1 Caracterização da pesquisa
O conceito de inovação ganhou ênfase e se difundiu com os trabalhos clássicos do Economista Joseph Schumpeter no século XX, os quais nortearam o debate sobre as teorias do Desenvolvimento Econômico que trabalharam sob o arcabouço teórico da inovação e desenvolvimento. Tal destaque se deve aos efeitos positivos das inovações de gestão, processo e produto com vistas ao desenvolvimento econômico das nações, instituições e empresas (SMITH, 2008; BYKFALVY, 2007; CHESBROUGH e KARDON, 2006; FRANCIS e BESSANT, 2005). Na visão schumpeteriana, a tecnologia influencia o desenvolvimento econômico, implicando em impactos na dimensão econômica e social, podendo serem constatados resultados no aumento da produtividade e no crescimento da riqueza (SCHUMPETER, 1985; NELSON e WINTER, 2005; KEUPP e GASSMAN, 2009).
Entre os estudos sobre inovação ganham destaque aqueles que se referem ao setor de serviços. O interesse pelo setor tem crescido exponencialmente a partir de constatações da sua inferência no desenvolvimento e na integração econômica, tanto nas economias emergentes quanto nas avançadas, nas quais o setor representa mais de 70% da riqueza (GALLOUJ e SANSON, 2007). O crescimento ocorre não exclusivamente pela sua função geradora de emprego e renda, mas também pela importância dos serviços na interface com a indústria como forma de incrementar o progresso técnico e a criação da riqueza social devido a novas oportunidades do desenvolvimento econômico (BERNARDES e ANDREASSI, 2007).
O setor de serviços caracteriza-se pela diversidade e inovação e distingue-se na sua organização e execução em relação a outros setores (HIPP, 2008; DJELLAL e GALLOUJ, 2007 e GALLOUJ e SANSON (2007). Salienta-se que pesquisas de inovação são relativamente recentes e a história da pesquisa de inovação na indústria de serviços é ainda mais recente (HAMDANI, 2007; JACOBY e RODRIGUEZ, 2007). Somente na sociedade pós-industrial as inovações em serviços começaram a ter destaque (SIMMIE e STRAMBACH, 2007; CAMACHO e RODRIGUEZ, 2005).
O setor de transporte público urbano em cidades polo tem sido impelido pela busca por inovação a partir da disponibilização de meios tecnológicos e pelos impactos causados por transformações nas demandas de passageiros, crescimento das exigências dos usuários e do Poder Concedente (corresponde aos órgãos públicos que regulamentam o serviço de transporte coletivo urbano e interurbano representados por Secretarias Municipais de Transporte; empresa pública destinada a regulamentar o serviço de transporte urbano e interurbano e/ou agência regulatória). Destacam-se também as mudanças na configuração das cidades como oportunidades de trabalho em locais fora dos tradicionais centros econômicos, trabalhos em casa (homeoffice), aumento e facilidades para aquisição de veículos para transporte individual, crescimento dos deslocamentos a pé, engarrafamentos, questões ambientais e de responsabilidade social, os quais passaram a ser considerados no modus operandi do transporte de pessoas (LUBECK, WITTMANN e JÚNIOR-LADEIRA, 2009; COSTA, LUBECK e JUNIOR-LADEIRA, 2008). Esses fatores permitem inferir a necessidade de ganhos de eficiência e eficácia operacional em um setor econômico que possuía uma situação relativamente estável, ganhando destaque, hoje, os sistemas de controle da compra, venda e utilização de passagens, representados pela bilhetagem eletrônica.
No Estado do Rio Grande do Sul, os sistemas de bilhetagem eletrônica começaram a ser implantados no final dos anos de 1990 e iniciada em uma cidade da Serra Gaúcha e, posteriormente em 2006, a região metropolitanas deu início à implantação por força do Poder Concedente. A implementação da bilhetagem foi determinada em vista da necessidade de qualificar a gestão das informações visando garantir, ao Poder Concedente, melhor controle da exploração do transporte público pelas empresas transportadoras e melhorias no atendimento aos usuários.
