Espacios. Vol. 34 (1) 2013. Pág. 11 |
O urbano e a produção simbólica do espaçoThe urban and the production of symbolic spaceSilvana do Rocio de Souza 1 y Miguel Bahl 2 Recibido: 12-04-2012 - Aprobado: 25-08-2012 |
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RESUMO: |
ABSTRACT: |
IntroduçãoA paisagem cultural construída pelo homem coincide com a do espaço onde as cidades com suas formas urbanas se inscrevem no tempo e no meio físico e organizam o modo de vida das pessoas. Este espaço é fruto de dinâmicas que compõem a vida cotidiana, com seus fazeres e sentidos incluindo o turismo enquanto fenômeno social. Esta produção textual que apresenta como objetivo a reflexão sobre conceitos que se relacionam para a compreensão do espaço urbano e as formas simbólicas que compõem sua produção, é oriunda de reflexões advindas da elaboração de tese de doutoramento sobre o Patrimônio histórico da Lapa-PR como representação social em que se teve a oportunidade de discorrer sobre a produção simbólica do espaço urbano (SOUZA, 2011). Encontra-se dividido em três partes além da introdução e considerações finais da pesquisa. Na primeira parte apresenta considerações sobre os conceitos que ajudam na compreensão do que é o espaço urbano com base em Henry Lefebvre e Rob Shields. Na segunda parte traz uma reflexão de quais são as relações existentes entre a produção do espaço urbano e sua relação com o Estado na perspectiva teórica de Hannah Arendt, Henry Lefebvre, Milton Santos e Paulo Cesar da Costa Gomes principalmente. Na terceira a articulação de conceitos que ajudam a compreender o que é o espaço turístico com base em Josep A. Ivars, Miguel Bahl e Roberto Boullón. Como justificativa de pesquisa apresenta-se a necessidade de compreensão do espaço a partir das relações existentes entre o espaço das cidades e o Estado que se configuram às vezes em relações e produções simbólicas e que colaboram com as conformações urbanas reafirmando a condição de que o espaço urbano é um espaço culturalmente construído. O espaço urbanoOs seres humanos através de sua práxis 3 transformam a paisagem do mundo natural em um mundo artificial e adaptado onde a paisagem passa de natural para cultural, pois sofreu interferências de diversas ordens. Assim, o conceito de sociedade urbana de Lefebvre (1999, p. 18-23), que faz referência ao espaço urbano como sendo fruto da dinâmica pós-industrial se estrutura a partir do século XIV na Europa Ocidental quando as cidades se transformam em espaços para o comércio. Ainda para Lefebvre (1999, p. 25), a segunda fase da constituição do espaço urbano está ancorada na reorganização que este espaço apresenta a partir dos séculos XVIII e XIX com as chamadas cidades industriais. A partir disto, o espaço urbano incorpora um entrelaçamento de relações que vão além das relações comerciais. Shields (1998, p. 145, tradução nossa) 4 menciona que Lefebvre ao indagar o que é o urbano, considera que “[...] o urbano não é uma determinada população, uma dimensão geográfica ou uma coleção de edifícios”. Pois, a sociedade urbana e a constituição das cidades aconteceu em um recorte histórico de três distintos tempos: era agrária, era industrial e era urbana. Assim, Lefebvre comenta que há distinção entre as cidades da era agrária, as cidades da era industrial e as cidades da era urbana que estão relacionadas com a expressão “sociedade urbana”. Lembrando que essa expressão “não pode ser empregada a propósito de qualquer cidade ou cite, na perspectiva assim definida ela designa uma realidade em formação, em parte real e em parte virtual, ou seja, a sociedade urbana não se encontra acabada, ela se faz”. (LEFEBVRE, 2008, p. 81). Seja qual for o tempo histórico, para Lefebvre (2008, p. 82), uma cidade apresenta três características marcantes: - É um objeto espacial que ocupa um espaço bem distinto do urbano, onde as relações entre o urbano e o rural dependem das relações de produção, ou seja, do modo com que se organizam os processos de produção material do homem; - É uma mediação entre uma ordem próxima e uma ordem distante, onde o próximo é o campo circundante que ela domina e organiza, e a ordem distante é o conjunto da sociedade, neste caso, capitalista; - É uma obra no sentido de uma obra de arte, onde o espaço é organizado e instituído segundo exigências éticas, estéticas e ideológicas do momento histórico em que são implantadas. Portanto uma cidade é mais do que a soma de partes “também não é um nó, um ponto de transbordo ou um centro de produção” (SHIELDS, 