1. Introdução
Neste artigo tem-se como objetivo apresentar as características da tecnologia social imbricadas no projeto Seda Justa, desenvolvido pelas artesãs da comunidade Vila Rural Esperança. A tecnologia social é um instrumento adotado para solucionar problemas sociais, utilizado como transformador de pessoas. Faz com que pessoas excluídas sejam ressocializadas e transformem as suas vidas por meio da apropriação desta tecnologia que engloba o conhecimento técnico-científico e os benefícios gerados pela Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&). Os programas de tecnologia social contam com o apoio e incentivo governamentais para a sua inclusão, implantação e desenvolvimento nas políticas públicas.
Desde 1970, as políticas públicas direcionadas ao mercado de trabalho vêm sendo criadas e desenvolvidas como uma forma de compensar a redução do número de postos de trabalho à disposição da população. Dentre estas políticas públicas de apoio ao desenvolvimento local está a tecnologia social (BILANCIERI; PADOVEZE, 2006).
Para Silveira (2006), a construção de novas alternativas de desenvolvimento local sugere a construção de um “leque” de alianças que reconhece a sustentação do contexto cultural (costumes, crenças, tradições, regras, tabus, folclores e rituais, social e familiar), da organização comunitária, do trabalho em rede e da economia sustentada. Nestes casos, não somente as pessoas constroem e desenvolvem seus espaços como agentes de mudança, mas os espaços podem ser aproveitados para construir as pessoas, tanto em termos de restrições quanto em termos de oportunidades de ação.
A ideia do projeto Seda Justa é proporcionar, por meio de parceiros, uma alternativa de renda, remunerar de forma justa e digna as pequenas artesãs para que melhorem sua condição de vida. O projeto adota o conceito de comércio justo e faz uso da tecnologia social que se transformou numa política pública a partir do mês de julho de 2009, mudando, também, neste período, a sua forma de organização de associação para cooperativa, recebendo o nome de Artisans Brasil - Seda Justa (COPRASEDA).
As artesãs da comunidade Vila Rural Esperança confeccionam cachecóis a partir dos fios do bicho da seda, que é cultivado por algumas delas e pela comunidade na própria Vila Rural Esperança, que foi construída no ano de 2000 e esta localizada na cidade de Nova Esperança, Estado do Paraná. Hoje, 78 das 127 famílias que lá residem se dedicam à criação de bicho da seda que lhes proporciona uma alternativa de renda.
2. Tecnologia Social (TS)
Segundo Dagnino (RTS, 2008), o conceito de tecnologia social é novo e “revolucionário” (transformador social) e deve ser incorporado às políticas públicas, às ações de governo, ao mercado e à academia, pois, de acordo com ele, essa tecnologia visa promover a inclusão social e surgiu para contestar a tecnologia convencional que causou altos índices de desemprego.
Para Bucci (2001), as políticas públicas podem ser definidas como programas de ação governamental voltados à concretização de direitos da população, especialmente os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Elas visam à recuperação e à melhoria da economia e melhoria da qualidade de vida da população, tanto presente como futura.
As políticas públicas funcionam como instrumentos de aglutinação de interesses em torno de objetivos comuns, que passam a estruturar uma coletividade de interesses. Segundo a autora, de acordo com uma definição estipulativa, toda política pública é um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular.
Souza e Reis (2005) ressaltam que a inclusão social pelo trabalho passa pela questão central da cidadania. O fortalecimento desses diversos grupos minoritários vai ao encontro do princípio democrático da igualdade, sobretudo pela formulação de políticas afirmativas que trabalhem no sentido de criar uma mentalidade que considere como prioritário o reconhecimento do outro e suas especificidades.
Fritzen et al. (2008) mencionam que cada realidade exige um programa. Por isso é necessário um conhecimento prévio do ambiente, suas necessidades e oportunidades, bem como os recursos necessários, após esta análise criteriosa, estabelecendo a melhor opção e estratégia de abordagem para o local. Agindo desta forma, o resultado final tenderá a ser mais positivo e efetivo. E para que isso se concretize é de suma importância a colaboração e a participação da população local.
Corroborando com o que foi dito acima, Bernardoni, Souza e Peixe (2008) mencionam que a política pública pode ser considerada como o principal instrumento utilizado para coordenar programas e ações públicas, de forma a efetivar direitos e promover igualdades por meio da intervenção na realidade social. Isso tudo resulta num compromisso público entre estado e sociedade com o objetivo de transformar uma determinada realidade.