A bilhetagem eletrônica foi desenvolvida como uma evolução dos cartões de crédito com tarja magnética devido a preocupações com ineficiências na gestão das informações e controle de operações. A plataforma tecnológica realiza o cadastro dos usuários, controla as operações de venda de vale-transporte, realiza a carga de créditos a bordo do ônibus e emite os relatórios gerenciais permitindo o monitoramento preciso dos dados. Com a implantação desse sistema deixou de existir o vale-transporte de papel ou mesmo de fichas plásticas, existindo apenas o crédito em Reais a ser utilizado em qualquer das empresas que operam com a mesma plataforma. Os créditos, após serem utilizados pelos usuários nos ônibus, são encaminhados às empresas de transporte nas quais foram gastos em Reais, via compensação bancária, pelo controle central do sistema. O cartão dos usuários mantém as informações neles armazenadas e sua leitura é realizada em equipamentos específicos, chamados de validadores, que estão instalados ao lado da catraca do ônibus e a destravam mediante o pagamento com o cartão. Esses sistemas de bilhetagem eletrônica têm como foco diminuir as ineficiências dos sistemas tradicionais de vale-transporte (LUBECK, WITTMANN e JUNIOR-LADEIRA, 2009; LUBECK, JUNIOR-LADEIRA e COSTA, 2008).
Nas cidades abrangidas por este estudo, a implementação do sistema de bilhetagem eletrônica foi obrigatória e exigiu a formação de Consórcios Gestores para o sistema entre as empresas transportadoras devido à dimensão do investimento e dificuldades comuns a todas as empresas envolvidas no processo de implementação e gerenciamento da bilhetagem. Os Consórcios Gestores ficaram responsáveis pelo desenvolvimento do sistema que passou a dar suporte à operação da bilhetagem associada a equipamentos de controle. A plataforma tecnológica realiza o cadastro dos usuários, controla as operações de venda de créditos, realiza carga de cartões a bordo, emite informações e relatórios gerenciais.
A importância dessa pesquisa se reflete na necessidade de pesquisar os impactos da implantação de soluções tecnológicas, como a bilhetagem eletrônica, em empresas de serviços para o avanço do conhecimento sobre os efeitos das novas tecnologias na gestão, em especial, no que se refere à gestão das informações. Este fator é especialmente relevante, pois insere-se nas dinâmicas sociais e econômicas do setor de transporte coletivo e mobilidade urbana contribuindo para o debate acadêmico, científico e empresarial para qualificar estes serviços em cidades polo com vistas ao desenvolvimento do Estado e do país.
Considerando os fatores citados e o cenário descrito, a presente pesquisa foi desenvolvida para verificar se as melhorias na gestão das informações proporcionada pela bilhetagem eletrônica possui características que a definam como uma inovação em duas cidades e região metropolitana no Estado do Rio Grande do Sul. O presente artigo integra um projeto de pesquisa sobre inovação no transporte público financiado com recursos do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul) e UFSM (Universidade federal de Santa Maria).
Inicialmente, construiu-se um referencial teórico que possibilitou definir quatro categorias de análise que nortearam a busca por informações e dados e que deram suporte para a comparação entre o os processos de gestão da informação ex-ante e ex-post. Esta comparação permitiu a verificação das características inovadoras da bilhetagem que foram comparadas com os conceitos e fatores intervenientes nas inovações, em especial inovações em serviços. Com as categorias elaboradas, foram construídos os instrumentos de coleta de dados utilizados na pesquisa de campo que resultou em dados de natureza qualitativa e dados secundários. Os dados qualitativos foram analisados com a aplicação da análise de conteúdo e os dados secundários foram analisados pela observação das alterações verificadas na quantidade de veículos em circulação no Rio Grande do Sul e no número e tipos de passageiros transportados nos casos estudados (isentos, escolares, pagantes). A coleta de dados em campo compreendeu entrevistas com questionários semiestruturados com gestores das empresas e associações do transporte coletivo urbano dos casos estudados e representantes do Poder Concedente, análise de dados de transporte público relativos à quantidade de passageiros transportados, número de isentos e estudantes, análise documental para levantamento histórico do setor e da legislação específica para a bilhetagem eletrônica.