1998, p. 145, tradução nossa) 5, fazendo com que as definições e os conceitos a respeito do espaço sejam imbuídos de certa complexidade necessitando “[...] procurar a qualidade essencial de todos estes aspectos”. (SHIELDS, 1998, p. 145, tradução nossa) 6. O urbano é o lugar onde de fato o homem vive em sociedade, tecendo tramas e fazendo fluir experiências sendo que "a centralidade urbana é social, onde os diversos elementos e aspectos do capitalismo se cruzam no espaço, apesar de muitas vezes ser apenas parte do local por um curto tempo, como é o caso dos bens ou pessoas em trânsito”. (SHIELDS, 1998, p. 145, tradução nossa) 7. Sendo mais do que a soma de algumas partes, o urbano é simultaneamente um lugar de “[...] mercadorias, informações e pessoas". (SHIELDS, 1998, p. 145, tradução nossa) 8, formando espaços onde esta organização espacial não é feita apenas pelos: [...] arranjos físicos das coisas, mas também os padrões espaciais de ação social como a rotina, e as concepções históricas do espaço e do mundo (como o medo de cair da borda de um mundo plano). Eles acrescentam na imaginação sócio espacial novas perspectivas, como as que se manifestam na intuição de cada um. (SHIELDS, 1998, p. 146, tradução nossa) 9. O espaço urbano é um espaço culturalmente construído pelo homem em sociedade e é evidenciado através da produção de símbolos que se definem através de códigos onde “tais códigos incluem não apenas a linguagem em seu sentido formal, mas também o gesto, o vestuário, a conduta pessoal e social, a música, a pintura, a dança, o ritual, a cerimônia e as construções”. (COSGROVE, 2003, p. 103). Esta forma de construir o mundo e de nele atuar do homem urbano, onde toda atividade humana é “ao mesmo tempo, material e simbólica, produção e comunicação” (COSGROVE, 2003, p. 103), constitui estilo de vida com paisagens, arquitetura, modos de circulação e espaços de lazer que são específicos neste modo de vida urbano que acontece inevitavelmente em espaço públicos. O espaço urbano e os espaços públicosO espaço público que se encontra inserido no espaço urbano é o espaço onde realmente o homem atua e se expressa em sociedade. Considerando-se o espaço público como sendo o dos logradouros que são espaços abertos ou fechados de uso público e os marcos que são objetos ou artefatos que se destacam na paisagem urbana, atuando como pontos de referência. (BOULLÓN, 2002, p. 196-197). Vinculando-se a estes aspectos julga-se pertinente esclarecer alguns conceitos que envolvem o público e o privado em especial as concepções de espaço público que estão relacionadas ao espaço público das cidades. De acordo com Moreira (2006, p. 89), no modelo da então sociedade soviética público e privado ganharam o imaginário popular com a possibilidade da obtenção da propriedade privada distinguindo-se da propriedade estatal. Moreira ainda acrescenta que a partir das formulações teóricas desenvolvidas por Antonio Gramsci é que surgem as formulações presentes na filosofia política da sociedade moderna, em que privado e público equivalem a sociedade civil e sociedade política respectivamente. Para Gomes (2002, p. 159), “a definição largamente utilizada” em que “é público aquilo que não é privado, não parece ser muito apropriada”, pois esta definição não consegue suprir as necessidades de discernimento entre dois conceitos ambíguos e que incorporam segundo o mesmo autor “outros estatutos possíveis para o espaço” como espaço comum e espaço coletivo. (GOMES, 2002, p. 159). Ele também chama atenção para o fato de que a lei que regulamenta o que é público e distingue do que é privado, existe a partir do objeto – espaço público, pois este precede a lei. Ainda outra dificuldade colocada por Gomes para definição de espaço público é o entendimento de que o espaço público permite o livre acesso de qualquer cidadão. Esta forma de entender o espaço público como aquele que permite o livre acesso não distingue o espaço público do espaço coletivo, ou ainda o espaço de uso comum, pois, “diversas formas de espaço público que não têm essa qualidade, hospitais, áreas militares, administrativas, escolas etc.” são espaços públicos que não possuem a característica de permitir o livre acesso a qualquer cidadão. (GOMES, 2002, p. 160). Contudo, faz-se necessário considerar o que Hannah Arendt (2001, p. 59), apresenta como esfera pública “mundo comum” distinguindo-se da esfera privada, da família onde “tudo que vem a ser público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível” como também o “mundo público significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e difere do lugar que nos cabe dentro dele” (ARENDT, 2001, p. 62). A esfera pública, como mundo comum reúne os homens e os artefatos humanos como produtos por eles construídos ou realizados e isto é determinado desde o advento do surgimento da sociedade, ou seja, “desde a admissão das atividades caseiras e da economia doméstica à esfera pública, a nova esfera” (ARENDT, 2001, p. 55). Esta esfera pública, que é caracterizada pelo crescimento e pela irresistível tendência de “devorar as esferas mais antigas do político e do privado” (ARENDT, 2001, p. 55), apresentando um desenvolvimento que acompanha o crescimento da própria sociedade, cujo crescimento é constante e contínuo. Neste modo do homem moderno se organizar em sociedade, a esfera pública, é de certo modo induzida. Pois, para o homem moderno pertencer a uma sociedade é necessário estar presente e fazer parte do que é público. Nesta sociedade, o homem necessita deixar seu ambiente particular e privado, o da família e se expor ao público. De certa forma, viver em sociedade, também significa atuar na esfera pública. Para Arendt (2001, p. 56):
Como exemplo, pode-se visualizar a diferença da natureza do trabalho quando este era realizado exclusivamente na esfera da família, como modo de sobrevivência ou de subsistência e quando, na sociedade moderna, o trabalho assumiu uma dimensão pública, passando a ser realizado muitas vezes longe da esfera particular privada. Esta atividade, a do trabalho, assume assim outra dimensão, mudando até mesmo sua natureza. O trabalho realizado na esfera pública não mais necessariamente serve para fins de sobrevivência ou de subsistência, sua natureza pode ser diversa. A necessidade da divisão do trabalho, da produtividade, das qualificações e das capacitações para o trabalho, só fazem sentido se este for realizado na esfera pública. Ainda usando como exemplo o trabalho, termos a ele associados quando era realizado na esfera privada como, fadiga e penas, esforço ou dor, perdem significado para outras expressões como realização pessoal, competitividade, status e excelência que ganham significado quando o trabalho passa a ser realizado na esfera pública. Tomando como referência o termo excelência, Arendt (2001, p. 58), considera que “toda atividade realizada em público pode atingir uma excelência jamais igualada na intimidade, para a excelência, por definição há sempre a necessidade da presença de outros” sendo que estes outros indivíduos não podem ser “a presença fortuita e familiar de seus iguais ou inferiores”. Neste ambiente de esfera pública, os padrões de comportamento, que vale lembrar, alteram-se ao longo da história dos homens, são tomados como regras sociais e portando estão associados ao convívio em sociedade, sendo que neste ambiente “nem a educação nem a engenhosidade nem o talento podem substituir os elementos constitutivos da esfera pública, que fazem dela o local adequado para a excelência humana”. (ARENDT, 2001, p. 59). Retomando o conceito de espaço público de uma cidade como sendo o espaço onde ocorre a vida pública com relação direta com a vida política entende-se ser este espaço o local de fruição da vida em sociedade. É, portanto o local onde a vida ganha uma dimensão pública através da comunicação. É o espaço onde se faz necessário “estabelecer os princípios e as condições em que uma norma é válida e pertinente ao conjunto das pessoas que vivem juntas. Dessa forma, a unidade social provém de uma atividade cotidiana, de um agir comunicacional”. (GOMES, 2002, p. 161). O entendimento que Gomes (2002, p. 162), possui de espaço público como sendo “praça, rua, shopping, praia”corrobora com o de Boullón (2002, p. 196-197),ao definir o espaço público das cidades como sendo os espaços abertos ou fechados de uso público. Neste espaço onde a vida é pública existem regras e normas que devem ser respeitadas, portanto, esse espaço “é o lócus da lei [...] é o lugar das indiferenças, ou seja, onde as afinidades sociais, os jogos de prestígio, as diferenças, quaisquer que sejam, devem se submeter às regras da civilidade”. (GOMES, 2002, p. 162). De acordo com o pensamento de Corrêa (2003, p. 167), o estudo do espaço urbano ou da geografia urbana esteve vinculado a uma visão positivista ao relacionar seus estudos às formas e funções urbanas do ponto de vista morfológico e funcional, porém a partir de 1970 quando vinculada a uma visão crítica buscou estudar os processos contraditórios e os conflitos