Algumas características mais gerais dessas políticas públicas seriam: o foco na geração de trabalho e renda, as constantes interações entre Estado e sociedade civil na construção da política e uma vocação para induzir processos de organização social e desenvolvimento. Sempre lembrando que a configuração de cada política pública será determinada pelos atores locais, seus interesses e interações (COSTA, 2006).
As fases ou ciclo das políticas públicas são: formação da agenda; formulação; implementação; monitoramento e avaliação. Estas fases estabelecerão a inclusão ou exclusão das políticas públicas. A partir dos resultados, uma política pública pode ter seu desempenho modificado, alguns de seus aspectos melhorados, ações redirecionadas, podendo ser expandida, tendo continuação ou interrompimento (LASSANCE JÚNIOR; PEDREIRA, 2004).
Diante destas fases, ressalta-se a importância de processos de monitoramento e avaliação de resultados e impactos de projetos, os quais devem ser permanentes e objetivos, devem apontar os acertos e erros, pontos fortes e fracos, destacar o que é bom, expor fragilidades, equívocos e insuficiências, com a finalidade de buscar o aperfeiçoamento ou reformulação da tecnologia, adequando esta às necessidades sociais (HERMANN et al., 2008).
Então, para que a realização de projetos e programas em que determinada política pública se desdobra concretizem-se e sejam incluídos na agenda governamental, é preciso que sejam economicamente viáveis, de interesse e proporcionem boa repercussão, tanto em escala como em benefícios para a população; e para que sejam mantidos, devem atender a estes fatores, além de corresponderem aos objetivos traçados que são constantemente avaliados (GELIS FILHO, 2004).
De acordo com Rutkowski e Lianza (2004), os problemas sociais como a fome, a miséria, as altas taxas de analfabetismo e os elevados índices de desemprego enfrentados pelo Brasil atualmente são os maiores limitadores do seu desenvolvimento. Para se reverter esta realidade, programas solidários têm sido criados, implantados e desenvolvidos. Dentre eles, estão as tecnologias sociais.
A sociedade civil, em resposta aos baixos índices de emprego, criou formas de experiências autogestionárias, inovadoras e participativas, em geral denominadas empreendimentos de economia popular/social/ ou programa de autogestão/economia solidária, ou empreendimento sustentável/social ou, ainda, projeto de sobrevivência sustentável, os ditos solidários.
Esses empreendimentos surgem da associação de pessoas que desejam obter algum meio de vida ou de renda, por intermédio do trabalho. São vizinhos, conhecidos, moradores de uma mesma região ou frequentadores de uma paróquia, que se juntam a partir de algo que acreditam ter em comum ou de alguma atividade que já realizam em comum (RUTKOWSKI; LIANZA, 2004).
Esses empreendimentos devem ser competitivos e ter sustentabilidade para que, de fato, se constituam numa alternativa econômica e venham a resolver o problema social dos envolvidos. Tais empreendimentos apresentam importante dimensão econômica, pois a globalização permite a criação de novos mercados para produtos essencialmente regionais, como os artesanais ou derivados de recursos da Floresta Amazônica (RUTKOWSKI; LIANZA, 2004).
Tais experiências se apresentam como alternativa de geração de trabalho e renda para milhares de pessoas que, devido à reestruturação produtiva impulsionada, sobretudo pela globalização e pela “revolução digital”, vêem-se fora do mercado de trabalho. Isso porque, se tais pessoas se apresentam como desqualificadas e incapazes de atender às exigências cada vez maiores de capacitação, habilidades e competências apresentadas como pré-requisitos para a obtenção de um posto de trabalho no mercado formal, muitas vezes têm competências únicas, como a capacidade de elaborar produtos artesanais, ou podem facilmente desenvolver outras competências, relativamente simples, que lhes permitam prover renda e dessa forma sobreviver. Surgem, assim, associações e cooperativas de artesanatos, reciclagem de lixo, prestação de serviços de limpeza, jardinagem, confecções, alimentos e outras, compostas por pessoas, em geral, há muito tempo desempregadas, pouco qualificadas, analfabetas ou precariamente alfabetizadas (RUTKOWSKI; LIANZA, 2004, p. 169).