2. Inovação
As economias mundiais precisam se concentrar em produtos e serviços que agreguem valor pela inovação pela criação de mercados e processos (SIMMIE e STRAMBACH, 2007). No setor de transporte público a introdução de novas tecnologias, associada à natureza da atividade, torna-se fator de recriação da própria atividade pelo desenvolvimento de novas oportunidades de mercado e qualificação dos serviços oferecidos.
A inovação nos serviços é frequentemente assimilada à adoção de sistemas técnicos (chamados de sistemas informatizados) advindos da inventividade dos setores industriais, em detrimento de outras formas de inovação menos tangíveis ou menos especulares (GALLOUJ e SANSON, 2007). O recurso tecnologia leva à eficiência e eficácia operacional fazendo com que as empresas melhorem a qualidade de seus produtos e serviços (GALLAUGHER, 2007), nos quais a inovação passa a ser a chave da produtividade.
A inovação pode ser vista como um processo que ocorre em diversas fases partindo de problemas específicos que passam, necessariamente, pela sistematização das dificuldades existentes, percepção de práticas inovadoras e processos políticos que envolvem a aceitação da inovação por parte dos agentes envolvidos (LOUNSBURY e CRUMLEY, 2007). Considerando esses argumentos, foi desenvolvido neste artigo um referencial sobre inovação abordando quatro fatores que foram utilizados para efetuar a comparação dos dados dos casos estudados com a teoria. O primeiro fator definido envolve as forças que influenciam a inovação (Quadro 01).
F1 - FORÇAS QUE INFLUENCIAM A INOVAÇÃO |
Autor |
Modos de distribuição e circulação da informação nas empresas |
Coriat e Weinstein, (2002) |
Relações existentes entre a investigação e o processo de inovação |
Forças trajetórias: profissional, gerencial, tecnológica, institucional e social |
Sundbo e Gallouj (1998) |
Forças externas: clientes, competidores, governo e fornecedores |
Expertise, processos, recursos, legislação e normas, novos mercados |
Sheth e Ram, (1987) |
Quadro 01: forças que influenciam a inovação
Considerando os aspetos citados, buscou-se evidências que possibilitaram o entendimento destas forças e a identificação das formas internas e externas de como essas agiram no processo de inovação estudado O segundo fator considerado neste estudo refere-se à definição de inovação que foi aplicada nas análises de dados coletados para determinar se as características encontradas são compatíveis com as teorias a respeito.
F2 - DEFINIÇÃO DE INOVAÇÃO |
Autor |
Introdução de um novo bem ou método de produção |
Schumpeter, (1982, 1942) |
Abertura de um novo mercado |
Novas fontes de matérias-primas |
Estabelecimento de uma nova organização em qualquer indústria |
Inovação per si não existe, pois prevê o desenvolvimento e a execução de "algo" |
Tether, (2005)
Jong e Vermeulen, (2003) |
Atividade ou uma ação que cria valor nos produtos, serviços e processos |
Smith, (2008) |
Ideia que está disponível, mas que não foi reconhecida nem aplicada |
Nova aplicação de algo já existente |
Quadro 02: Definição de inovação
Após definir as características necessárias à inovação o terceiro fator considerado neste artigo refere-se à intensidade da inovação que foi igualmente aplicada nas análises de dados coletados para permitir verificar a validade dos dados empíricos frente aos conceitos sobre o tema destacado.
F3 - INTENSIDADE DA INOVAÇÃO |
Autor |
Máxima: novo no mundo |
Manual de Oslo, (2004) |
Intermediária: novo no país ou região |
Mínima: novo na empresa |
Quadro 03: Intensidade da inovação
A intensidade da inovação destaca o grau de importância da inovação tanto em termos científicos quanto em relação à sociedade e para a área na qual foi empreendida. Por fim, como quarto fator, considerou-se os conceitos sobre inovação em serviços para especificar se as evidências coletadas permitem tecer considerações sobre a bilhetagem eletrônica no papel de agente de inovação.