sociais que ocorrem no espaço urbano dentro de uma dimensão cultural. Lefebvre (1999, p. 77-81), ao discutir o espaço urbano como espaço construído apresenta os níveis e dimensões desse espaço, que vão do nível global onde se exerce o poder do Estado, ao nível intermediário onde ocorre o urbano e ao nível privado ou do habitar. No nível global o Estado exerce seu poder como vontade e como representação. Como vontade através das estratégias políticas de quem detêm o poder, favorecendo a intervenção dos especialistas urbanistas e como representação “os homens de Estado têm uma concepção política ideologicamente justificada do espaço” tendo “capacidade de ação, podendo modificar a distribuição dos recursos, dos rendimentos, do valor criado pelo trabalho produtivo”. (LEFEBVRE, 1999, p. 78). O nível global é o mais abstrato, onde ocorrem as relações mais gerais e essenciais com o mercado de capitais e a política de planificação do espaço. No entanto, as estratégias desenvolvidas e projetadas interferem no “prático-sensível e no imediato” projetando edifícios, monumentos ou mesmo desenvolvendo projetos urbanísticos. (LEFEBVRE, 1999, p. 78). O nível intermediário, considerado por Lefebvre como nível diretamente relacionado ao urbano, o nível da cidade, tendo relação direta com um conjunto especificamente urbano, como estruturas para o comércio, para os transportes e demais serviços urbanos. Está de certa forma, entre o nível global, onde as estruturas são estrategicamente programadas e o nível privado, ou seja, das construções de uso privado. Neste nível privado estão os imóveis “domínio edificado”, edifícios residenciais, casas, acampamentos e favelas. É o nível do habitar que “deteriorou-se fortemente na prática”, pois na sociedade urbana o homem vive em espaços homogeneizados “obrigando o vivido a encerrar-se em caixas, gaiolas, ou “máquinas de habitar”. (LEFEBVRE, 1999, p. 81). Lefebvre considera que “para reencontrar o habitar e seu sentido, para exprimi-los, é preciso utilizar conceitos e categorias capazes de ir aquém do vivido do habitante, em direção ao não conhecido e ao desconhecido da cotidianidade”. (LEFEBVRE, 1999, p. 81). O habitar assim será compreendido nas relações cotidianas do espaço urbano, seja “do templo e dos palácios à choupana do lenhador, à cabana do pastor” assim como as “realidades urbanas, com suas diferenças e relações secretas e/ou evidentes” (LEFEBVRE, 1999, p. 81), revelam as singularidades deste espaço culturalmente construído e constantemente modificado. É nesta dimensão cultural que se coloca a questão da produção simbólica do espaço urbano e suas dimensões na representação social que os símbolos constituídos pelos bens patrimoniais históricos que se encontram concentrados ou dispersos no espaço público das cidades pequenas, médias ou cosmopolitas se configuram e relevam a teia de relações sociais que emergem destes espaços. Porém, a grandeza e a complexidade das cidades fizeram com que Santos (1993, p.61), considerasse que elas têm “um grande papel na criação dos fermentos que conduzem a ampliar o grau de consciência” por ser um espaço que propicia a vida em sociedade em função das possibilidades de troca, seja, cultural ou econômica, é na cidade, ou no urbano que existem as possibilidades. É no espaço urbano que o homem se concentra e se relaciona. Por isso, as cidades são um “espaço de revelação”. Onde para a maior parte dos indivíduos é um espaço que “ao primeiro contato é impalpável, não se deixando entender apenas com o que apreendemos em suas enormes quantidades, nada mais que uma fração do todo”. (SANTOS, 1993, p. 61). Porque uma cidade:
Compreender isso significa entender os processos de produção de forma cônscia e crítica, percebendo o que o espaço urbano tem a revelar, em suas produções simbólicas. Porque “a cidade é palco constante no qual se movimentam as categorias econômicas, o salário e o capital, o sobreproduto e a mais-valia, desempenhando as suas cenas e os seus dramas”. (LEFEBVRE, 1972, p. 117). É neste espaço que o homem se insere na sociedade de forma singular e diferenciada, produz e consome bens materiais e culturais. Este processo que se faz em movimento histórico de constante transformação, envolve a problemática dos aspectos demográficos, ambientais e funcionais além da aparência destes. É no espaço público da cidade, que o homem atua mantendo relações sociais marcadas por conflitos. A dinâmica deste espaço, não pode ser dissociada da dinâmica da vida, dos elementos materiais que a cercam a partir