Porém, a ampliação dos negócios gerados nesse tipo de economia social esbarra em algumas dificuldades como: a falta de organização das comunidades, a falta de experiência em gestão de negócios, a falta de contatos para a comercialização, a falta de acesso a recursos financeiros, dificuldades técnicas encontradas no processo produtivo e carência de conhecimentos tecnológicos. A grande parte, sendo decorrente da falta de qualificação já mencionada (RUTKOWSKI; LIANZA, 2004).
Em geral, as tecnologias sociais têm dimensão local. Aplicam-se a pessoas, famílias, cooperativas e associações. O conceito de tecnologia social é algo recente no Brasil. Surgiu no ano de 2001, mas o mesmo vem sendo construído desde 1970, quando se falava em “tecnologia intermediária”, “tecnologia apropriada” ou “tecnologia alternativa”, que eram utilizadas para designar a tecnologia tradicional ou artesanal (LASSANCE JÚNIOR; PEDREIRA, 2004).
As expressões que foram sendo formuladas apresentavam uma característica em comum: o fato de terem sido originadas a partir da diferenciação à tecnologia convencional, que fazia uso intensivo de capital, de insumos sintéticos e procurava diminuir a mão-de-obra empregada. Os formuladores destas expressões tinham a percepção de que a tecnologia convencional não havia atendido aos problemas sociais e ambientais e, por vezes, até os agravara (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Desta forma, a tecnologia convencional era considerada como inadequada para solucionar problemas conjunturais e localizados. Partia-se do pressuposto de que só a tecnologia social incorporada às regiões ou populações envolvidas poderia conduzir ao desenvolvimento desejável e conter todos estes problemas mencionados. Proporciona efeitos positivos como: geração de renda, saúde, emprego, produção de alimentos, nutrição, habitação, relações sociais e meio ambiente (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
Estas concepções de tecnologia continham as seguintes características: participação comunitária no processo decisório de escolha tecnológica; produtos ou serviços finais (assim como o investimento nestes deveriam ser de baixo custo); sua proporção seria de pequena ou média escala; utilização de recursos renováveis ou naturais; maior intensidade de mão-de-obra; respeito à cultura e à capacitação locais; e simplicidade na tecnologia e na sua implantação (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004).
É necessário que as tecnologias contenham essas características citadas acima, já que o seu processo de implantação e manutenção procura propiciar o aprendizado, a adaptação da estratégia ao longo do tempo, bem como a identificação de novas oportunidades estratégicas, constituindo-se num processo contínuo de aprendizado e surgimento de novas ideias (FRITZEN et al., 2008).
Muitas tecnologias são pautadas, sobretudo pela simplicidade, baixo custo, fácil aplicabilidade e impacto social, não estando, necessariamente, associadas a organizações coletivas e, sim, a ideias boas e baratas. Isto se deve não só pela destinação de recursos governamentais que são poucos, mas também pelo fato das pessoas envolvidas nestes programas apresentarem baixo nível de escolaridade (LASSANCE JÚNIOR; PEDREIRA, 2004).
Para Dagnino, Brandão e Novaes (2004), em função destas características, a tecnologia apropriada seria capaz de evitar os prejuízos sociais e ambientais decorridos da adoção das tecnologias convencionais e, adicionalmente, diminuiria a dependência dos países periféricos em relação aos fornecedores usuais de tecnologia. Mas, para isso, segundo eles, há a necessidade da participação do governo e da população.
Segundo a Rede de Tecnologia Social (RTS, 2008), a promoção da tecnologia social resultante de políticas públicas é financiada com recursos públicos e tem como função suprir as necessidades da população, priorizando as dimensões humana e social. Ela pode ser entendida como produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidos na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social.
Essa tecnologia é expressa pela intervenção social que é inclusiva em todos os seus momentos e é desenvolvida e difundida de acordo com as possibilidades e as limitações de cada comunidade ou local. Propõe, assim, uma forma participativa de construir o conhecimento, de fazer ciência e tecnologia para o desenvolvimento e realização do ser humano e de seus interesses coletivos. É uma forma de reduzir as desigualdades sociais.
Na percepção de Bava (2004, p. 106), as tecnologias sociais são:
métodos e técnicas que permitam impulsionar processos de empoderamento das representações coletivas da cidadania para habilitá-las a disputar, nos espaços públicos, as alternativas de desenvolvimento que se originam das experiências inovadoras e que se orientem pela defesa dos interesses das maiorias e pela distribuição de renda.
