The biological diversity a potential source of competitive advantage for brazilian pharmaceutical industry
La diversidad biológica - una posible fuente de ventaja competitiva para la industria farmacéutica brasileña
Vera Maria Costa Marinho1, Peter Rudolf Seidl2 y Waldimir Pirró e Longo3
RESUMO: No Brasil, principalmente nos anos 1980, ocorreram importantes estímulos governamentais que fomentaram uma promissora indústria farmacêutica nacional, mas, com as políticas dos anos 1990 muitas empresas do setor foram extintas e a produção caiu significativamente. A atual Política Industrial aponta para a retomada do crescimento da indústria no País, propiciando investimentos e novas condições competitivas. Este artigo tem como objetivo explanar como as ações governamentais relacionadas às questões de acesso, ao aproveitamento industrial do conhecimento tradicional e à apropriação dos benefícios decorrentes da biodiversidade brasileira podem propiciar um importante diferencial competitivo para as empresas nacionais de fármacos e medicamentos. Palavras chiaves: Diversidade biológica, industria farmacêutica, Brasil |
ABSTRACT: In Brazil, mainly during the eighties, the government offered important incentives to a promising national pharmaceutical industry but, with the shifts in policies that followed in the nineties, several companies in the sector closed down and production fell significantly. The present industrial policy indicates that growth will pick up again, resulting in investments and competitive conditions. The present paper has as an objective to explain how governmental measures related to access, to taking industrial advantage of traditional knowledge and to appropriation of the benefits of the country's biodiversity can provide a competitive differential for Brazilian pharmaceutical companies. |
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RESUMEN: |
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Principalmente nas últimas décadas, a indústria farmacêutica mundial tem sido intensamente marcada por mudanças tecnológicas e organizacionais e por transformações na estrutura e geografia da própria indústria e de seus mercados. A ocorrência de um intenso e contínuo fluxo de fusões e aquisições foi causada, essencialmente, pela busca por maiores rentabilidade, poder de investimento e penetração no mercado. O processo culminou na formação de uma estrutura industrial de natureza mundial dominada por grandes conglomerados farmacêuticos as “Big Pharma’s” que dividem entre si um mercado bilionário. Continuamente, as empresas necessitam de produtos inovadores para manterem as suas posições no mercado e, para tal, buscam acessar os avanços cientifico-tecnológicos originados das pesquisas acadêmicas e são obrigadas a arcar com os custos e riscos associados à realização de várias etapas de P&D.
Uma das principais características da indústria nos anos correntes é a ocorrência de vários “blockbusters” (medicamentos responsáveis por milhões de dólares em vendas) e a mudança do foco da pesquisa farmacêutica da visão tradicional - química orgânica/farmacologia/síntese - para uma visão multidisciplinar que inclui as “life sciences” (por exemplo, bioquímica, biofísica, botânica. endocrinologia; entomologia; genética; imunologia; microbiologia; toxicologia; virologia). Além disso, a indústria é fortemente influenciada por mudanças no mercado e na estrutura da concorrência entre as empresas (como, por exemplo, a introdução dos medicamentos genéricos) e por mudanças nas estruturas organizacionais através de megafusões/aquisições e da ênfase em descentralização/terceirização de atividades.
Atualmente, tem sido debatido um possível colapso das “Big Pharma’s” devido, principalmente, às perdas de parcelas de mercado para concorrentes genéricos, às maiores pressões para controle de preços e à proximidade da perda de proteção patentária em vários “blockbusters”. Mas, quando são considerados o aumento da sobrevida da população e o aumento da capacidade de acesso a medicamentos em mercados emergentes (como a China, a América Latina e o Leste Europeu), pode-se afirmar que o mercado global está em expansão.
O que parece ocorrer é uma nova etapa que consolida transformações ocorridas nos últimos anos. Muitos acreditam na mudança de um modelo de produção em grande escala de medicamentos padronizados para um modelo que atenda às demandas de grupos definidos, utilizando os avanços biotecnológicos e a pesquisa genética. No futuro, as empresas precisarão definir ações que assegurem sua continuidade no mercado, utilizando metodologias de estudos farmacoeconômicos mais precisas e estratégias bem delineadas para a entrada nos mercados emergentes.
2. A CADEIA PRODUTIVA FARMACÊUTICA
Farmoquímicos e medicamentos prontos constituem um importante segmento da indústria química com singularidades em todos os pontos da cadeia produtiva. Tais singularidades tornam tal segmento um constante objeto de estudo nas mais diversas áreas do conhecimento..