das formas históricas de apropriação do espaço e das inter-relações políticas. Estas relações sociais, políticas e econômicas revelam produções simbólicas a partir das construções concretas e históricas que carregam a cultura de uma sociedade marcada por eventos que imprimiram numa população marcas, histórias, revelando um modo de ser, de pensar e de agir que nem sempre se consegue compreender. O espaço turísticoQuanto ao espaço onde ocorre o fenômeno turístico, é um espaço complexo, com inúmeras possibilidades de interpretação e que do ponto de vista físico e estrutural, reflete de alguma forma o modo com que as cidades se preparam para o fenômeno social denominado turismo, espaço esse em que vão acontecer as variadas relações entre os atores sociais que se envolvem neste fenômeno. Vale lembrar, que neste artigo o turismo está sendo entendido enquanto um fenômeno social da mobilidade humana e que acontece em um espaço que assume um grau de complexidade compatível com a trama de relações que nele se desenvolvem. E para que essas relações aconteçam do ponto de vista físico, faz-se necessário prover o espaço, ou melhor, o espaço turístico que é o que incorpora o espaço de vivência, de produção, de circulação a outra categoria do espaço, o espaço para o lazer, de alguns elementos físicos. Como é o caso dos equipamentos e serviços turísticos que são aqueles destinados a satisfação de necessidades, preferências e motivações dos turistas: serviços de alimentação, hospedagem, entretenimento, agenciamento e transporte. Ainda, os atrativos turísticos que são elementos que integram o espaço e são capazes de atrair turistas, ou seja, provocar deslocamentos. Além dos elementos físicos destinados exclusivamente aos serviços turísticos e dos atrativos o espaço turístico necessita ser provido de um sistema de serviços urbanos de apoio ao turismo que Ignarra (1999, p. 31), define como “serviços disponíveis para a população residente da destinação turística, mas que podem, também, serem utilizados pelos turistas” e como exemplos, cita serviços urbanos variados como os serviços bancários, de saúde, de segurança e de transportes e de infraestrutura básica destinada ao atendimento da população, mas que beneficiam os turistas como rede de energia, comunicação, sinalização e iluminação. O espaço turístico ainda necessita ser dotado de um sistema organizacional através de políticas públicas e de recursos humanos para operar este sistema que se estabelece no espaço. Cruz (2000), que considera o turismo uma atividade econômica moderna, lembra que especialmente no Brasil ele atua consumindo espaços e isso faz com que se busquem respostas da influência do turismo na organização socioespacial dos centros urbanos em especial naqueles que possuem atrativos turísticos mais expressivos e numerosos. No entanto, Santana e Azevedo (2005, p. 119), afirmam que “as organizações sociais, especialmente as de espaços urbanos com potencialidades turísticas, têm buscado no turismo uma forma de inserção e desenvolvimento socioespacial o que tem influenciado nas transformações espaciais”. Estas transformações espaciais ocorrem desde o momento em que o homem ocupa e transforma o espaço, modificando-o conforme suas necessidades. No fenômeno turístico, por vezes, o homem se apropria do espaço e outras vezes o cria para atender as necessidades de lazer e de deslocamento inerentes ao turismo, e ainda, nele é incorporado pelas políticas públicas interessadas na implementação do turismo. O desenvolvimento do turismo assume diversas formas e envolve uma variada quantidade de atividades. Possui diversidade de contextos que cria tipos e subtipos de turismo. Mas para todos eles o espaço do turismo pode ser descontínuo, pois entre um atrativo e outro existem vazios onde se criam redes de caminhos e rotas de acesso para a mobilidade dos fluxos turísticos – dos turistas. Cabe esclarecer, que os vazios citados anteriormente, referem-se a aspectos físico-espaciais, na perspectiva turística, pois do ponto de vista social, não se poderia falar em “vazios” ou “descontinuidade de ocupação material”. Ainda se tratando dos aspectos físicos do espaço, Boullón (1991, p. 61), estabelece características ao espaço físico apresentando sete classes de espaços (real, potencial, cultural, natural, virgem, artificial e vital) que em princípio coincidem ou se localizam em centros urbanos ou próximos deles. Em relação ao espaço turístico menciona que é definido ao “observar a distribuição territorial dos atrativos turísticos