O raciocínio de Cristofidis (2006) segue na mesma linha de Bava (2004). Para ela, o conceito de tecnologia social é complexo e serve para técnicas e metodologias que devem ser transformadoras e participativas, que tenham um caráter social e também o objetivo de inclusão social e melhoria das condições de vida. Ambos os autores frisam a importância da participação dos envolvidos.
As tecnologias sociais são entendidas como metodologias para a inclusão social, construídas em interação com as comunidades e por elas apropriadas (incorporação da inovação). É uma maneira de se transformar a realidade destas pessoas envolvidas por meio de suas próprias ações e atividades desenvolvidas, a fim de estabelecer a inclusão social pelo trabalho que irá proporcionar vínculos sociais e poder econômico a elas (SANTAROSA, 2004).
Corroborando com o conceito acima, Dowbor (2004) enfatiza que a articulação local é uma fonte importante de apoio para que a tecnologia social funcione como um instrumento transformador e se adapte às condições reais. Para o autor, atividades que organizem os desempregados em frentes de trabalho dinamizam o seu conjunto e desenvolvem as infraestruturas e a produtividade sistêmica das economias locais, por favorecer não só o seu município, mas todo o seu entorno.
As tecnologias sociais representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida, respeitando os direitos de todo o cidadão. Devem ser compreendidas como um “conjunto de técnicas, metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela” (OTERO; JARDIM, 2004, p. 130).
Segundo Pena (RTS, 2008), as tecnologias sociais são igualmente tecnologia, porém, de outra natureza e conceituação, combinam saber técnico-científico com saber popular. Para o autor, a tecnologia social é todo método, processo ou artefato, desenvolvido em interação com a comunidade, que promova transformação social e que tenha condição de ser reaplicado em escala, em outros lugares ou territórios ou regiões que convivam com o mesmo problema social. Para ele, uma solução social conhecida por um determinado grupo da sociedade (organização coletiva) pode e deve ser transferida por meio do trabalho da rede, que é composta por atores como: a população, o governo e a iniciativa privada.
A Rede de Tecnologia Social é uma proposta de organização coletiva composta por instituições da sociedade civil, organismos de governos, empresas, universidades e institutos de pesquisa que visam elaborar políticas públicas e promover em larga escala o desenvolvimento local sustentável, por meio da reaplicação, difusão, apropriação, desenvolvimento, monitoramento e avaliação de tecnologias sociais que pretendem gerar trabalho e renda, contribuindo para a solução de problemas sociais, e desta forma realizando a inclusão social (SANTAROSA, 2004).
De acordo com Gushiken (2004), pensar em tecnologias sociais é abordar resultados concretos e inovadores de trabalho de pessoas que resolveram problemas, inspiradas pela sabedoria popular e auxílio de pesquisadores/conhecimento especializado, não residindo, necessariamente, em seu ineditismo, mas, sim, no seu efeito inovador (processos, serviços e produtos relacionados à satisfação das necessidades sociais). As tecnologias significam, para o autor, empreendimentos, organizações associativas, redes e iniciativas de cooperação, que geram emprego e renda.
Da mesma forma, Dowbor (2004) menciona que a tecnologia social não trata apenas de tecnologia de produção, mas de formas inovadoras de organização do uso dos recursos disponíveis a partir de iniciativas descentralizadas e participativas, pois atua como uma política de apoio a experiências inovadoras de administrar os poucos recursos existentes que podem ser considerados como melhores práticas que promovem o desenvolvimento local.
De acordo com Cristofidis (2006), quatro eixos podem contribuir para a organização da terminologia da tecnologia social, os quais são: aprender implica participação e envolvimento e vice e versa; a realidade é construída por elementos que se combinam a partir de múltiplas relações; a transformação deve ocorrer a partir da internalização e especificidades da realidade existente; todo ser é capaz de gerar conhecimento e aprender a partir da interação da sua cultura com o mundo.