Para Queiroz e González (2001) as atividades da cadeia produtiva farmacêutica podem ser agrupadas em quatro estágios básicos, cada um incorporando conhecimentos diferenciados. No 1º estágio ocorre a P&D de novos fármacos em duas fases (clínica e pré-clínica), onde são identificados, analisados e testados os potenciais terapêuticos de um composto, demandando grandes recursos financeiros e onde é imensa a incerteza com relação ao sucesso do empreendimento. No 2º estágio os fármacos são produzidos, sendo desenvolvidos processos de fabricação em laboratórios e plantas-piloto. No 3º estágio são produzidos os medicamentos, ocorrendo o tratamento físico dos fármacos e sua mistura com substâncias adjuvantes que possibilitam o uso posterior. No 4º estágio ocorrem as etapas de marketing e comercialização de medicamentos envolvendo, normalmente, um grande volume de recursos financeiros.
Com relação à pesquisa, a indústria farmacêutica busca continuamente novos compostos para geração de novos medicamentos e novas técnicas relacionadas a formas de administração, dosagem, absorção e ação dos medicamentos. As grandes empresas do setor investem milhões de dólares em P&D de produtos inovadores, inovações em produtos existentes e inovações em processos, incluindo uma complexa cadeia de testes pré-clinicos e clínicos (indispensáveis para obtenção de autorização para a comercialização por parte de agências governamentais). Durante o ano de 2005, empresas ligadas à PHARMA - Pharmaceutical Research and Manufacturers of América, (associação das maiores empresas farmacêuticas sediadas nos Estados Unidos e, portanto, as maiores em operação na atualidade) investiram cerca de 39,4 bilhões de dólares em P&D, o que representou 6,5¨% a mais do que no ano anterior. (PhARMA, 2006).
A análise do custo para o desenvolvimento de um novo medicamento, normalmente, considera despesas realizadas em todas as etapas da P&D, incluindo custos de projetos que não foram bem sucedidos (pesquisas canceladas durante o desenvolvimento) e os impactos financeiros do tempo gasto. Segundo DiMasi et al (2003) o custo médio de desenvolvimento variou de 231 milhões de dólares (em 1987) para 802 milhões de dólares no ano de 2000. Se tal custo tivesse acompanhado, simplesmente, a variação da inflação, seria de 318 milhões de dólares em 2000 e, portanto, ocorreu aumento real da ordem de 484 milhões causado, em grande parte, pelo aumento dos custos dos testes clínicos.
A pesquisa por um novo fármaco pode ser resultado da observação de eventos e interações entre eles (contando com a “sorte” serendipity); pela busca sistemática de princípios potencialmente existentes em produtos naturais de forma aleatória ou norteada por fontes de conhecimento tradicional, pela modificação de fármacos existentes; por consultas a bancos de substâncias; utilizando a tecnologia da síntese combinatória ou as técnicas de “rational drug design”. Na prática, a indústria farmacêutica atual ainda é bastante dependente de moléculas presentes em organismos vivos, muitas das quais não podem ser sintetizadas em laboratórios e são coletadas em seus ambientes naturais.
3. O VALOR DOS PRODUTOS NATURAIS NA FARMACÊUTICA
Desde o início da civilização o ser humano tem buscado elementos curativos nas espécies naturais. Mesmo com os avanços obtidos nos séculos XIX e XX muitas vezes não é possível sintetizar moléculas existentes na natureza, cujas interações com processos biológicos e fisiológicos as tornam capazes de curar ou aliviar os sintomas de diversas doenças. Só a partir do início do século XIX o uso terapêutico de produtos naturais passou a ser tratado como atributo da ciência. O isolamento da morfina em 1806 deflagrou uma onda de pesquisas que, resultaram no isolamento e aplicação terapêutica de centenas de novas entidades químicas a partir de plantas e até o final do século os produtos naturais mantiveram-se como a principal fonte de medicamentos. (Seidl, 2002). De acordo com Newman (2003) 23% das 1.031 novas entidades químicas introduzidas no mercado entre 1981-2002 veio de fontes naturais, 10% foram químicos sintetizados a partir da observação de produtos naturais e 5% derivados de fontes naturais sem alterações, conforme mostrado na Figura 1.
Figura 1: Novas Entidades Químicas, classificadas de acordo com a fonte período 1981-2002. |
Fonte: Newman (2003) |
A busca por fármacos a partir de espécies vegetais é iniciada pela decisão de qual espécie será pesquisada. Tal decisão pode ser baseada no conhecimento antecipado de efeitos terapêuticos (pesquisa etnobotânica utiliza o conhecimento pré-existente nas comunidades nativas), por acesso a bancos de moléculas disponíveis ou por pesquisa aleatória (em espécies existentes e disponíveis em local previamente escolhido). Para diminuição dos riscos e tempos da P&D, empresas podem buscar estabelecer parcerias com instituições governamentais de pesquisa e acadêmicas, contratar serviços especializados em coleta, “screening”, identificação e modelagem molecular ou obter facilidades de acesso a bancos de amostras e de moléculas.