e da planta, a fim de detectarmos os agrupamentos e as concentrações que saltam à vista”. (BOULLÓN, 2002, p. 80). Como componentes do espaço turístico apresenta zonas, áreas, complexos, centros, unidades, núcleos, conjuntos e os corredores de traslado e de estadia. Nesta abordagem a perspectiva está mais relacionada aos centros turísticos, que são compreendidos como conglomerados urbanos que contam com atrativos turísticos de tipo e hierarquia suficientes para motivar deslocamentos de turistas, com distância suficiente para que a viagem possa ser realizada em um dia. A distância entre atrativos considerada como raio de influência é definida em duas horas de distância-tempo. Ao invés de ser determinado em quilômetros, o raio distância-tempo é estabelecido devido as diversidades de topografia, tipo de pavimentação da via de acesso e outros determinantes urbanos que interferem na velocidade dos veículos. Dois tipos de conglomerados urbanos podem comportar centros turísticos. O que possui no turismo sua atividade motriz, ou seja, sua dinâmica econômica se estabelece prioritariamente através do turismo e outro tipo em que o turismo é apenas uma atividade a mais, típica das grandes capitais do mundo. A teoria do espaço turístico de Boullón (1991), estabelece uma tipologia de centros turísticos baseados em centros urbanos que abarca os de distribuição, de estadia, de escala e de excursão: - De distribuição são compreendidos como conglomerados urbanos que contam com atrativos turísticos de tipo e hierarquia suficientes para motivar deslocamentos de turistas, com distância suficiente para que a viagem possa ser realizada em um dia. São aqueles em que existe infraestrutura suficiente para servir de base para os turistas com acomodação e alguns serviços essenciais, outros serviços específicos como serviços de guia poderão ser nele encontrados; - De estadia se difere marcadamente dos centros de distribuição pelo tempo de permanência do turista, neste o turista pernoita todos os dias e visita normalmente um único atrativo, como exemplo, uma praia, sendo que este tipo de centro necessita da atenção constante dos responsáveis pelo turismo com a qualidade e diversidade das opções de entretenimento que dispõe, como no período da tarde e da noite, assim como deve se preocupar com a renovação desses entretenimentos para motivar o retorno e manter a fidelidade dos clientes; - De escala são centros menos comuns do que os de distribuição e estadia e que possuem o objetivo de basicamente suprir as necessidades de alojamento e/ou alimentação entre um destino e outro. Não possuem a particularidade de possuir atrativos como os demais tipos de centro; - De excursão são centros em que o turista permanece por menos de vinte e quatro horas proveniente de outros centros. Possui a necessidade de atrativos e demais serviços turísticos. De um modo geral, os centros turísticos possuem características particulares de acordo com o conglomerado urbano em que se encontram, podendo ter maior ou menor hierarquia. Uma característica que marca esta forma de classificar os espaços turísticos é a capacidade prevista de reorganização e ampliação alcançando outras classificações, dotando o planejador de instrumentos que o direcionem para compreensão da dinâmica do espaço. Com outro modelo de análise Bahl (2000), estabelece especialmente para o caso brasileiro a teoria dos agrupamentos turísticos municipais, em que a divisão político administrativa está baseada na divisão do território nacional em estados e municípios. Leva em conta que as localidades turísticas, estão situadas em variadas extensões de áreas municipais e abrangem variadas áreas de influência. Ou seja, cada área de influência municipal “normalmente projetada a partir das suas sedes urbanas para os distritos contidos em suas áreas e municípios circunvizinhos” (BAHL, 2004, p. 32), considerando que os municípios poderão ser agrupados e “conformar regiões turísticas a partir de agrupamentos municipais”. (BAHL, 2004, p. 32). Para tanto, leva em consideração características particulares e similaridades entre municípios, buscando nestes agrupamentos a união destas similaridades que passarão a caracterizar os conjuntos regionais. Neste modo de olhar para o espaço turístico, a partir de agrupamentos municipais, Bahl preliminarmente buscou estudar este espaço a partir dos conceitos de região, comentando sobre variados enfoques desde o da geografia, da economia e da administração até a sociologia para finalmente abordar o conceito de