Segundo Cristofidis (2006), as implicações provenientes do conceito de tecnologia social são: a produção científica e tecnológica é influenciada pelos valores e interesses presentes no ambiente em que são concebidas, pois é fruto de relações sociais/construções sociais, econômicas e culturais, por isso todo projeto tecnológico é eminentemente político; as demandas sociais devem ser fonte privilegiada de questões para as investigações científicas e de atenção das Universidades; a produção de conhecimento deve estar comprometida com a transformação da sociedade, no sentido de promover a justiça social, portanto é necessário democratizar o saber e ampliar o acesso ao conhecimento científico, além de associar a conhecimentos tradicionais e populares; é fundamental avaliar os riscos e impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais da aplicação de tecnologias e da produção de conhecimentos científicos; deve haver participação da sociedade civil na formulação de políticas públicas.
Os objetivos da tecnologia social são:
promover o empoderamento da população, a troca de conhecimento entre os atores envolvidos nos processos, a transformação no modo de as pessoas se relacionarem com alguma demanda ou questão social, a inovação a partir da participação: os processos de aprendizagem geram processos de inovação, o desenvolvimento de instrumentos para realização de diagnósticos e avaliações participativas (CHRISTOFIDIS, 2006, p. 59).
De acordo com Fritzen et al. (2008), o fomento de mecanismos de empoderamento e cidadania reforçam a cooperação e participação efetiva dos integrantes. Além disso, propiciam conhecimentos, valores e formação de atitudes sociais que sustentam suas progressivas inserções.
Segundo Lassance Júnior e Pedreira (2004), os procedimentos e métodos das tecnologias sociais cumprem, pelo menos, quatro fases essenciais que fazem parte do segredo de sua viabilidade em escala: a primeira é a fase de criação. As tecnologias sociais nascem ou da sabedoria popular, ou do conhecimento científico, ou da combinação de ambas (especialistas); a fase de viabilidade técnica, na qual há a consolidação de um padrão tecnológico; a fase de viabilidade política (governos e administração - parte burocrática); e viabilidade social, entidades civis e outras organizações devem reivindicar seu uso e apontá-la como solução.
Esse respaldo é de suma importância para garantir a sobrevivência do projeto. Ou seja, a tecnologia precisa ter bases de apoio para que seja demonstrada, reaplicada e cercada de orientações a quem a aplica, garantindo, desta forma, a sua eficácia. Estes circuitos de relações estabelecerão a sua inclusão ou exclusão no horizonte das políticas públicas. No entanto, apesar de existirem todos estes circuitos, ainda assim, pode ser que o empreendimento não dê certo, pois tudo dependerá da forma de atuação e gestão frente às situações e negócios.
Os procedimentos e métodos das tecnologias sociais partem do pressuposto de que é possível articular uma ampla rede de atores sociais. Esta é uma condição necessária, mas não suficiente; precisam ser estruturados em modelos flexíveis para que as tecnologias sociais possam ser reaplicadas. Nem tudo que é viável em um lugar pode sê-lo da mesma forma em outro, por isso é importante que se dê para fazer adaptações.
Por outro lado, a tecnologia social não poderá se disseminar se não houver um padrão tecnológico cujos elementos essenciais permitam escala. Este padrão pode ser um programa de formação e capacitação, um componente mecânico ou eletrônico (LASSANCE JÚNIOR; PEDREIRA, 2004).
Em geral, a tecnologia social possui apenas dimensão local. Aplica-se a pessoas, famílias, cooperativas e associações. No entanto, a rede de tecnologia social vem tentando mudar este cenário para que as tecnologias sociais ganhem proporções maiores dentro do âmbito nacional junto ao governo e sociedade, para que passem a ser visualizadas em termos de um projeto nacional. Com isso, maiores incentivos e apoios poderão ser fornecidos para a implantação e reaplicação destas tecnologias (DAGNINO, 2008).
Sendo assim, de acordo com a Rede de Tecnologia Social (RTS, 2008), a comunidade deve participar do processo de formulação, implantação e reaplicação da tecnologia, para que esta atenda a sua realidade e, assim, possa gerar a transformação social visada. As tecnologias não são copiadas, o termo não é replicar, mas sim reaplicar, o que implica em adaptar de forma criativa o que já existe num lugar para outros lugares.
Deste modo, a implementação de tecnologias sociais requer que as experiências obtidas sejam registradas num histórico, detalhando pormenores da metodologia utilizada. Isto facilitará a reaplicação em outros lugares, além de registrar também informações a respeito das dificuldades e oportunidades encontradas, participação político-social das comunidades envolvidas, seu grau de organização e envolvimento com as iniciativas. Isso possibilita que as tecnologias adotadas possam ser dissipadas na rede (OTERO; JARDIM, 2004).
