados obtidos. Assim é formada uma rede de valores que representa todas as interdependências existentes (NALEBUFF; BRANDENBURGER, 1996).
Segundo Mancur (1965), mesmo que a maximização do bem-estar social seja desejada os indivíduos de um grupo não agem em prol de um bem comum, mas sim em busca de um bem individual que poderá gerar um bem comum, ou senão, agem sob alguma forma de coerção que os forçam à prática de atos geradores de um bem comum. Sob este ponto de vista se coaduna a complexidade emanada das redes flexíveis, em harmonizar interesses coletivos e individuais.
Conforme os relatos do gestor da Rede B, a complexidade da formação de “redes das redes” reside nas divergências de opiniões em relação à adoção de novas práticas operacionais e de gestão por parte dos associados, na resistência em abandonar o hábito de “estar sozinho para gerir o negócio” e principalmente no estabelecimento da confiança entre os parceiros.
Neste sentido concordam Correa (1999) e Casarotto Filho (1998). Estes autores afirmam que o nascimento e a sobrevivência de redes flexíveis no mercado somente ocorrerá se este processo for calcado na discussão e no equacionamento das culturas de confiança, competência e tecnologia.
Confiança que se traduz por aspectos ligados a cooperação entre empresas e envolve fatores culturais e éticos e as competências essências de cada integrante da rede e suas habilidades nos processos bem como a tecnologia da informação compreendem o universo a ser equacionado (CORREA, 1999).
7. Considerações finais
Após o estudo dos dois casos a interpretação e comparação dos dados obtidos e a análise do manancial teórico acerca da matéria, conclui-se preliminarmente, que a complexidade se apresenta em ambas as redes pesquisadas ainda que de formas diferenciadas.
Conforme Verschoore e Balestrin (2008) a finalidade principal da formação de redes é justamente o agrupamento de atributos individuais que somados permitem um melhor posicionamento no ambiente competitivo. As redes flexíveis proporcionam essa realidade a seus membros, propiciando relacionamentos e troca de experiências como meio para o enfrentamento das adversidades externas. Porém equacionar interesses diversos e canalizá-los para um determinado foco não pode ser representado por uma equação matemática, pois advêm de uma relação complexa que aponta para as relações sociais assinaladas pelas interações entre as pessoas e empresas que atuam em rede para assim estarem em um ambiente mais adaptado (STACEY, 2000).
Verificou-se que a rede A tem sua estrutura calcada na troca de experiências e informações com o fito de perpetuação no mercado competitivo, restando clara a busca da interação entre os membros reafirmando que o todo é maior que as partes e neste foco residindo à mantença do negócio, enquanto a Rede B baliza suas ações para enfrentamento dos grandes players de mercado e a força de barganha que desta união será resultante frente aos fornecedores perfazendo um olhar mais voltado para o lado externo da organização, estando fortemente presente o sentido da coopetição.
Desta forma pode-se evidenciar que os processos de interação e de coopetição são ativos e permanentes. São cotidianos. E estão posicionados em uma linha muito tênue entre o fracasso e o sucesso destes arranjos organizacionais, perfazendo neles a real complexidade.
Esta pesquisa evidencia a presença da complexidade nas redes flexíveis estudadas, de formas e maneiras diferentes, mas é destacada tanto pelos entrevistados como pelas pesquisadoras. Isto porque a complexidade existe nas organizações e por sua vez, nas redes flexíveis também.
Como limitações, podemos citar que a pesquisa em voga foi realizada em apenas duas redes de redes, sendo indicado para uma maior generalização dos dados obtidos aplicar este estudo em um universo maior. Sugere-se a realização de estudos futuros que abordem as competências das redes flexíveis, levando-se em consideração a complexidade em relação ao alinhamento da interação e da coopetição.
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