região com enfoque no turismo o qual relaciona ao conceito de clusters 10. Estes agrupamentos municipais realizados sob a ótica das similaridades podem conformar regiões turísticas que poderão se desenvolver como produtos turísticos onde: [...] a determinação de espaços geográficos através de agrupamentos municipais permite a posterior elaboração de planos regionais que busquem corrigir distorções dos elementos espaciais e despertar vocações turísticas. (BAHL, 2004, p. 55). Vale lembrar que Bahl considerou que esta forma de tratar o espaço geográfico identificando o espaço do turismo através dos agrupamentos turísticos municipais serviria como estratégia para o desenvolvimento turístico apoiado na articulação de políticas públicas voltadas para o âmbito regional. Para Ivars (2003, p. 38, tradução nossa) 11, no entanto, no plano teórico o espaço turístico “recupera sua dimensão social circunstância que se traduz na promoção de um desenvolvimento mais equilibrado territorial e setorialmente e em maior ênfase na preservação do patrimônio natural e cultural” desde que se compreenda que existe um complexidade de relações que estão relacionadas aos interesses que a atividade turística desperta para um determinado município. Estes interesses deveriam estar embasados no reconhecimento de modelos de desenvolvimento que permitam à sociedade local ter um papel ativo na condução de políticas públicas que promovam desenvolvimento equilibrado e que diversifique as atividades econômicas especialmente as relacionadas diretamente com a atividade turística e que estejam em consonância com a projeção de uma imagem de destino compatível com as expectativas de quem nele reside. Isso, pois a relação entre turismo e o espaço se dá pela necessidade de compreender que ela assume valores e metáforas de acordo com que são representados, onde neste modo de organizar geograficamente a sociedade, através da organização do espaço se mantém o jogo de interesses que está na base das relações entre sociedade e Estado. Avançar na argumentação implica discuti-la de forma conjunta, explicitando as contradições dos movimentos existentes no espaço, que acabam assumindo outros valores, outras metáforas. Estas levam à compreensão de que o espaço do turismo é um espaço social, onde os movimentos contraditórios da sociedade alcançam um grau maior de complexidade, pois, as relações são dialéticas. De um lado o turismo, em determinadas atividades e por forças econômicas, produz um espaço que seja apropriado ao jogo de interesse de classes, ou seja, empresários, Estado e turistas e por outro se apropria do espaço no qual as relações sociais acontecem independente do fenômeno turístico. Essa apropriação não é apenas dos aspectos materiais e estruturais, como as edificações e o sistema urbano de um modo geral, mas também dos aspectos imaginários e perceptivos que cada localidade é capaz de produzir e usar como atrativo turístico. Portanto o turismo enquanto fenômeno social possui a capacidade de transformar o espaço na medida em que as relações sociais se entrecruzam revelando uma teia de relações. Na esteira destas relações estão também as contradições sociais históricas que não se reduzem a confrontos de interesses econômicos, são também contradições que acompanham os desencontros de possibilidades e de necessidades diferentes para cada ator social e determinadas em cada tempo histórico. Onde o espaço produzido, apropriado ou transformado pelo turismo ou o turismo nele inserido é um espaço social complexo onde os relacionamentos, as ações, os sentimentos e as ideias se conjugam e se mesclam com o arranjo de objetos construindo um espaço onde os processos que o instituem também o repelem, onde se busca a compreensão das heterogeneidades que formam a identidade através das práticas cotidianas que acontecem no espaço. Considerações finaisNesta forma de olhar para o espaço, nas sociedades contemporâneas, onde o espaço se organiza através das cidades com marcos, praças, ruas, casas é que o homem procede uma fixação como nunca vista anteriormente, faz refletir sobre o real significado da urbanização e consequente reorganização do espaço, para além dos aspectos físicos, mas também para os aspectos culturais que influenciam a forma de organizar as cidades na preparação para o turismo. Conceber outras maneiras de pensar estas questões envolve algo que é dinâmico e inclui toda a vida socioeconômica, concebendo os processos humanos como frutos de suas experiências no espaço, no tempo e nas relações de uns