O Movimento pela Tecnologia Social (MTS), então, busca integrar o conhecimento social comum com o conhecimento científico, por meio de plataformas qualificadas, reenviando o conhecimento sócio-técnico de volta à base. Como resultado, pode gerar reaplicações para que haja uma disseminação deste conhecimento para que aumente a “vida decente” por meio da empregabilidade para os que se encontram excluídos do mercado formal de trabalho (NEDER, 2008).
Segundo Mariga (2004), a busca pelos conhecimentos técnico-científicos compete aos próprios interessados para que estes se tornem sujeitos ativos da própria história, para que não a contemplem ou a descrevam apenas. Isto se dará através das suas ações e avaliações sobre a realidade, o que implicará na busca por novos conhecimentos que os capacite a uma atuação mais crítica, consciente, confiante e independente, para que pratiquem inteiramente a cidadania.
Isto se aplica desde os movimentos de agricultura orgânica nos assentamentos rurais, a agricultura familiar agroecológica, a urbanização e o saneamento ambiental nas favelas, o acesso a projetos integrados vizinhança-escola pública, até a descentralização dos sistemas de transportes nos grandes centros urbanos (NEDER, 2008, p. 6).
Assim, o Movimento pela Tecnologia Social busca a emancipação dos atores envolvidos, fazendo com que os próprios produtores e usuários das tecnologias sociais se apropriem de inovações gerenciais já disseminadas pelas organizações e construam soluções que venham a beneficiá-los. Também possui interesse em definir certificações participativas para assegurar condições legítimas de reaplicabilidade (efeito multiplicador) da tecnologia social (NEDER, 2008).
Desta forma, a proposta da tecnologia social é desenvolver e disseminar uma tecnologia que seja:
adaptada a pequenos produtores e consumidores de baixo poder econômico; não promovedora do controle, segmentação, hierarquização e dominação nas relações patrão-empregado; orientada para o mercado interno de massa; incentivadora do potencial e da criatividade do produtor direto e dos usuários; capaz de viabilizar economicamente os empreendimentos como cooperativas populares, incubadoras e pequenas empresas (RTS, 2008, p. 19).
O homem, por meio da incorporação da tecnologia social e da execução desta atividade laboral, irá transformar a si mesmo e a realidade que o circunda.
3. Procedimentos Metodológicos
A presente pesquisa é de natureza qualitativa e descritiva. Pois, de acordo com Godoy (1995), a pesquisa qualitativa é per si descritiva, cujos aspectos que a caracteriza são: o ambiente natural como fonte direta de dados; o pesquisador estabelece contato direto com o ambiente e com a situação a ser estudada; e o pesquisador como instrumento fundamental.
Quanto ao horizonte de tempo, esta pesquisa é do tipo transversal ou seccional, limitando a coleta de dados a apenas um período de tempo. O interesse da pesquisa é no momento atual, sobre o qual os dados serão coletados (VIEIRA, 2004).
Os dados primários foram coletados por meio de uma entrevista aberta com o consultor da Associação dos Produtores Rurais da Comunidade Vila Rural Esperança, com o coordenador do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) e com as todas as artesãs que fazem parte do projeto Seda Justa, visto que nove artesãs estão inseridas nele desde o início das primeiras confecções, possibilitando, desta maneira, apreciar as várias percepções a respeito dos efeitos da tecnologia social.
Foi-lhes assegurado o anonimato, para que não se sentissem expostas ou constrangidas. Desta forma, acredita-se que as perguntas realizadas nas entrevistas foram respondidas de forma mais espontânea e sincera.
Os dados secundários foram obtidos por meio de documentos internos (arquivos), tais como: projeto de extensão tecnológica empresarial (Incubadora Tecnológica de Maringá), site empresarial (Artisans Brasil - Seda Justa) e folder institucional (EMATER), os quais permitiram o registro da história do projeto Seda Justa, o resgate de contextos e acontecimentos relevantes para o início e desenvolvimento do projeto Seda Justa na comunidade Vila Rural Esperança.
Estes documentos internos (arquivos) foram obtidos por meio de uma visita informal ao escritório do consultor da Associação dos Produtores Rurais da comunidade Vila Rural Esperança, em junho de 2009, e de uma visita informal ao escritório do coordenador da EMATER. |