F4 - INOVAÇÃO EM SERVIÇOS |
Autor |
Adoção de sistemas técnicos informatizados |
Gallouj e Sanson, (2007) |
Mudança na maneira que um produto ou serviço é realizado |
Davenport, (1992) |
Associada diretamente à inovação em processos |
Tether, (2005) |
Aplicação de nova tecnologia para aumentar a eficiência e a eficácia na prestação de serviços pré-existentes |
Barras (1986) |
Inovações em processos melhoram a qualidade dos serviços |
Inovações que criam novos serviços ou transformam serviços existentes |
Introdução de métodos ou procedimentos dentro da organização
|
Tarafdar e Gordon, (2007) |
Inovação de produto, processo, organizacional, de mercado, ad hoc |
Sundbo e Gallouj (1998) |
Quadro 04: Inovação em serviços
Os aspectos sobre inovação, revisados neste artigo, permitem elaborar o quadro de análise para os objetivos propostos, como também inserir a gestão da informação que complementa o quadro analítico.
3. Gestão da informação
A inovação tem sido um dos principais fatores para criar e sustentar estratégias em mercados competitivos (BERNSTEIN e SINGH, 2005; LEE, GEMBA e KODAMA 2006) e tem interferido diretamente na gestão de muitas empresas oferecendo potencial de melhoramento nos seus processos internos (LIN e LU, 2007). Especificamente, a inovação em processos, característica do setor de serviços, tem a capacidade de superar dificuldades operacionais (TARAFDAR e GORDON, 2007).
As transformações ocorridas na demanda de passageiros em empresas de transporte coletivo urbano e as ineficiências operacionais causaram a necessidade de soluções que reduzissem as ineficiências e ineficácias dos sistemas tradicionais. As tecnologias da informação passaram a possibilitar, na gestão das informações, a diminuição das falhas e monitorar a efetividade operacional, em especial, o controle do pagamento de passagens e o uso dos vales-transportes essenciais para o controle pelas empresas transportadoras, visto que, até recentemente, tais controles eram efetuados praticamente por controles convencionais, abrindo a possibilidade de falhas que resultavam em informações imprecisas e por consequência de difícil aplicação para diagnosticar problemas relativos a controles operacionais.
O gerenciamento de informações, através da bilhetagem eletrônica assumiu importância no setor de transporte coletivo municipal e intermunicipal de passageiros como forma de qualificar os serviços oferecidos à população e ganhar competitividade frente às exigências de qualidade do Poder Concedente. Igualmente, também passou a ser uma forma de identificar e adequar as estruturas das empresas às novas demandas de transporte (LUBECK, JUNIOR-LADEIRA e COSTA, 2008; SOUZA JÚNIOR, 2006).
Para uma análise conceitual deste trabalho, torna-se importante distinguir dados de informações e estes de conhecimento para decidir qual a melhor forma de se obter e administrar a informação. O’Brien (2002) afirma que dados são fatos ou observações crus, como imagens ou sons isolados, que podem ou não ser utilizados. Informação é um conjunto de dados que possuem significado e utilidade e dotados de relevância e propósito (DRUCKER, 2001), ou seja, são dados organizados para um uso específico. Conhecimento é a combinação de instintos, ideias, domínios e procedimentos para guiar ações e decisões. De acordo com Turban, McLean e Wetherbe, (2004), conhecimento é informação que possui contexto, relevância e criado pela interação entre dados, informações e usuários. Os resultados da ação suprem o processo acumulando mais conhecimento e tornando as pessoas mais hábeis a transformar dados em informação e esses em conhecimento e mais hábeis em utilizar a informação em benefício próprio (ALTER, 1999) (Figura 01).
Figura 01: Processo de transformação de dados em informação.
Fonte: ALTER (1999, p. 29). |