com os outros. O espaço público de uma cidade que modifica e é modificado pelas práticas sociais que nele se inserem é um espaço complexo. É esta complexidade que deve ser incorporada ao estudo dessas práticas e suas consequentes dinâmicas que se desenvolvem nos espaços públicos especialmente quando neste espaço ocorre o fenômeno turístico. Compreender estes aspectos se faz primordial para a tomada de consciência de que modelos e esquemas aplicáveis à era agrária ou industrial não são aplicáveis aos espaços urbanos da sociedade capitalista e globalizada. Insistir neste erro é se perpetuar em equívocos teóricos e práticos. Evidencia-se que os processos de produção do espaço urbano se deram por forças e dinâmicas territoriais diversas que imprimiram arranjos contemporâneos a esses espaços. Tendência esta que acentua o alargamento das fronteiras com tanta rapidez que a singularidade dos espaços tende a sucumbir frente a esse processo que se encontra ancorado nas questões relativas à globalização. Este processo, acentuado pelo desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação, demonstra a dinamicidade das práticas sociais e que as forças produtivas de uma determinada sociedade, algumas efêmeras outras concretas, alteram-se ao longo da história. Como exemplo atrelado a essa afirmação, pode-se citar que os meios de comunicação e de transporte sofreram rápidas e volumosas alterações pelo correlato desenvolvimento da tecnologia que utilizam e no número de pessoas que usufruem desses sistemas. E essas alterações se refletiram na organização do espaço das cidades, pequenas, médias ou cosmopolitas. Todas se rendendo aos avanços nessas áreas. Neste contexto, a relação turismo e espaço ocorre na medida em que as relações sociais determinadas a partir do fenômeno da mobilidade humana, o turismo, por quaisquer que sejam suas motivações, deve ser propulsor de desenvolvimento onde a cultura de um local como produção humana que reflete valores e princípios necessita ser respeitada. E desta maneira, o turismo poderá ser incorporado como possibilidade de promoção social e cultural. Este dinâmico modo de produção do espaço urbano faz necessário compreender as novas relações e novas dinâmicas que ocorrem nestes espaços. A análise agora necessita ser mais complexa, mais abrangente e considerar não apenas os aspectos concretos e materiais de produção do espaço urbano, mas também deverá considerar as novas dinâmicas territoriais decorrentes das novas formas de organização urbana incluindo olhar para a produção simbólica do espaço. ReferênciasARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. BAHL, M. Agrupamentos turísticos municipais. Curitiba: Protexto, 2004. ______. Regionalização Turística do Estado do Paraná. 184 f.Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo,São Paulo, 2000. BOULLÓN, R. Planejamento do espaço turístico. Bauru: EDUCS, 2002. ______. 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1 UFPR. Email: silvanarcsouza@hotmail.com 3 É a ação prática do homem que em relação dialética com a teoria é por ela iluminada e a ilumina, ou ainda, a teoria não reduz a prática, mas a complementa e também a faz avançar, realizando-se sempre através da ação humana, é, portanto, a “[...] atividade material do homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo humano [...] atividade humana que produz objetos, sem que por outro lado essa atividade seja concebida com o caráter estritamente utilitário”. (VASQUEZ, 1968, p. 3). Para Kosik (2002, p. 222) “a práxis na sua essência e universalidade é a revelação do segredo do homem como ser ontocriativo, como ser que cria a realidade (humano-social) e que, portanto, compreende a realidade (humana e não humana, a realidade na sua totalidade)”. 4 “[…] the urban is not a certain population, a geographical size or a collection of production of building”. (SHIELDS, 1998, p. 145). 7 “The urban is social centrality, where the many elements and aspects of capitalism intersect in space, despite often merely being part of the place for a short time, as it the case with goods or people in transit”. (SHIELDS, 1998, p. 145). 9 “[…] physical arrangements of things but also spatial patterns of social action and routine as well as historical conceptions of space and the world (such as a fear of falling off the edge of a flat world). They add ap to on socio-spatial imaginary and outlook, with manifests itself in our every intuition”. (SHIELDS, 1998, p. 146).
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