4. A ESTRUTURA DE MERCADO FARMACÊUTICO NO BRASIL
O mercado brasileiro de medicamentos é um dos 10 maiores do mundo (Quadro 1) e está em expansão, devida, principalmente, ao aumento da expectativa de vida e à previsão de crescimento econômico nos próximos anos. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a expectativa de vida dos brasileiros aumentou de 42,7 anos, em 1940, para 71,9 anos em 2005. Segundo a ONU (United Nations, 2005) a população do Brasil continuará representando 38% e 2,8% na população total da América Latina e do Mundo, respectivamente, nas projeções para os anos de 2015 e 2030.
Quadro 1: Os 13 maiores mercados de medicamentos (valores em milhões de dólares relativos a junho de 2006). |
Fonte: IMS Retail Drug Monitor: 12 months to june 2006 |
No caso de medicamentos genéricos, as autorizações concedidas no Brasil pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) têm crescido de forma exponencial, totalizando, até agosto de 2006, 317 fármacos, 1994 medicamentos e 10.703 apresentações farmacêuticas (forma como medicamento é utilizado, por exemplo, comprimidos, injeções, patches, etc). (Figura 2) sendo que mais de 80% dos insumos usados para fabricação de genéricos no País ainda são importados (OLIVEIRA, 2003). No Brasil, as vendas de medicamentos genéricos cresceram 42% entre 2003 e 2004 enquanto que o setor farmacêutico em geral cresceu 20%. As empresas nacionais detêm, atualmente, mais de 80% do mercado e, dentre as 5 maiores, somente a empresa Ranbaxy não é de capital nacional. De acordo com Capanema e Palmeira Filho (2004) os laboratórios nacionais substituíram as empresas multinacionais numa grande parcela do mercado brasileiro de genéricos
Figura 2: Registros de medicamentos genéricos no Brasil valores acumulados até 2006. |
Fonte: ANVISA (agosto de 2006) |
O Brasil também possui uma rede de laboratórios públicos composta por 18 entidades ligadas a instituições públicas tais como: Ministério da Saúde, Forças Armadas, Governos Estaduais e Universidades produzindo medicamentos para atender as demandas do sistema público de saúde. De acordo com Bermudez e Oliveira (2004) tal rede é responsável por cerca de 3% da produção nacional (em valores monetários) e atende a quase 10% das compras totais de medicamentos do Ministério da Saúde. O principal laboratório público no País é Far-Manguinhos atuando como órgão de apoio técnico para a formulação das políticas públicas de saúde e fabricando medicamentos em diversas classes: antiinflamatórios, antiinfecciosos, antipsicóticos, analgésicos, antiretrovirais e antimaláricos.
O significativo contraste entre a baixa produção interna e o imenso mercado consumidor de medicamentos tem sido uma das principais características da indústria no Brasil Consequentemente, o saldo da balança comercial é sempre negativo, tanto em fármacos quanto em medicamentos. Para os produtos farmacêuticos, embora a taxa de crescimento das exportações, a partir de 1997, tenha se mantido acima da taxa de crescimento das importações, a diferença nos níveis é muito grande, sendo as importações cerca de quatro vezes superiores às exportações (Figura 3)
Figura 3: Balança Comercial de produtos farmacêuticos no período 1997-2005 |
Fonte: SECEX/MDIC |
Com relação à natureza dos produtos, durante o ano de 2005 os 10 principais farmoquímicos importados, em ordem decrescente, foram: Amoxicilina e seus sais, Ivermectina, Acetato de Alfa-Tocoferol, Vitamina C, Clonazepam, Acetato de Ciproterona, Bromazepan, Cefaclor/Cefalexina/Cefalotinal, Zidovudina e Metildopa, representado um total de 117 milhões de dólares FOB (Free on Board mercadoria entregue embarcada).
1. Aluna de Doutorado da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em Engenharia de Produção pela Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, Tecnologista em Propriedade Industrial no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI-Brasil). E-mail: veramar@inpi.gov.br
2. Professor titular da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Militar de Engenharia, Pesquisador visitante do Centro de Tecnologia Mineral, Doutor e Mestre em Química pela Universidade da Califórnia. E-mail: pseidl@eq.ufrj.br
3. Pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, Doutor e Mestre em Engenharia e Ciência dos Materiais e Metalurgia pela Universidade da Florida. E-mail: wlongo@nitnet.com.br